segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Hamas: Uma Derrota Histórica de Israel

 Por Mário Maestri.



A ofensiva do Hamas, desde a faixa de Gaza, sobre vastas regiões palestinas ocupadas por Israel, despertou sentimentos contraditórios, não apenas no Brasil, no espectro político-ideológico definido como esquerda. Em 7 de outubro, por quatro dias, em direta, o mundo assistiu perplexo o Hamas e grupos de resistência menores penetrarem, como faca em brasas na manteiga, o coração mole do exército sionista tido como invencível. O que não se deveu, apenas, como veremos, à surpresa permitida por uma operação longa e meticulosamente preparada.

O surpreendente feito de armas fogueou as esperanças e a combatividade de milhões de apoiadores da libertação da Palestina, não poucos desesperançados pela descrença em uma vitória vista como impossível, diante dos poderosos exércitos sionistas. Forças armadas sustidas ferreamente pelo imperialismo USA e seus aliados-súcubos e contando com apoio quase geral dos israelenses, desapiedados para o que resta da população palestina que, em Gaza, na Cisjordânia e no interior de Israel, agarrada à terra natal, resiste à sua extirpação, como a mais renitente erva dita daninha. [DARWICH, 2021; SAID, 2012.]

Respondendo à humilhação sofrida, o Estado de Israel lançou operação genocida contra Gaza que, após três meses, já supera os trinta mil civis mortos e mais de meia centena de milhares de feridos, com forte destaque para as crianças e as mulheres. Uma hecatombe humanitária executada através de bombardeios selvagens de moradias, de escolas, de hospitais, de praças e de logradouros com o apoio dos USA e da União Europeia, para além de muxoxos humanitários. 

Os Estados Unidos e a União Europeia reafirmam, assim, o direito de Israel imperialista, colonialista e racista de manter-se nos territórios palestinos conquistados pelas armas, justificando uma colonização de povoação, que não objetiva explorar os nativos, mas deslocá-los e eliminá-los para se estabelecer em seus territórios, como novos senhores, ao igual que outros movimentos coloniais idênticos do passado, como no oeste dos Estados Unidos, na Austrália, etc. [FERRO, 2017.]

A Colonização de Gaza

Com bombardeio geral indiscriminado e a redução à fome, à sede, ao frio, à falta de assistência médica da população de Gaza, Israel procura golpear indiretamente uma resistência que surge, golpeia e desaparece, por entre as ruínas urbanas fantasmagóricas a que foram reduzidas as cidades de Gaza, uma das regiões no mundo de maior densidade demográfica – 2.106.745 habitantes, 6.500 habitantes por km²

O verdadeiro massacre da população de Gaza persegue, igualmente, a curto prazo, ferir indiretamente os combatentes palestinos e levar populares desesperados a denunciá-los e a seus refúgios. A largo prazo, sonha empurrá-la para o deserto do Sinai, para a Jordânia, para deus sabe onde. Tudo, para que no gueto palestino floresçam estabelecimentos israelenses de ocupação, continuação do Grande Israel prometido pelo sionismo. “A única conclusão lógica é que a operação militar de Israel em Gaza visa deportar em massa a maioria da população civil”, propõe Paula Gaviria Betancur, relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos dos deslocados internos. [CNN, 26/12/2023.]

O massacre e as pretensões de colonização territorial de Gaza não são exceções históricas, surgidas da vontade de maltratar os palestinos. A ação colonial-imperialista da Inglaterra, da França, da Itália, da Holanda, da Bélgica, da Dinamarca, dos Estados Unidos, do Japão, da Espanha, de Portugal ceifaram dezenas de milhões de nativos nas Américas, África, Ásia, Oceania e, em alguns casos, nos seus próprios territórios.

Atos propostos de maldade pura, como o bombardeio de Dresden, em 13-15 de fevereiro de 1945, com em torno de 22 mil civis mortos, e as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945, com mais de duzentos mil civis siderados, respectivamente contra a Alemanha e o Japão já derrotados militarmente, procuravam sobretudo impor o terror dos vencedores aos vencidos e aos inimigos ainda por serem derrotados.

II. O Combate Imperialista pelo controle das consciências

Mal iniciava o martírio de Gaza, organizou-se poderosa ofensiva imperialista e sionista procurando desarmar o movimento de apoio à Palestina e o fortalecimento geral da disposição de luta contra a opressão. Uma campanha, como sempre, apoiada por narrativas desmobilizados e derrotistas da esquerda como a direita gosta, para não falar das declarações dos sionistas ditos progressistas, verdadeiras contradictio in terminis. [AVRITZER, FSP, 2.dez.2023; SCHUCMAN et al., FSP, 21/11/2023.] O aríete atual da operação de desqualificação da resistência palestina em Gaza é a acusação do Hamas como movimento terrorista ensandecido e irresponsável que, com a operação de 7 de outubro, teria justificado a resposta defensiva de Israel, ainda que exagerada

Derramam-se rios de lágrimas pelos sofrimentos da população de Gaza, nos quais navegam, sempre, a definição do Hamas como seita fundamentalista islâmica. Movimento que, cego pelo ódio antissemita e despreocupado para com as consequências de ato destinado ao fracasso inelutável, aprofundou o sofrimento da população de Gaza, acelerando a expansão colonial semifinal sobre o que resta da Palestina. Portanto, é o Hamas a origem do desastre humanitário que vive a população palestina em Gaza.

Essa metabolização da narrativa imperialista e sionista, por intelectuais que se pretendem progressistas, foi apresentada exemplarmente no artigo “Dilúvio de Al-Aqsa e erro de cálculo”, assinado pelo acadêmico libanês Gilbert Achcar, no passado trotskista no sabor Secretariado Unificado, paradoxalmente traduzido pelo meu amigo e Waldo Mermelstein, um tradicional defensor da resistência palestina, e publicado em 15/12/2023, no sítio Esquerda.net, da Tendência Resistência do PSOL. 

Achcar Pergunta e Responde 

O articulista em questão pergunta-se o que “pode ter passado pela cabeça daqueles que idealizaram a Operação Aluvião de Al-Aqsa, […] embora fosse possível prever o que aconteceria como resultado”. Ou seja, como foi possível que os aluados do Hamas lançarem a mega-ofensiva, estando previsto [nos astros] que resultaria em um desastre terrível. E, mais ainda, sabendo que a dimensão e o sucesso do ataque tornariam “inevitável [sic] que a reação israelense excedesse” todos os crimes praticados por Israel na Palestina. 

Gilbert Achcar, com a bola de cristal à mão, que lhe permitia prever, em 5 de dezembro, a conclusão de conflito armado extremamente complexo em curso, com um número crescente de protagonistas, responde a pergunta que faz sobre as razões da operação suicida do Hamas. As respostas que dá em seu artigo são certamente dignas da inteligência analítica do acadêmico libanês socialista, hoje professor em Londres. 

A primeira hipótese que avança, que não é a sua preferida, é que os membros da direção militar interna do Hamas, ou seja, das brigadas  Izz Al-Din Al-Qassam, -a direção política, externa, foi surpreendida pela ofensiva- “estavam cientes de que [a operação] resultaria em uma catástrofe, […], e não se preocuparam com o assunto; ou calcularam mal.” Seriam um bando de fanatizados indiferentes à sorte da população palestina. Uma verdadeira cáfila de incompetentes, para “calcularem mal” uma operação de enormes dimensão e consequências.

Vidente com Doutorado

A segunda explicação, que seduz mais o nosso vidente com doutorado, é que a direção militar do Hamas não considerou a radicalização direitista da população e do Estado israelense e, portanto, a resposta genocida que ele considera inevitável, naturalizando-a. Inconsequência que nasceria por o Hamas, tomar os seus “desejos como realidades” e contar com o apoio de “milagres divinos” que levantariam o mundo islâmico em defesa de Gaza. Uma realidade, para Achcar, nascida da “lógica religiosa” do Hamas. 

E como prova do que propõe, cita declarações inflamadas, de viés religioso, do Hamas, ao iniciar o Aluvião de Al-Aqsa. E conclui suas elocubrações propondo que o máximo que se poderia esperar, hoje, é “obter de Israel” que ponha “termo à agressão e ao genocídio e impedir”, assim, o “Estado sionista de tomar toda a Faixa de Gaza”. Salvar, assim, o possível, após a ação do Hamas, grupo de fundamentalistas religioso, irresponsável e despreocupado para com a população da Palestina, como propõe.

Hamas é movimento de libertação nacional

O Hamas não é grupo terrorista. É, ao contrário, movimento lutando pela libertação nacional da Palestina, contra um Estado colonialista, imperialista, teocrático e racista. Tem, portanto, a legitimidade, que lhe é concedida pela população oprimida, de se servir das armas contra o opressor. Direito reconhecido pela jurisprudência internacional. O caráter religioso do Hamas possivelmente dificulte um programa político-social mais avançado para a libertação da Palestina. O que não o desqualifica como movimento de libertação nacional. [SEURAT, 2024; FONTANESI, 2023.]

Após o 7 de outubro, o imperialismo e o sionismo serviram-se de narrativas aterrorizantes sobre militantes do Hamas cortando cabeças de crianças, estuprando mulheres, realizando atos escabrosos sobretudo contra os membros de festival musical. Tudo planejado minuciosamente, já que os militantes do Hamas teriam fechado os caminhos de fuga dos participantes de have de música eletrônico no deserto. Falou-se em 1.200 e mesmo 1.500 mortos. Essa seria a prova cabal do caráter terrorista e pervertido do Hamas.

Não temos investigação independente dos sucessos que envolveram a celebração musical israelense, com denominação condizente com o desatino da inciativa –  Universo Paralelo – Supernova! Apenas seres humanos vivendo não em nosso mundo organizariam e participariam de festival a poucos quilômetros do muro que aprisiona a população de Gaza. Mutatis mutandis,  qualquer coisa como tomar uma cervas estupidamente geladas e assar uma carninha nas brasas ao lado da cerca de Dachau! O Fradinho do Henfil, nada solidário, diria: – Eles pediram!

Bebês Degolados, mulheres estupradas

A mídia tem filtrado, em surdina e doses minúsculas, os fakes mais gritantes do imperialismo e do sionismo. A notícia dos quarenta bebês mortos e decapitados na comunidade de Kfar Aza, a um quilômetro de Gaza, teve como fonte Nicole Zedeck, jornalista de televisão israelense que acompanhava as tropas do exército, esforçando-se para montar a cólera contra os combatentes palestinos do Hamas. A notícia pegou e foi confirmada pelo exército israelense que, a seguir, não reafirmou o que propusera.  

Biden aproveitou para abraçar alegre a história. Em evento em Washington, ele “discursou que teria visto imagens de crianças israelenses mortas durante os ataques do grupo extremista […]. Entretanto, a Casa Branca afirmou que ele não viu imagens, mas apenas estava se referindo a relatos vindos de Israel.” [BBC,News, 12/10/2023.] Apesar de reconhecida como fake, a invencionice sinistra rodou e segue rodando o Brasil e o mundo. [LERIA, 2023.] 

Não há, igualmente, até agora, provas de estupros coletivos. Como não houve ataque planejado ao Festival. Os combatentes palestinos sequer tinham conhecimento da celebração maluca, ao se deparar com ela, quando se dirigiam para assaltar o  kibutz Ra’im, entre outros. O festival no “mundo paralelo” se encerraria em 6 de outubro, mas recebera autorização do exército para continuar no sábado fatídico. [CGN. 19/11/2023]

Quantos e quem morreram?

Os até 1.500 participantes do evento mortos propostos inicialmente foram reduzidos a 260 falecidos, entre eles, um número talvez significativo de soldados e reservistas israelenses. Os três brasileiros que morreram no evento viviam em Israel e tinham a nacionalidade israelense. Dois deles eram reservistas das forças armadas e o terceiro, uma mulher, tinha um filho servindo no exército. [CNN, 13/10/2023.] 

E, junto aos combatentes do Hamas, com as fronteiras livres, penetraram nos territórios ocupados militantes de outros grupos de resistência e populares, embalados por ofensiva que certamente procurava incutir medo e terror, para que os colonos não retornassem aos territórios palestinos. O ataque de 7 de outubro motivou o recuo de oitenta mil colonos de regiões próximas às fronteiras de Gaza. A disciplina e a consciência dos combatentes palestinos teriam impedido violências mais amplas compreensíveis em população há décadas sob o tacão sionista. 

As violências eventualmente praticadas não desqualificam o Hamas. A revolta Mau-Mau, movimento anticolonial no Quênia, com forte componente étnico-religioso, em 1952-1960, massacrou alguns poucos colonos ingleses e familiares. O levante é valorizado como movimento pioneiro negro-africano de libertação. Mal organizado e armado, ele foi sufocado em banho de sangue sobretudo de africanos desarmados pelo exército inglês. Filmes imperialistas abordaram as atrocidades africanas, como “Mau-Mau”, de Elwood Price, de 1955. 

Terror Argelino

A luta pela libertação da Argélia conheceu, em 1955, o massacre de colonos franceses e de suas famílias, com atentados sexuais às mulheres, praticados por aldeões e camponeses com armas rústicas e instrumentos de trabalho. O ódio popular à colonização francesa era imenso. Em ataques terroristas, a Frente de Libertação Nacional argelina dinamitou cafés, cinemas, restaurantes frequentados por franceses, sobretudo em Argel. 

O que não desqualifica o caráter da gloriosa guerra de libertação nacional argelina, dirigida pelo FLN, de 1954 a 1962. A França abandonou o país após massacrar em torno de quatrocentos mil argelinos, combatentes e civis. A tortura de argelinos pelo exército francês primou pelo requinte, como registra o filme clássico ítalo-argelino “A batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo (1909-2006), proibido por longos anos na França. Em 1947 e 1948, sobretudo, sionistas armados aterrorizaram e massacraram civis palestinos para que abandonassem suas casas e terras.

Podemos criticar as concepções do Hamas, liberais, no plano econômico, conservadora no civil,  preferindo que ele fosse um movimento laico, feminista, ecologista e, melhor ainda, marxista. [GRESH, 2006.] Para além de nossos desejos, no mundo real, e não no  universo paralelo, o Hamas é o principal movimento de libertação nacional dos territórios palestinos ocupados, em luta heroica contra o imperialismo e o sionismo, apoiado pela imensa maioria da população de Gaza e, cada vez mais, da Cisjordânia. [SAMAAN, 2023.] Merece o apoio de todos os socialistas, antiimperialistas, anticolonialistas e mulheres e homens de bem.

III. O que pretendia o Hamas ao atacar Israel?

O assalto do Hamas e demais organizações da resistência palestina iniciou-se de madrugada, às 6:30, de 7 de outubro, precedida e apoiada pelo lançamento de 2.200 mísseis sobre cidades israelenses, desorganizando a resposta do Domo de Ferro – Iron Dome. Mais de vinte localidades foram ocupadas pelos combatentes palestinos. Dezenas de oficiais, soldados, israelenses, estadunidense etc. foram capturados e levados como reféns para Gaza, com o objetivo de trocá-los pelos milhares de presos palestinos. Por quatro dias, o exército israelense lutou para recuperar os territórios dos quais fora expulso. Israel sofria a maior  derrota de sua história,  que procurou afogar com um banho de sangue em Gaza.[SAMAAN, 2023; ENDERLIN, 2024.]

Mas, afinal de contas, o que queria o Hamas com o Aluvião de Al-Aqsa? Procurava, apenas, um martírio nascido de explosão incontida de ódio, despreocupado com as sequelas que o ataque motivaria à sofrida  população de Gaza, da qual seus militantes fazem parte? Esperava vencer batalha, em guerra perdida desde o início, contando com a pouco crível ajuda dos anjos celestiais muçulmanos? Ou foi operação magistral procurando reverter a derrapagens que a causa palestina vive, empurrada ladeira-abaixo por sionistas e imperialistas? Operação com objetivos políticos táticos e estratégicos com real possibilidade de sucesso.

A direção militar “interna” do Hamas manteve a operação na total ignorância da direção política “externa”; da imensa maioria de seus militantes e combatentes; do Hezbollah -Partido de Deus-; do Irã e de seus financiadores e apoiadores orientais e europeus. Para tal, teve que acelerar a ampliação dos hoje talvez quinhentos quilômetros de túneis, com a ajuda de engenheiros iranianos, sírios, norte-coreanos. Alguns túneis afundariam-se oitenta metros no solo, desembocando no Egito, permitindo a entrada de armamentos, um elemento determinante no levante e na atual resistência. O Hamas seguiu produzindo armas em Gaza; treinou de 25 a 30 mil combatentes; criou depósitos de abastecimento; estudou as possíveis formas da invasão de Gaza e as táticas para enfrentá-las.

No combate livrado atualmente, o Hamas serve-se amiúde do lança granada Yassine [RPG], projetado por seus armeiros, em 2004, para atacar blindados e a infantaria israelense, que evoluiu até o atual Yassine 105, de 4,5 kg, e menos de um metro de comprimento. Trata-se de arma de baixo custo, de forte impacto, de fácil manutenção e manejo, com um alcance máximo de 500 metros, que supera em menos de dois segundos, ideal para combate entre escombros. 

Com o Aluvião de Al-Aqsa, em 7 de outubro,  o Hamas assentou o mais duro golpe material e moral sofrido até hoje pelo exército de Israel e pelo Mossad, pondo por terra o mito da invencibilidade militar sionista. A destruição cega de Gaza é prova de fraqueza, não de fortaleza. 

Palestina, uma Ave Fênix

O ataque do Hamas não objetivava apenas golpear e desmoralizar as forças armadas sionistas, despreocupado com continuidade do conflito e a esperada resposta terrorista de Israel apoiada pelo bloco imperialista USA. Ele almejava, sobretudo, relançar o movimento pela libertação da Palestina, em semi-agonia, após a farsa do tratado de Oslo e rendição da OLP, em 1993, que abriram caminho para uma ofensiva até então vitoriosa dos Estados Unidos e de Israel pela reacomodação do Oriente Médio sob o controle imperialista.

Uma reformatação imperialista e sionista da região médio-oriental que avançava, vitoriosa, a trote-galope, sobre o pouco que restava da autonomia esfarrapada palestina, política e territorial. Ao desorganizar profundamente essa operação em marcha, como veremos, e registrar a fragilidade militar relativa de Israel, o Hamas alcançou indiscutivelmente uma grande vitória.

A Palestina independente tem desaparecido diante da fome pantagruélica do sionismo, que iniciou seu banquete com os territórios palestinos, cuidadosamente planejado, desde antes de 1948, quando da fundação do Estado de Israel, por decisão da ONU, servil organismo sob o controle dos vitoriosos da II Guerra. Nesses 75 anos, milhões de judeus, sobretudo europeus, desembarcaram na dita Terra Prometida, participando de movimento de expulsão violenta de centenas de milhares de populares nativos, com dezenas de milhares de mortos, com o permanente apoio imperialista, sobretudo inglês e estadunidense.

Com Israel, no imediato pós-guerra, o imperialismo construiu-se uma poderosa fortaleza no coração dos estratégicos territórios petrolíferos médio-orientais. Sob a retórica sionista de uma “terra sem dono, para um povo sem terra”, hipócritas narrativas religiosas, racistas e manipulação rústica da história justificaram o direito de conquista armada e operações de limpeza étnica que transformaram milhões de palestinos de “um povo com terra, em um povo sem terra”. [PAPPÉ, 2023, 2022; CLEMESHA, 2023.]

A Reconstrução Imperialista do Oriente Médio

 A destruição da URSS abriu as portas para uma década de hegemonia unipolar estadunidense [1990-2000]. Em agosto de 1990, os USA lançaram o primeiro ataque ao Iraque, concluído, em 2003, com destruição do país, apoiado apenas pela OLP de Yasser Arafat, fiel, mesmo na desgraça, a um governo e Estado que haviam sustido fortemente o movimento palestino. 

Com a submissão do Iraque e da OLP, apenas a Síria e o Irã resistiam na região ao domínio imperialista-sionista. Desde 1979, o Irã foi mantido sob bloqueio econômico e político, radicalizado a partir de 1995. Em 2011, iniciou-se a impiedosa destruição da Síria independente, que sobreviveu à operação, duramente golpeada, devido apenas ao apoio russo e iraniano. 

O operação estadunidense avançou a consolidação de sua hegemonia sobre as nações árabes conservadoras, através do reconhecimento do Estado de Israel e abandono da causa palestina, para além de declarações piedosas. Em 26 de março de 1979, em Camp David, residência de verão dos presidentes estadunidenses, por primeiro, o Egito reconheceu Israel, em troco da devolução da península de Sinai polpuda mesada aos militares egípcios .  

A Rendição da OLP

Em 1993, em Oslo, a OLP de Arafat renunciou à luta armada pela libertação da Palestina e reconheceu Israel, em troca de manter um governo fajuta sobre a Cisjordânia, que seguiu sendo pontilhada de colônias israelitas, que tornavam irrealizáveis até mesmo um Estado palestino liliputiano. A Cisjordânia tem sido comparada a pele de onça, pintada por colônias israelenses se alastrando em patológica metástase. [VIDAL, 2017.]

A direção da OLP transformou-se em uma burocracia corrupta, indiferente à situação de seus governados e à libertação da Palestina, sustida no poder pelas tropas de Israel e os repasses avaros que lhe concede, já que controla sua vida econômica e suas fronteiras. Em 2020, a porteira abriu-se com o reconhecimento de Israel pelos governos reacionários e ditatoriais dos Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Todos jurando apoio à causa palestina. [SEURAT, 2024.]

A consolidação final do Estado sionista, de seu expansionismo territorial e da política nacional-fascista de Netanyahu conheceria salto de qualidade com o esperado reconhecimento de Israel pela rica Arábia Saudita e, sobretudo, com o abraço cínico entre Ancara e Tel Aviv, ambos movimentos a serem oficializados em fins de 2023. Mas as celebrações foram interrompidas pelo Hamas, inoportuno penetra estraga-festa.

A Sede de Império da Turquia

Fortalecido pela sua reeleição, pelas vitórias na Líbia e na Síria e, sobretudo, no Azerbaijão, na segunda guerra de Nagorno Karabakh, em setembro de 2023, Edogan aprestava-se a dar um passo estratégico em seu projeto da reconstrução de uma “Grande Turquia”, um reprodução econômica, diplomática e militar  do império territorial perdido na I Guerra Mundial. Para tal, a Turquia deve surgir, no Oriente Médio, como o eixo de sustentação de Israel e dos interesses ocidentais e estadunidenses, com deslocação parcial forçada dos Estados Unidos. 

A aliança Turquia-Israel seria cimentada e justificada com a construção conjunta de um ambicioso duto energético — petróleo, gás natural, eletricidade, água, fibra ótica, etc. – que levaria sobretudo o gás israelense à Europa, o que fragilizaria a posição russa. O novo eixo Turquia-Israel, apoiado nas petro-monarquias, enfraqueceria e isolaria fortemente o Irã e domesticaria totalmente o movimento palestino. [SANTORO, 11/2023; 3/2023.].

Duas semanas antes do Aluvião de 7 de outubro, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan se fizeram fotografar, sorridentes, em uma mesinha de um bar ou restaurante, diante de duas garrafas de água mineral, quando da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. As visitas triunfais do turco a Israel e do israelense à Turquia se dariam em continuação ao fraternal encontro. [Israel de Fato, 20/09/2023.]

De amigo do peito à Açougueiro

E foi assim que Erdogan se encontrou, com Bibi no colo, quando Israel iniciou o massacre genocida da população de Gaza, e, em resposta, literalmente milhões de turcos saíram enraivecidos às ruas de Ancara e de Constantinopla, cercando legações diplomáticas sionistas e a Base Aérea de Incirlik, da Otan-USA no país. Exigiam que o exército turco interviesse em defesa da Palestina massacrada e se ofereciam para partir para lutar ao lado do Hamas.

Em em 27 de outubro, em uma pirueta de saltimbanco, Erdogan arengou a uma maré enfurecida de cidadãos turcos indignados, responsabilizando Israel e os Estados Unidos pelo infame massacre e esculachando seu amiguinho da véspera de racista, açougueiro e terrorista! Definiu-o, na continuação, como um Hitler dos nossos dias. E, foi mais longe, reconheceu o Hamas como movimento de libertação palestino. [AFP, 29/11/2022.]

A operação “Aluvião de Al-Aqsa”, lançada pelo Hamas, e, a seguir, o bárbaro massacre da população civil de Gaza, devido à reação multitudinária de indignação regional, fizerem saltar, igualmente, no pior dos casos, por alguns anos, as articulações entre Israel e os demais países árabes conservadores, com destaque para a Arábia Saudita. Em Riad, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman congelou a aproximação com Israel, sem prazo para retomá-la. [Jornal do Brasil, 2023.] 

Repúdio Internacional

Em sentido contrário, com destaque para a Alemanha, a França, a Itália, os governos europeus tudo fizeram e fazem para criminalizar o Hamas como organização diabólica e justificar a ação de Israel, como um direito de defesa de sua autonomia sobre as terras conquistadas aos palestinos. Na França, Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, hoje o político de esquerda mais prestigiado, com condições de sonhar com a presidência do país, vem sendo denunciado pela grande imprensa como antissemita, por negar-se a qualificar o Hamas como terrorista e seguir em sua defesa corajosa da população palestina. [Le Monde, 13/01/2024.]

A denúncia do sionismo e a do genocídio perpetrado contra Gaza são anatemizadas, e, não raro, perseguidas judicialmente, como antissemitismo, como houvesse um fio vermelho unindo  os judeus massacrados pelos nazistas, no passado, e os carrascos sionistas do povo palestino, de hoje. Mesmo quando os denunciantes são reconhecidos e respeitados militantes e intelectuais de esquerda, não raro, de origem judia, como no caso de Breno Altman, pateticamente investigado pela Política Federal, sob instigação da Confederação Israelita do Brasil. [Brasil de Fato, 31/12/2023.]

A mesma polícia federal que fez um papelão ao se deixar usar pelo Mossad e por Netanyahu, ao anunciar ter reprimido célula terrorista do Hezbollah, ao prender dois cidadãos nacionais sem qualquer envolvimento com o movimento palestino. Um deles, segundo seu advogado, não era libanês, não tinha parentes no Líbano, não falava árabe e nem sabia o que era o Hezbollah ou Hamas! O que é o caso de uma boa parte da desinformada população brasileira. [UOL, 11/11/2023.]

Como sempre, após a badalação reacionária da grande mídia, tudo sob instigação do governo de Israel, que anunciou a presença de terroristas libaneses e palestinos prontos a atacar judeus no Brasil, eles foram libertados quase na surdina, sem que a Polícia Federal pedisse desculpas a eles e a população brasileira. E sem que o governo atual fizesse uma investigação na Polícia Federal e punisse os responsáveis dessa orquestração caricata, para não dizer mais.

IV. O Massacre de Gaza: Israel Acuado e sob Pressão

Devido ao massacre de Gaza e à resistência do Hamas, jamais Israel esteve mais isolado no mundo, não apenas muçulmano, como hoje. Tem-se consolidado, igualmente, a percepção da responsabilidade dos Estados Unidos no massacre da população civil, devido ao seu indiscutível apoio a Tel Aviv. Dando um corajoso passo à frente, o governo da África do Sul compareceu diante do mais elevado tribunal das Nações Unidas, pedindo a condenação de Israel por crime contra a humanidade e a interrupção dos ataques assassinos. 

A diplomacia israelense, temendo a aproximação crescente de suas ações às mais sinistras cometidas quando da II Guerra Mundial, com a petulância dos Estados imperialistas, acusou a África do Sul de promover um “dos maiores espetáculos de hipocrisia da história” e de ser o “braço jurídico” do Hamas. A denúncia sul-africana de Israel foi abraçada pelos governos da Turquia, da Jordânia, da Bolívia, da Colômbia, da Venezuela, da Malásia e, finalmente, do Brasil. [O Globo, 01/11/2023.] 

Como proposto, a ofensiva de 7 de setembro fez as petro-monarquias e estados conservadores do Oriente Médio se afastarem de Israel, desorganizou as articulações dos Estados Unidos e de Tel Aviv para uma nova conformação da região, para o isolamento diplomático e militar do Irã e da Síria, para o olvida eterno da questão palestina, através do avanço das colônias israelitas sobre o que resta de suas terras e submissão plena de suas populações, fora e no interior de Israel.

Sobretudo, o feito militar palestino e a bestial resposta de Israel recolocaram a questão palestina no centro do debate internacional, impulsionada pelo apoio de centenas de milhões de habitantes das mais diversas regiões do mundo. Um feito único, que crentes poderiam dizer nascido da boa vontade dos anjos celestiais muçulmanos! A nova situação consolidou a aliança entre as resistências xiita e sunita, como jamais ocorrera até agora. Até poucos anos, elas defrontavam-se militarmente na Síria. [SEURAT, 2024.] Jamais poucos fizeram tanto. Um feito único, quase milagroso, que crentes poderiam dizer ter nascido da boa vontade dos anjos celestiais muçulmanos, cristãos, hebreus, segundo a fé dos solidários com as dores do povo palestino!

Fumo dos Canhões do Norte

O Estado israelense se vê envolvido nos combates em Gaza e na manutenção da repressão da população palestina da Cisjordânia, em crescente agitação. A grande ameaça atual é anunciada pelo fumo de pólvora cada vez mais denso que chega do sul do Líbano, onde o Hezbollah, em situação de pré-combate, obriga que boa parte das tropas israelenses mantenham-se imobilizadas, na espera de eventual entrada do Partido de Deus no conflito. Ataques de drones, mísseis e disparos de canhões do Hezbollah obrigaram em torno de 120 mil israelense abandonarem territórios palestinos ocupados no norte de Israel.

E as lembranças do confronto entre Israel e o Hezbollah, em 2006, não podem ser piores. Naquele ano, quando da Segunda Guerra do Líbano, que durou pouco mais de um mês, o exército israelense invadiu os territórios libaneses defendidos pela milícia libanesa xiita, o que não fazia desde inícios dos anos 1980. A proposta da força armada de Israel era, como agora, em relação ao Hamas, erradicar o Hezbollah para todos os sempre, enfiando para as profundezas do inferno. Entretanto, os israelenses, que entraram confiantes, saíram tosquiados.

Nos 34 dias de conflito, morreram em torno a quinhentos soldados israelenses e um número maior de combatentes e civis libaneses. A grande surpresa foram os quase sessenta modernos e caríssimos tanques Merkavas, propostos como os melhores do mundo, destruídos ou postos fora de combate, sobretudo por rústicos RGP, espécie de avós dos utilizados hoje em Gaza. Naquele então, era enorme a desigualdade entre o armamento israelense e o do Hezbollah, que retirava sua força de combatentes treinados e galvanizados pela defesa dos territórios libaneses contra o sionismo. [CHAMMA,2018.]

Quando daqueles sucessos, analistas militares perguntaram-se se a Segunda Guerra do Líbano não teria encerrado a era da hegemonia dos carros blindados nos combates terrestres, cada vez mais couraçados, pesados e custosos, atualmente em torno de cinco milhões de dólares a unidade, mas agora possíveis de serem postos fora de combate por mísseis leves e de baixo preço, manejados por infantes. E os combates no Líbano não se deram entre ruínas urbanas, excelente apoio para  a destruição de blindados por pequenos grupos de irregulares. Na época, não se conheciam, ainda, os infindáveis tipos de drones suicidas, que fizeram igualmente o Leopard 2 alemão descer do salto alto. 

As armas da resistência antissionista e imperialista

 Em 2006, Putin mantinha ainda a ilusão em incorporar-se ao mundo imperialista europeu e o Irã,  isolado, prosseguia construindo sua hoje poderosa indústria armamentista, apoiada no início fortemente na engenharia reversa. Os avanços tecnológicos-militares do Irã foram socializados com o Hezbollah, seu aliado prioritário na região. Atualmente, em relação a 2006, o “Partido de Deu”s dispõe uma avançada panóplia de armas, entre elas foguetes e mísseis dirigidos capazes de alcançar qualquer ponto de Israel. 

Em relação a 2006, estreitou-se o hiato entre o armamento do Hezbollah e do Estado sionista, que, segundo parece, se desmobilizou relativamente nas últimas duas décadas seus exércitos como força de combate frontal. Também em 2006, o Hamas ganhou em forma inapelável as eleições legislativas em Gaza, sob os olhos de quase um milhar de observadores estrangeiros, passando a governá-la, para o desencanto dos USA e da União Europeia. O sucesso do Hamas registrava a clara rejeição da OLP e da Autoridade Palestina, no poder na Cisjordânia, devido à corrupção e colaboracionismo. [GRESH, 2006.]

O 7 de outubro e o ataque criminoso à Gaza ensejaram igualmente uma ampla e multifacetada ofensiva regional contra o sionismo e o imperialismo. E ela não nasceu da reza forte do Hamas. Forem respostas previsíveis à sua ofensiva e à resposta de Israel, nascidas dos vínculos atuais entre aquele movimento, o Hezbollah, a resistência anti-imperialista armada na Síria e no Iraque, animados sobretudo pelo Irã, que luta para manter sua independência nacional. 

Na Síria e no Iraque, desde o início do conflito, bases militares ianques e de seus aliados têm sido atacadas sem interrupção por movimentos de resistência – mais de cem ataques sobretudo de drones e foguetes. [LE MONDE, 14/01/2023.] No Iraque, as três principais bases estadunidenses contam com uns 3.500 militares e, na Síria, nas duas principais bases, encontram-se outros novecentos soldados. Os ataques com drones e foguetes da resistência na Síria, com o apoio governamental apenas velado, privilegiam as bases estadunidenses próximas aos campos petrolíferos, onde as tropas USA roubam, em forma sistemática e despudorada, o petróleo sírio.

Ataques cinematográficos

Temendo expansão do conflito, que exija sua intervenção, quando se encontra semi-empanando na Ucrânia, e preparando-se para conflito com a China, os USA têm respondido, aos disparos contra as suas bases, com limitados ataques missilísticos e aéreos a acampamentos da resistência na Síria e no Iraque. Entretanto, em 4 de janeiro, o Pentágono anunciou a execução, através de drones estadunidenses, de Mushtaq Jawad Kazim al-Jawari, dirigente de milícia xiita iraquiana. A execução extra-judiciária foi perpetrada em Bagdá, onde ele nascera, na sede das Forças de Mobilização Popular, a qual pertencia. [PODER360, 13/01/2004.]

O ataque tinha como principal objetivo dar justificativa à população estadunidense que vê as bases USA na região atacadas em forma incessante, sem respostas. Uma ação publicitária que teve um custo elevado, Muhammad al-Sudani, o primeiro-ministro do Iraque, pediu, no dia 10, a retirada das tropas dos Estados Unidos e de seus aliados do país, que ali se mantém sob a justificativa de combater o Estado Islâmico, já derrotado. O Pentágono respondeu que não pretende sair do país. [TERRA, 10/01/2024.] 

Israel tem se servido também da execução cinematográfica de dirigentes do Hamas e do Hezbollah, incapaz de apresentar à sua população e ao mundo vitórias objetivas sobre as milícias palestinas, libertando israelenses reféns, ou de responder, substancialmente, aos duros da artilharia do Hezbollah. Em 2 de janeiro, Saleh al-Arouri, dirigente político do Hamas, vivendo em Beirute, morreu quando sua residência foi atacada por míssil israelense. [g1, 03/01/2024.] 

Em 8 do mesmo mês, Wissam al-Tawil, um dos comandantes do grupo de combate de elite do Hzsbollah, foi morto por míssil israelense que atingiu o  veículo em que viajava, no sul do Líbano. Além dos objetivos propagandistas dessas ações, Israel parece, igualmente, querer abrir um conflito direto com o Hezbollah, o que obrigaria os USA a intervenção direta em seu apoio, o que lhe ajudaria a sair do impasse em que se encontra. [Poder360, 08/01/2024.]

V. Hutis: Um aliado que chegou de longe

A resistência palestina recebeu  robusto e ativo apoio militar da resistência huti do Iêmen, país a 2.200 km de Gaza! As costas meridionais da península Arábica são regiões estratégicas por estarem debruçadas sobre  a apertada passagem marítima entre o oceano Pacífico e o mar Vermelho-Mediterrâneo. O estreito de Babelmândebe [Bab al-Mandeb] possui apenas trinta quilômetros de largura, apenas parcialmente navegável. 

O Iêmen do Norte, antigo domínio do Império Turco, alcançou sua independência após a I Guerra Mundial. O Iêmen do Sul foi mantido como protetorado inglês até 1967, quando movimento de libertação marxista libertou a região e fundou a República Democrática Popular do Iêmen. O Iêmen do Norte e do Sul mantiveram boas relações. 

 Temendo que o movimento socialista se espraiasse pela região, a República Democrática Popular do Iêmen foi mantida pelo imperialismo anglo-estadunidense sob permanente assédio, através de intervenção militar financiada pela Arábia Saudita, pelos Emirados Árabes Unidos e pelas petro-monarquias regionais, que se serviam para tal do Iêmen do Norte. A Arábia Saudita, com uns 35 milhões de habitantes, possui em torno de 1.500 fronteiras com o Iêmen, com 32 milhões de habitantes .

Unificação Conservadora

No contexto do fim da URSS e da derrota militar da então isolada República Democrática Popular, empreendeu-se a unificação dos dois Estados na República do Iêmen, sob o tacão de uma ditadura presidencialista de obediência ocidental. Surgido em 2007, o movimento Ansar Allah, “Combatentes de Deus”, com o apoio da maioria da população, prosperou conquistando militarmente, em 2014, dois terços da população, a capital e vastas regiões no norte e no oeste do país, onde se mantém até hoje. Para tal, contou com o apoio do Irã.

O imperialismo anglo-estadunidense combateu o movimento huti e o novo Estado em consolidação, novamente através de coalização de Estados conservadores da região, dirigida, outra vez, pela Arábia Saudita, com destaque para a participação do Egito e dos Emirados Árabes Unidos. O bombardeio selvagem dos territórios controlados pelos hutis causou a destruição geral de instalações infraestruturais e a morte direta e indireta de dezenas de milhares de civis, sobretudo mulheres e crianças. A situação criada foi definida pela ONU como uma das maiores crises humanitárias então em curso. Os ataques foram justificados pela coalizão saudita como imprescindível para derrotar os rebeldes. 

Em 14 de novembro de 2019, ataque huti de drones e mísseis a campos petrolíferos sauditas, superando as defesas antiaéreas do país, causaram a queda da metade da produção saudita e a disparada temporária do preço do petróleo. Após o ataque, nada seria como antes, já que ele registrava que os iemenitas podiam causar duros danos à economia saudita. Em abril de 2020, foi estabelecida trégua provisória e, em 2023, representante da Arábia Saudita e dos hutis firmaram acordo de cessar-fogo que reconhecia nos fatos a autonomia do Iêmen rebelde. O fim dos combates deu-se no contexto da aproximação da Arábia Saudita e do Irã, intermediada pela China, em março de 2023. Atualmente, os dois países se aprestam a entrar no Brics.

As Razões Hutis

Os hutis não são mercenários ou tributários incondicionais do Irã. Eles colocaram-se decididamente ao lado do Hamas e da resistência palestina sobretudo por que uma reacomodação do Oriente Médio sob a hegemonia estadunidense, israelense, turca e saudita, em detrimento do Irã e da Síria, significará a perda de tudo que conquistaram com sacrifícios indescritíveis. Sem o armamento fornecido pelo Irã, a resistência iemenita será inexoravelmente derrotada. [TROMBETA, 4/12/2023.] O confronto contra o sionismo e o imperialismo fortalecem também o apoio ao movimento da população iemenita ligada afetivamente à resistência palestina. 

Inicialmente, os hutis lançaram mísseis contra o distante Israel. Desde novembro de 2023, promoveram uns trinta ataques, sobretudo com drones, contra cargueiros israelense ou dirigidos para Israel, que passavam pelo estreito, ensejando dificuldades no abastecimento do Estado hebreu e perdas para as companhias de navegação, obrigadas a optarem por rotas alternativas mais longas. Os ataques teriam diminuído em 14% o tráfico de petroleiro no canal de Suez. 

Os Estados Unidos, presentes também no mar Vermelho, em apoio de Israel, abateram drones iemenitas e multiplicaram pronunciamentos intimidatórios contra o governo huti. Cada míssil estadunidense disparado para abater um rudimentar drone, de alguns milhares de dólares, custa entre 1,7 e 4,3 milhões de dólares. [Quincy Institute, 19/2023.] Em 18 de dezembro, anunciaram força naval em associação com aliados, de nome pouco bélico, “Operação Guardiã da Prosperidade”. A rápida adesão do Reino Unido, Bahrein, Canadá, França, Itália, Holanda, Noruega, ilhas Seychelles e Espanha resultou em uma ainda mais veloz renúncia ao convite envenenado, em registro olímpico do isolamento relativo estadunidense. [ZERROUKY, 2024.]

Guardiã a ver navios

Fora da Grã-Bretanha, que segue tentando manter a pose de Estado sub-imperialista, os mais fiéis aliados negaram-se a embarcar na operação estadunidense, para não identificar-se totalmente com o apoio USA a Israel e não ter seus navios cargueiros também visados pelos hutis. Em 11 de janeiro, quase um mês após o anúncio da operação, forças navais estadunidenses, com alguma participação inglesa, lançaram ataque contra o território iemenita, procurando destruir depósitos de munição, instalações de lançamento de mísseis, etc., na capital e através do país. 

A operação, bastante limitada, era inevitável, apesar dos USA a terem retardado, em busca de apoio que não chegou. Os estadunidenses já haviam afundado três barcos ligeiros hutis, causando oito mortos, e o destróier USS Gavely fora atacado por dois mísseis iemenitas, que não chegaram a atingi-lo. As forças hutis esperavam e se prepararam para o ataque, não muito diverso aos infindáveis lançados pela sauditas no passado recente. O ataque estadunidense teria causado a morte de cinco iemenitas.

O bombardeio anglo-americano fortalece o prestígio do movimento iemenita no mundo muçulmano, sem o debilitar substancialmente. Os principais depósitos de armas e de mísseis hutis encontram-se nas entranhas das montanhas, em abrigos praticamente inatingíveis. Para interromper os ataques aos cargueiros, seria necessário bombardeio pesadíssimo seguido de ocupação territorial obrigatória. Ou interrupção permanente do fornecimento de armas do Irã ao Iêmen. Soluções impossíveis de serem realizadas atualmente pelo imperialismo anglo-estadunidense. Talvez devido aos limitados resultados, os ataques foram repetidos no dia 12, contra uma estação de radar. 

Sobretudo os estadunidenses temem, como o Diabo a cruz, eventual ataque huti, dificilmente defensável, à enorme base estadunidense de Campo Lemmonier, em Djibuti, pequeno país africano localizado diante do Iêmen. A base, com em torno de 250 hectares, quatro mil militares, aeroporto, estações de radar e escuta, tem servido para bombardear e espionar o Iêmen, a Síria, o Iraque, o Oriente Médio e o norte da África. Uma língua de mar de … 26 quilômetros separam as costas do Djibuti e do Iêmen. 

VI. Israel: um poderoso exército … enferrujado? 

Do ponto de vista militar, a situação de Israel não é fácil. O ataque de 7 de outubro e a intervenção militar em Gaza teriam revelado deficiência relativa estrutural das suas forças armadas, já esboçadas na Segunda Guerra do Líbano, em 2006. Tel Aviv mantém ainda um total domínio dos céus no Médio Oriente, possivelmente questionado nos próximos tempos com o fornecimento de aviões de combate avançado ao Irã pela Rússia, que tem recebido de Teerã milhares de drones e outros armamentos.

Tel Aviv possui igualmente uma forte defesa antiaérea, apoiada no celebrado Domo de Ferro, construído em 2010, parcialmente desacreditado ao falhar em proteger todo o país dos ataques missilísticos do Hamas. Fragilidade do Domo de Ferro acrescida pela recente descoberta de que o Hezbollah possuí foguetes de médio alcance —dez quilômetros—, de trajetória reta e não parabólica, difícil de ser interceptada.

Analistas apontam que, após 2006, sem ser ameaçada pela Jordânia, pela Síria semi-destruída, pelo Líbano mergulhado na crise, com o Irã duramente sancionado e encurralado, com a OLP domesticada, aproximando-se da Arábia Saudita e reaproximando-se da Turquia, Israel despreocupou-se com a capacidade de combate direto geral de suas tropas, ao não antever inimigo provável, talvez fora o Hezbollah. Dedicou-se a destruir, com a aviação e mísseis, envios de armas para o “Partido de Deus” e para o Hamas, que através sobretudo da Síria.

Confiando no seu armamento moderno e nos tanques Merkavas IV, fortemente apoiado em reservistas e não em tropas permanentes, as forças armadas de Israel dedicaram-se, em boa parte, por longo tempo, a controlar as passage legal e infiltrações nas fronteiras; à proteção das colônias israelenses em territórios palestinos; à repressão de pequenos levantes populares desarmados na Cisjordânia, etc. Israel despreocupou-se relativamente de Gaza, onde privilegiara o advento do Hamas, para enfraquecer a OPL e a Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas, na Cisjordânia. Era ali onde avançava a expansão territorial sionista, despertando desesperada resistência palestina. [ENDERLIN, 2024.]

Em busca da honra perdida

Após o 7 de outubro, Israel fechou os portões aos trabalhadores palestinos da Cisjordânia super-explorados, um dos esteiros da economia israelense; pôs em situação de combate seu exército relativamente pequeno – sessenta mil soldados; convocou trezentos mil reservistas, que acorreram numerosos da Europa, dos USA e, em menor número, de diversos países, entre eles o Brasil, para tornarem-se terroristas e genocidas, a se dedicarem sobretudo a matar civis em Gaza. A convocação multitudinária de reservista constituiu medida publicitária, para demonstra decisão e poder, entretanto,  pouco efetiva.

Para penetrar, combater e manter eventual domínio sobre Gaza são necessárias algumas dezenas de milhares de combatentes treinados no duro e não raro breve combate urbano de proximidade, onde é difícil o apoio imediata da aviação e de blindados. O que Israel não dispunha. A aglomeração de centenas de milhares de reservistas, verdes, aumenta os gastos de  das tropas e dificulta a agilidade das ações militares e logísticas.

Muito logo se comprovaram os limites do envio ao combate de reservistas e jovens israelenses prestando o serviço militar, não treinados para combater tropas irregulares palestinas fogueadas pela vitória de 7 de outubro e dispostas a todos os sacrifícios, lutando entre as ruínas em que Gaza foi transformada pelo bombardeio criminal sionista, para atingir a sua população.  Gaza onde nasceram e viveram e se movem, portanto, com relativa facilidade. Esse cenário lunar é o melhor possível para tropas irregulares enfrentarem um exército regular. 

Eu quero a mamãe!

O despreparo das tropas de Israel  se filtrou através da imprensa, das ações paradoxais dos seus soldados, de informações fornecidas por dados indiretos, etc. Jovens israelenses se filmaram profanando apalermados mesquitas, moqueando-se de destroços humanos, imitando burlescamente de mães e pais chorando filhos mortos, em um claro sinal de indisciplina,  falta de profissionalismo e de fanatização. [FARINAZZO, 2024.] Enquanto isso, os combatentes palestinos se concentram em atacar de surpresa os veículos e as tropas sionistas e desaparecer ainda mais rapidamente.  

Esse descontrole juvenil irresponsável produziu material publicitário excelente em favor da resistência palestina e registrou o baixo profissionalismo dos reservistas, se comportando não raro como universitários em férias. Os altos oficiais do exército, envolvidos por sentimentos de vendeta e concepções supremacistas, repetiram e incentivaram essas tropeções irresponsáveis, filmando civis semi-despidos e humilhados, aprisionando crianças, golpeando mulheres e idosos, etc. Ações que reverberaram na memória coletiva filmes e fotos de atos contra prisioneiros pelas tropas nazistas na II Guerra Mundial. 

Os jovens israelenses despreparados, enquadrados por sub-oficiais também jovens e pouco qualificados para um tal combate, seguiram atirando assustados sobre tudo que se movia, inclusive suas próprias tropas. A execução fria de três reféns que haviam escapado ao Hamas e que se aproximaram de dorso nu, braços levantados, gritando em hebreu, prefigura o medo e a disposição assassina de uma juventude fanatizada e despreparada, em armas. Centenas de civis palestinos teriam sido igualmente executados.  Milhares de soldados israelense teriam requerido apoio psicológico.

Sargentos e sub-oficiais

A juventude dos sargentos, tenentes e oficiais israelenses mortos e feridos em combate registra a falta gritante de suboficiais maduros e treinados, os responsáveis para dirigir os pelotões de dez a doze soldados que entram em contato direto com as tropas inimigas. [FARINAZZO, 2024.] Em tempos de guerra tecnológica, o treinamento de um sargento pode se alongar por uns cinco anos e ele deve sair, se possível, do seio das tropas, após dar provas de predisposição para essa função militar central. 

O bombardeio terrorista sobre Gaza também encontra explicação na falta de informação sobre a resistência palestina, em geral, e sobre o Hamas, em particular. Aprisionam-se moradores civis em massa, para obter, através de chantagem, maltrato, tortura – choques elétricos, pancadas, queimaduras com cigarros e isqueiros, privação de sono e alimentos, execuções, etc. – a informação que falta dolorosamente ao exército e a um serviço de informação já tidos como oniscientes. [ABRAHAM, 2024.]

Para além dos números somíticos apresentados pelo governo, acredita-se que o exército israelense tenha tido, até agora, em torno de mil e quinhentos soldados mortos, com cinco mil outros feridos de média e elevada gravidade, muitos deles amputados, em Gaza e no norte de Israel. [MONITOR DO ORIENTE MÉDIO, 8.12.2023.] O que tem posto sob tensão a capacidade de hospitalar do país. Mais de duzentos tanques e outros veículos blindados ou semi-blindados teriam sido destruídos total ou parcialmente. Talvez duzentos mil israelenses continuam refugiados longe das fronteiras da Faixa de Gaza e do sul do Líbano.

Um Indiscutível Recuo

Mais de três meses após o Aluvião de Al-Aqsa, as tropas israelenses não conseguiram libertar sequer um dos mais de 150 reféns em mãos do Hamas, o que sugere que o movimento palestino mantém ainda incólume parte importante de sua estrutura central e tropas, segundo parece, descentralizadas. No contexto desses poucos resultados, atacado pelo genocídio que submeteu a população palestina, o governo de Israel se vê obrigado a arrefecer ainda que relativamente o bombardeamento da população civil, retirar tropas do norte de Gaza, desmobilizar dezenas de milhares de reservistas inúteis. E, com a retirada parcial das tropas do norte de Gaza, combatentes palestinos estariam se infiltrando na região.

Tel Aviv sofre igualmente a pressão estadunidense para moderar a matança, que os USA apoiaram até agora, e pôr um fim próximo à campanha militar. Por razões políticas e industriais, os estadunidenses se vêem impossibilitados de seguir abastecendo as necessidades militares de Israel e da Ucrânia. E Biden não quer começar a campanha eleitoral com as manchetes tomadas pelos ataques cegos a escolas, a hospitais, à população de Gaza, que já teria alienado o voto de estadunidenses de origens palestina, árabe, credo muçulmano, etc., no passado, tradicionais eleitores do Partido Democrático.

E para deixar claro que quer fatos e não promessas vazias, o USS Gerald R. Ford, o maior e mais letal porta-avião do mundo, enviado para as proximidades de Israel após o início do conflito, iniciou o caminho de volta para seu porto de ancoragem, em Norfolk, Virgínia, apesar dos resmungos israelenses. Além das razões políticas, parece ter pesado na opção da volta ao ninho materno, o custo e o risco em manter o poderoso porta-avião apoiando campanha militar. Desde o início do conflito, em torno de quinze mil marinheiros, uma vintena de navios de superfície, alguns submarinos foram mobilizados para defenderem Israel. [LE MONDE, 14/01/2023.] O custo? Uma nota preta!

VII. Hamas pode avançar suas vitórias?

O Hamas já alcançou, como vimos, importantes conquistas sobre o imperialismo e o sionismo, ao desmoralizar os exércitos sionistas, desarticular a operação de reformatação do Oriente Médio e colocar na pauta internacional a questão palestina. Vitórias que independem, relativamente, do resultado militar do confronto. Entretanto, essas conquista podem ainda ser ampliada? Questão impossível de ser plenamente respondida, sem a tal bola de crista do nosso Gilbert Achcar. Até porque o desenvolvimentos do sucesso em Gaza dependem também do fracasso ou sucesso dos USA-Otan na Ucrânia.

Alguns desdobramentos do conflito parecem, porém, previsíveis. A proposta da erradicação do Hamas é irrealizável, à margem de uma longa e sangrenta guerra que resulte em ocupação territorial semi-permanente da Faixa de Gaza. O que levaria, possivelmente,  o Hezbollah a entrar no combate, pois a liquidação do Hamas o fragilizaria igualmente. 

Uma longa e destrutiva guerra talvez não interesse e já não seja possível de ser realizada por Israel. O governo de Netanyahu, mal das pernas em Israel e no exterior, com sua demissão pedida até mesmo pelo The Economist, porta-voz do capital financeiro internacional, já recuou nos devaneios  de expatriar os moradores de Gaza para o Egito, para a Palestina, para a África. [The Economist, 03/01/2024.]

O governo israelense também já avançou discretamente não pretender ocupar militarmente  Gaza definitivamente e, mesmo, por longo tempo, após a hipotética derrota total do Hamas, permitindo um governo palestino colaboracionista. Anunciou que, reorientando as operações, encerraria os bombardeiros gerais indiscriminados que agora tenta justificar, diante do principal tribunal da ONU, com argumentos capazes de corar a Esfinge de Gizé, nas margens do Nilo.

Novos e sadios ventos sobe a Palestina

 Seria uma derrota, ainda maior, se Israel interrompesse os combates em troca da libertação dos reféns, por razões humanitárias, mesmo após destruir parte substancial da rede subterrânea da resistência, mas deixando em Gaza um núcleo substancial das forças do Hamas e palestinas. Derrota acrescida se o Hezbollah se mantiver em suas posições, no sul do Líbano, fortalecido por uma ofensiva israelense frustrada. O que comprovaria, para a população israelense, a impossibilidade de uma solução final para a questão palestina.

O fim do conflito parece prefigurar o isolamento de Israel, por um período ainda difícil de se prever. O que o obrigaria a assumir cada vez mais sua essência, “desde seu nascimento”, a de ser um“corpo estranho no Oriente Médio”.[FONTANESI, 2023.] Nesse novo contexto, sofrerá enormes pressões internacionais, mesmo dos USA, para materializar nem que seja um arremedo de Estado palestino. O que aprofundará as enormes divisões político e sociais que dividem hoje Israel.

Um novo cenário que certamente abriria uma fresta na janela até agora cerrada, permitindo que um pouco de ar fresco e novo penetre nas masmorras em que estão encerradas as populações palestinas da Cisjordânia, de Gaza e vivendo no interior de Israel. O que permitiria avanços mais substanciais em direção da construção de uma sociedade livre, laica e democrática para todos os povos da  região. Por tudo isso e o demais, permitam a esse ateu empedernido concluir esse artigo com um compreensível Insha’Allah.

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https://acomunarevista.org/2024/01/14/hamas-uma-derrota-historica-de-israel/

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