quarta-feira, 8 de junho de 2016

A declaração final do G7 - (2° parte)

Por Thierry Meyssan
3 de junho de 2016
Aqui, eu vou limitar-me a estudar as passagens da Declaração relativas à política internacional vista por estas 9 pessoas, que aspiram a ser as mais poderosas do mundo [1]. É um catálogo das atuais 18 principais mentiras ocidentais. Ela fornece uma ocasião para passar em revista os principais pontos de conflito.
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Os 9 membros do G7.
 
- A «luta contra o terrorismo e o extremismo violento» [2]
Agora, é um dado infelizmente adquirido nas Cúpulas internacionais, o terrorismo. Que, diz-se aí, seria o fruto do extremismo violento. Supostamente tratar-se-ia, apenas, do amadurecimento de problemas psicológicos pessoais nos contextos políticos não-resolvidos. O terrorismo não seria, portanto, uma estratégia militar, nenhum Estado o estaria implementando e seria exclusivamente financiado por donativos privados e tráficos diversos. É a teoria defendida, desde Dezembro de 2015, pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, acabado de se juntar ao G7 para dar aí a ilusão de um consenso mundial [3] : o único inimigo, é a «radicalização». Uma formulação que permite aos que organizam o terrorismo combater qualquer forma de oposição, sob o pretexto de prevenir o terrorismo.
Tal como o fomos explanando no decorrer das nossas colunas, desde 2001, pelo menos 8 dos 9 membros do G7 estão diretamente implicados no apoio à Al-Qaida e ao Daesh(E.I.), no Iraque, na Síria e na Líbia. Só o Canadá, de Justin Trudeau, parece não participar mais nesta guerra secreta.
- «As migrações e a crise dos refugiados» (e, não a crise dos refugiados e dos migrantes).
Deve notar-se a distinção semântica entre o fluxo de migrações e a crise de pessoas refugiadas. Os migrantes optam por deslocar-se. Eles são considerados como um fluxo, não como pessoas, ao contrário dos refugiados que são forçados à mudança e têm direito a uma proteção internacional.
Ora, há na realidade muito poucos refugiados reais. A grande maioria dos Sírios que fugiram do seu país recusou defendê-lo, face aos jihadistas, porque estava persuadida que a República ia ser derrubada pela OTAN. Outros fugiram dos combates esperando regressar após a vitória dos jihadistas e a construção de um verdadeiro Estado islâmico. Mas, o Direito Internacional não reconhece a qualidade de Refugiados àqueles que se negam a pegar em armas para defender a sua pátria, atacada a partir do estrangeiro, nem aos que esperam por uma vitória sem ter que lutar por ela.
Não há duvida que o fenômeno da fuga dos Sírios foi encorajado pelos Estados que atacam o país, e esperavam, assim, vencê-lo esvaziando-o dos seus habitantes. Ora, todos os membros do G7 participaram deste plano.
- A Síria
O G7 condena, com a maior firmeza, as violações da cessação das hostilidades pelo «regime sírio». Certo, mas não diz uma palavra nem sobre as violações cometidas, anteriormente, pelos grupos armados, nem — e isso é que é importante — sobre as violações que o próprio G7cometeu primeiro. Refiro me, por exemplo, a entrega de 2.000 toneladas de armas e munições pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, tal como o atesta a revista Jane’s. Armas e munições das quais pelo menos metade foram entregues à Al-Qaida e ao Daesh (E.I.), que o G7 alegava combater algumas linhas acima [4].
O G7 condena, igualmente, «o regime» (expressão pejorativa para designar um Estado-membro da ONU, quando se quer destacar  que o objetivo da guerra do G7 é impor uma «mudança do regime») por ter bloqueado o acesso humanitário internacional. No entanto, os casos citados pela ONU correspondem a próprias falhas das Nações Unidas, ela própria, que não garantiu as datas ou rotas previamente acordadas com o governo sírio.  Por outro lado,  o G7 não condena os grupos armados por terem bloqueado o acesso a vários localidades, anunciando, aliás, que usará como pretexto o que abusivamente reprova ao «regime» para autorizar o Programa Alimentar Mundial (PAM) a lançar de paraquedas ajuda às áreas jihadistas. Ora, não tendo o PAM meios-próprios para este tipo de operação, delega  à Força Aérea dos EUA esta operação... que não se limita ao lançamento de víveres e medicamentos mas inclui  armas e munições. Só na aparência este tipo de operação é humanitário, já que os víveres e medicamentos lançados de paraquedas nas zonas jihadistas serão imediatamente confiscados pelos grupos armados, que os revenderão a preço de ouro às populações sob seu controle, ou os exportarão para a Turquia, como se constatou recentemente.
Finalmente, o G7 evoca a questão das armas químicas, sem apontar nenhum dos lados ; sinalizando  que poderá sempre utilizar esta acusação contra qualquer ator, aí incluídos os grupos armados e a Turquia. Trata-se de um meio de chantagem sobre o imprevisível governo Erdoğan.
- O Iraque
O G7 apoia «a unidade, a soberania e a integridade territorial» do país. Ele felicita o governo iraquiano pela sua luta contra o Daesh (EI) e anuncia que apoia, desde logo, os esforços de Bagda  para vir em socorro das populações das zonas libertadas. No entanto, visto que não congratulou igualmente o «regime» sírio pelas suas vitórias contra o Daesh, conclui-se que — contrariamente às resoluções do Conselho de Segurança da ONU — o seu objetivo principal não é a luta contra o terrorismo.
Os membros do G7 anunciam despender, atualmente, mais de US $ 3,6 mil milhões (bilhões-br) de dólares para ajudar as autoridades iraquianas, aí incluindo os curdos. Ao fazê-lo, contradiz o que afirmava algumas linhas mais acima: com efeito, ele alega apoiar a unidade do país, mas entrega armas, diretamente, a uma província (o Curdistão-ndT) que incentiva a não mais obedecer ao poder central.
- Irão
Com à vontade, o G7 congratulou-se pelo acordo 5+1 concluído há um ano com o Irão. Ora, este previa o levantamento das sanções norte-americanas, europeias e internacionais, que teria permitido ao Irã dispor novamente de US $ 150 mil milhões (bilhões-br) de dólares bloqueados, um pouco por todo o lado, no mundo inteiro. No entanto, se pequenos países desbloquearam, realmente, os fundos que tinham sido forçados a congelar — por exemplo, a Suíça em 12 milhões de dólares —, o Irão ainda não viu a cor do mínimo cêntimo bloqueado nos Estados Unidos ou na União Europeia. Pior, enquanto oficialmente Washington fazia menção de desbloquear US $ 450 milhões de dólares estes foram, imediatamente, colocados sob sequestro por um juiz norte-americano, «independente», sob o pretexto indenizar as vítimas dos atentados do 11-de-Setembro, pelos quais jamais os Estados Unidos haviam acusado o Irão durante os 15 últimos anos. A tomada de posição dos 9 membros do G7 surge, aqui, como resposta à reclamação apresentada pelo Irão no Conselho de Segurança, com o apoio do Movimento dos Estados Não-alinhados [5].
O G7 prosseguiu condenando as pesquisas iranianas em matéria de mísseis, que infringiriam a resolução 2231. Ora, esta Resolução não aborda esta questão. Durante o debate no Conselho de Segurança, a embaixatriz Samantha Power tinha, aliás, lembrado que o Irão deveria não só respeitar a Resolução, mas, também, aplicar outras regras internacionais em matéria de mísseis balísticos [6]. Ora, os Estados Unidos sabem que não podem ligar a questão dos mísseis balísticos à do nuclear, aliás, após o acordo 5+1 eles não apresentaram qualquer queixa contra o Irão.
- República popular democrática da Coreia
O G7, condena as pesquisas nucleares do que chama a «Coreia do Norte», sublinhando assim que os Estados Unidos estão em guerra com ela desde 1950. De facto, ele pode apoiar-se em várias resoluções do Conselho de Segurança. No entanto, na ausência de um Tratado de Paz, e vista a pressão exercida durante 10 anos contra o Irão — que não tinha programa nuclear militar — compreende-se que Pyongyang não tenha cedido.
- «Ucrânia/Rússia»
O G7 reafirma a obrigação de respeitar «a soberania, a integridade territorial e a independência» da Ucrânia. De seguida, ele condena a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia. É mais um exemplo da hipocrisia Ocidental. Já que foram os membros do G7 quem organizou o golpe de Estado em Kiev, violando assim a soberania e a independência da Ucrânia. Os cidadãos que recusaram o golpe tentaram primeiro resistir. Eles perceberam, rapidamente, que a população se dividia geograficamente entre pró-atlantistas e pró-russos. As zonas pró-russas, a Crimeia, o Donbass e Lugansk proclamaram a sua independência, mas, só a Crimeia reagiu suficientemente rápido para pedir a sua incorporação na Federação da Rússia.
Saliente-se, apenas, uma frase criticando a corrupção do governo Ucraniano; sinal que os membros do G7 estão muito incomodados com o seu novo aliado.
- Líbia
O G7 dá o seu apoio ao governo presidido por Fayez al-Sarraj — única autoridade hoje em dia reconhecida pela ONU — para pacificar o país, permitir a sua exploração petrolífera e lutar contra o Daesh (E.I.).
Não tendo mais um chefe legitimado, o país dividiu-se em tribos. O governo al-Sarraj foi formado pela ONU, durante os Acordos de Skhirat (Abril de 2015). Mas, nunca chegou a ser empossado pela Câmara dos Representantes estabelecida pela OTAN após o assassinato de Muammar el-Qaddafi. Ele não é, pois, mais legítimo que qualquer dos outros, muito embora seja o mais servil. Seja como for, os membros do G7 anunciam apoiar o levantamento do embargo de armas, unicamente em favor desse governo, o que deverá permitir-lhe  massacrar  seus adversários e relançar a guerra civil.
- Afeganistão
Os membros do G7 apoiam todo «processo de paz realizado pelos Afegãos», o que resulta no mínimo  surpreendente  15 anos após a invasão anglo-estadunidense e dos acordos de Bonn impostos pelos vencedores. Eles congratulam-se com a participação do Afeganistão na reunião da OTAN, prevista para Julho próximo em Varsóvia, o que diz muito sobre o tal processo de paz «realizado pelos Afegãos», e sobre a vontade do ocidente de prosseguir o cerco militar da Rússia.
- «Processo de paz no Próximo-Oriente»
Por esta fórmula, o G7 admite que o "conflito" israel-Palestina é, na realidade, um "conflito" israel-árabe. Tendo em conta as más relações com o atual Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o G7 apoia a iniciativa francesa de uma conferência internacional... sem os Israelitas, nem os Palestinos ; único meio, segundo ele, de fazer avançar a «solução de dois Estados».
- Yemen
Avançando com cautela, o G7 afirma que a paz no Yemen passa por retoma do processo de transição política. Esta formulação indireta significa que apoia o G7 apoia o presidente de transição deposto pelos protestos de rua, Abd Rabbo Mansour Hadi, o qual é carregado ao colo pela Arábia Saudita e por Israel.
- África
Enquanto  tratou em detalhe os casos dos Estados anteriormente mencionados, o G7 não se deu ao trabalho de prestar a mesma atenção ao Burkina Faso, ao Burundi, ao Mali,  à Nigéria, à República Centro Africana, à República Democrática do Congo, à Somália e ao Sudão do Sul, bem como a alguns outros Estados  africanos  —  sequer mencionados — como a bacia do Chad, o Shahe, e do  Chifre Africano. São todos despachados num único parágrafo, que lista uma quantidade de problemas, e os convida a reforçar as organizações inter-governamentais para os resolver. O Pentágono ainda não digeriu o facto dos africanos não terem  acolhido de braços abertos a criação da Africanos.
Este parágrafo foi redigido na presença do Presidente Chadiano, Idriss Deby, que havia sido convidado à margem da reunião. A sacrossanta regra norte-americana, segundo a qual nenhum chefe de Estado deve disputar mais de dois mandatos consecutivos, não se aplica a este país. Idriss Deby, no poder de modo contínuo há mais de 25 anos, é acusado de numerosos crimes, no seu país como em Darfur, mas é o melhor aliado para uma intervenção militar no continente negro.
- Venezuela
O G7 deseja ao mesmo tempo um diálogo tanto entre o governo e os cidadãos, como entre o governo e o parlamento. Esta fórmula sugere, habilidosamente, que o governo é um regime autoritário, contestado tanto pelo seu povo como pelos partidos políticos.
Na realidade, tendo Washington falhado em organizar tumultos (a «Guarimba») em 2014 [7], e em realizar um golpe de Estado em Fevereiro de 2015 [8], Washington decretou que a Venezuela é «uma ameaça contra [a sua] segurança nacional» [9], depois fabricou um dossiê para acusar um dos principais líderes bolivarianos, Diosdado Cabello, de ser um traficante de drogas [10]. Apesar das cortesias quando se encontrou com o seu homólogo venezuelano, o Presidente Obama renovou o seu decreto em 2016. A 25 de Fevereiro, o SouthCom (conhecidas na America Latina como "Comando Sul") e as Forças Especiais dos EUA  elaboravam um plano de desestabilização azaradamente vazado para a  imprensa [11]. Seu objectivo é semear o caos como tem sido feito na região do Levante.
- Segurança marítima
O G7, que se apresenta como garantidor da segurança marítima muito embora seus membros tenham organizado  a pirataria no Chifre de África, nos anos 2009-10 [12], critica as reivindicações de Pequim quanto ao mar da China apoiando-se no Direito marítimo, o que não é em absoluto o problema.
As reivindicações de Pequim são historicamente legítimas e não incomodavam ninguém... até a descoberta de jazidas de petróleo. As ilhas Spratly e Paracels foram consideradas como chinesas até o século XVIII. Mas, como eram em grande parte desabitadas nunca o Imperador para lá enviou qualquer representante. Eles foram abandonados durante a colonização da China, no século XIX. De facto, hoje podem, pois, ser reivindicadas tanto por Taipé como por Pequim, dependendo da modo como se interpretar a descolonização. E, evidentemente, as antigas potências coloniais não têm a mesma leitura dos acontecimentos que o povo chinês, que os atirou para fora do seu país.
- Não-proliferação e desarmamento
Quer-se crer que o G7 seja favorável à não-proliferação nuclear e ao desarmamento, uma vez que o seu discurso é sempre pela paz, muito embora a sua prática seja imperialista.
A hipocrisia Ocidental é aqui encarnada por Barack Obama, o qual recebeu o premio Nobel da Paz por ter anunciado a sua intenção de acabar com as armas nucleares, mas que, uma vez no poder, em vez disso modernizou e aumentou o arsenal nuclear dos EUA. Precisamente após a Cimeira, ele viajou para Hiroshima onde pronunciou um discurso. E, claro, não apresentou desculpas –-ele não é responsável pelo que os seus predecessores fizeram---, mas não respondeu à questão da legitimidade dos bombardeamentos atômicos, o que não deixa dúvidas sobre o âmago do seu pensamento.
Além disso, o G7 finge ignorar que, no ano passado, uma Família foi capaz de obter a bomba atômica e já utilizou, pelo menos, duas bombas táticas no Yemen [13]. É portanto um perigo palpável, muito mais grave que o representado pelos testes norte-coreanos. Por outro lado, o facto dos Saud terem adquirido esta tecnologia a título privado e não em nome do seu Estado, a Arábia Saudita, abre uma brecha suplementar no Tratado de Não-proliferação.
- Reforma das Nações Unidas e das operações de paz
Como é suposto, o G7 mostra-se favorável a uma evolução da Organização das Nações Unidas. Aproveitando isto para reafirmar o seu apoio às decisões da Cimeira sobre as Operações de Paz, a que o Presidente Obama presidira nas Nações Unidas.
O problema é que o próprio princípio das operações de manutenção da paz é contrário à Carta da ONU. Durante sua criação, os fundadores tinham previsto missões de observação para verificar a aplicação dos acordos de paz. Elas só eram possíveis e úteis em caso de acordo entre as partes em conflito. Em vez disso, hoje em dia, o Conselho de Segurança impõe a sua solução às partes, ou seja, enfileira com um lado, ou com outro, e implanta uma Força armada para forçar o seu cumprimento. É simplesmente mascarar com o Direito Internacional uma prática colonial.
- Direitos do homem
Este curto parágrafo ilustra perfeitamente o cerne da minha observação: quem se oporia aos Direitos do Homem? Ninguém. No entanto, o texto apresenta o respeito destes Direitos como «uma parceria entre os Estados e as sociedades civis». Ao fazê-lo, ele retoma a definição britânica destes Direitos e a de Emmanuel Kant para a sociedade civil.
Segundo o G7, os Direitos do homem são uma proteção dos indivíduos face à razão de Estado. A qualquer um deve ser permitido poder defender-se contra os abusos que estima sofrer. A «sociedade civil», quer dizer, os atores políticos –- antigamente, os plebeus--- que não participam na vida dos partidos políticos, devem, pois, ter o direito de poder defender os cidadãos contra o Estado. Este patuá é a negação das Revoluções francesa, russa, cubana e iraniana para quem o primeiro Direito do Homem é o de questionar a legitimidade do Poder e não de se proteger dele. Ao fazê-lo, o G7 afirma que a nova classe dirigente internacional não pensa deixar-se derrubar.
- Segurança nuclear
O G7 distingue aqui a segurança das técnicas (prevenção de segurança/safety) da segurança política das instalações (segurança/security). Ele convoca os acionistas das multinacionais em questão a respeitar a Convenção Internacional que rege a sua atividade. E, ele congratula-se pela Cimeira organizada pela Casa Branca sobre a prevenção do roubo de armas nucleares por grupos terroristas.
Ao distinguir a questão de eventuais armas atômicas detidas por terroristas da questão da não-proliferação, o G7 mostra, claramente, que ele não prossegue seriamente nenhum destes dois objetivos. A não-proliferação é, unicamente, a interdição imposta às potências não-nucleares de acederem ao clube das potências nucleares. A Cimeira da Casa Branca foi um pretexto para que o Pentágono possa «ajudar» qualquer Estado e, assim, melhor os controlar.
 

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