quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

E se recontássemos a história?

Luana Schabib, repórter.

Em algum lugar chamado de Palestina – que um dia foi uma terra soberana, com liberdade para assegurar a convivência entre os mais diferentes credos e hoje se encontra reduzida a duas ínfimas faixas territoriais oprimidas de todas as formas, cuja história foi aviltada –, sua resistência sôfrega foi chamada de terrorista e suas crianças morrem mutiladas atingidas por bombas em suas casas, no colo de suas mães. Mas, porque as centenas de litros de sangue palestinos valem menos que um susto ou um arranhão de um jovem israelense para a mídia manipuladora?

E se não deixam falar na TV e na grande imprensa, fizeram-se dois, dez, centenas de blogs na internet. E vai-se às ruas. Assim foi em Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, ou em Belo Horizonte (MG). E também na Praça da Sé, às sete e meia da noite, dia 16 de janeiro. Não foi a única passeata pró-Gaza – foi mais um grito. São centenas de milhares de vozes que fazem coro contra o genocídio, a banalização da vida e, pior, o esquecimento cínico e covarde, aliado dos tiranos.

A concentração era na Praça da República, centro histórico de São Paulo, uma cidade de 455 anos que transformou seu coração em abandono. Lá encontram-se sapatos de salto alto ao preço de sete reais, prédios de mais de cem anos e antigas sedes de redações de jornais que faziam jus à função social do jornalismo, de informar aos cidadãos. Hoje abundam os dejetos humanos nas ruas.

Esse foi o diferencial da segunda manifestação que ocorreu em São Paulo. Eram discursos dos representantes de entidades diversas da nossa sociedade, partidos políticos, MST, associação de professores, jovens, libaneses, índios, paulistanos-nordestinos, palestinos, ao lado de moradores das ruas.

– Pára com isso, meu. Eu sou preto como você. Sei que no Brasil também tá difícil. Mas, isso aqui é dor: sangue, dor!

Foi o que disse um manifestante a um morador de rua, que entrava na frente das pessoas que discursavam e fazia gestos obscenos, enquanto os representantes de entidades falavam da dor, da luta palestina por sua sobrevivência. O jovem negro dava o exemplo ao seu filho de uns 10 anos, e foi compreendido pelo morador de rua que carregava garrafas plásticas, latinhas e usava óculos escuros, naquela sexta-feira incomum. Eram dores semelhantes. A miséria e o descaso com os moradores de rua, que vivem rejeitados nas escadas da Catedral da Sé, que olhavam o telão com as imagens da violência contra a Palestina, país acusado pela mídia de ser contrabandista de comida, em meio de ataques por terra, mar e ar.
Reivindicaram a condenação do governo de Israel por crime de guerra, ou melhor, por crime contra a humanidade. Pediram que o Brasil cortasse relações com Israel, como a Venezuela, Cuba e a Bolívia ousaram fazer. Reclamaram que a ONU existisse de fato.
Um garoto mudo, morador de rua, cumprimentava com entusiasmo os manifestantes e dizia, com gestos e onomatopéias, que também tinha vindo de lá, apontando a bandeira preta, branca, verde e vermelha. Seus pais teriam morrido pelas bombas. Solidariedade ou fato, aquela cena exprimia o apoio do cidadão anônimo de um Brasil altivo, diferente de até pouco tempo atrás, de joelhos para os amiguinhos do Tio Sam. Enquanto muitas pessoas continuavam a assistir as chamadas para o show de Madonna no Brasil, esse menino mudo, da Praça da República, empunhava a bandeira palestina e dizia ser de lá. Sentia a dor de ver fotos de crianças com tiros no peito, dos corpos de pessoas espalhadas pelo chão, cinza, com tom avermelhado.
Vamos recontar a história com base nos padrões globais, talvez isso tocasse mais o coração das pessoas que têm família, das pessoas que podem ser chamadas de pessoas ou das pessoas que assistem telenovelas:
“Mariam era uma jovem muito romântica. Toda vez que via Youssef, o jovem belo de olhos azuis da loja do seu Mohamad, seu coração palpitava. Mas, ele nunca lhe dara atenção, pois sempre estava ocupado com as compras para as casas das senhoras. Certo dia, o sol na Palestina amanheceu tão mais forte e bonito, as flores no jardim da mãe de Mariam floresciam tão mais verdes e fortes. Foi neste dia que Mariam declarou todo seu amor por Youssef e descobriu que era recíproco, mas eles tiveram que deixar o abraço pra mais tarde, porque o pai dele o chamou para que terminasse as entregas do dia. E quando ele enfim estava livre, depois de um dia de trabalho, pedalando ao encontro de sua amada, na florida casa de Mariam, bombas eram jogadas do céu. Quando Mariam desceu as escadas ao seu encontro, encontrou o seu corpo estendido no chão, junto com as flores que ia lhe dar. O jardim de sua mãe estava cinza dos escombros, o céu também cinza, só quebrado pelo escarlate do sangue espalhado de seus vizinhos e amigos agonizantes. Então, Mariam decide fazer justiça, pois, em 23 dias de bombardeios, foram mortos quase todos os seus amigos, familiares e animais, destruídos todos os sonhos juvenis – a faculdade, o primeiro amor, tudo.”
Isso é uma ficção, mas poderia ser um caso verídico, já que morreram tanta gente, e gente não é número e sim história. Algo está errado. Será que tudo tem que estar latente para enxergarmos que algo está errado?
Esperança não é o silêncio cúmplice, conivente e glamuroso de Barak Hussein Obama. Nem o timão na primeira divisão. Estados Unidos não são o coração do mundo. Nem o futebol a salvação da humanidade. Nesse contexto bizarro me lembro de Regina Duarte, com seu olhar transtornado, dizendo no horário eleitoral gratuito que tinha medo de Lula no governo de nosso país. Ainda bem que ela deu uma sumida. Ao contrário dos interesses representados por ela, mas com o sentimento semelhante, eu tenho medo. Medo desse caos. Não tipo Nostradamus. É algo bem pior. É caos porque se faz um silêncio terrorista que não convém à nova história que precisa ser contada. Parece que de repente, tudo, todas as pessoas entrevistadas, a matriz de todas as culturas, tudo é pró-sionista. Por isso, vou fazer a minha parte. E toda vez que puder, vou contar a história da maneira que deve ser contada.

Um comentário:

  1. Incrível seu texto Lua! Realmente não tenho vocabulário preciso pra exprimir a tristeza que é tudo que assistimos ultimamente. Obrigada por proporcionar a todos esse belo texto, simples, abrangente e chocante.
    Te amo amiga, aquele abraço, siga escrevendo.
    Camila Maia.

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