sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Desautorizando a Autoridade

  Palestina Livre - 29 de novembro

A Autoridade Palestina – AP mostrou uma incapacidade total em administrar as conversações com Israel durante os últimos 27 anos, ou seja, desde o Acordo de Oslo, em 1993. 

A situação dos palestinos está cada vez pior. Além de viverem sob a  opressão sionista, com perdas das terras e as injustiças impostas, tem a dor  maior de ver a pactuação dos líderes da AP com nossos inimigos. 

Desautorizamos esses representantes, demagogos, fracos e covardes  que não demonstram respeito e nenhuma coragem na defesa dos interesses  nacionais palestinos. A única coisa que fizeram com muita maestria foi a  “coragem” de transformar as conversações de paz em encontros para receber  ordens do mandatário Israel. Criando a falsa imagem de pombo da paz, a AP  se afastou da paz fruto da justiça e consolidou a paz dos cemitérios. Nossa  resistência enfrentou a repressão da polícia de Mahmoud Abbas e os nossos  presos políticos palestinos estão em prisões palestinas administradas pela AP!  

Frente a desonra e a fraqueza da AP, engrossamos as fileiras do povo  palestino que, por toda parte, está desautorizando esta Autoridade de realizar  qualquer acordo em seu nome! Fim da linha com as conversações junto aos invasores Israelenses, ao eixo formado pelos Estados Unidos e seus aliados  na “Negociata do Século – Trump” que pretendem liquidar a causa palestina.  Hoje, podemos dizer que o território da Palestina (na cor verde do mapa) está  fragmentado e 100% ocupado pelo Estado de Israel, pois a AP não tem  autonomia: 

Daqui levantamos a voz contra AP, como levantamos a voz contra o  sionismo que permitiu o surgimento da injustiça! Levantamos nossa voz para  calar os traidores da Causa Palestina! Saibam, covardes, que suas atitudes de  submissão ao Estado Sionista de Israel são, cotidianamente, derrotadas na  luta e na resistência de cada palestino. A paz verdadeira é a justiça e os  direitos inalienáveis do povo palestino assegurados!

Todos os países do mundo, em todos os governos, reconhecem a  necessidade de respeitar e valorizar os presos políticos. São lutadores que  não se dobram, são a salvação das esperanças, são os guardiões dos valores  e da cultura da sociedade!  

Nos tratados internacionais de guerra, nas operações armadas e até  nos cessar fogo o primeiro a ser negociado são a troca de soldados presos nos  campos de batalha como sinal de boa fé, preservando a vida. Mas isso não  significa nada para as negociações entre os Sionistas e a AP. Nada vai  avançar enquanto a AP não modificar sua relação com os presos políticos  palestinos e agir pela imediata libertação deles.  

A AP não respeita os presos políticos palestinos, não melhora suas  condições, não viabiliza advogados, não facilita visitas das famílias, não  investe em tratamentos de saúde e em apoio material, são atitudes de  desprezo por aqueles que nunca traíram seu povo e nem os ideais de  libertação de sua Pátria! Mesmo detidos em condições subumanas e  precárias, se alimentam com a honra Palestina! 

A AP não esta sendo honesta em defender a libertação do seu povo, que deu vidas e continua lutando para conquistá-la! Nem esta sendo honesta, em defender os presos políticos, muitos detidos antes do Acordo de Oslo. Não  teve a coragem de negociar a libertação, por exemplo, dos companheiros Kareem Younes, ou Nael Bargouthi (detido aos 15 anos de idade e, neste ano, fez seu aniversario de 56 anos na cadeia, são 41 anos encarcerado). 

Maher al Akhras está em prisão administrativa, um estilo inventado pela  justiça Israelense: preso sem acusação ou acusação sem provas de acordo  com a inteligência do órgão da policia política de Israel. Mas firme de suas  convicções, Maher entrou com greve de fome! Seu protesto se somou a de  muitos outros presos políticos, que recorrem ao sacrifício da fome para  impactar a mídia internacional e pressionar o algoz sionista. Foram 103 dias de  greve de fome pela sua libertação! E foi vitorioso! Deve ser solto no dia 26 de  novembro! Todo nosso respeito e solidariedade aos presos políticos palestinos!  Olha sua filha Tuqa dando as primeiras colheradas de sopa!  

Amargura e mal estar domina o céu da boca quando se fala de nossos  presos políticos. A amargura não vem porque não conseguirmos libertá-los, vem pelo descaso e falta de interesse que os governantes da AP perante a  esses grandes heróis. Graças a luta e a resistência deles, dos militantes que  vivem na Palestina, dos refugiados que levam a Palestina no coração onde 

quer que estejam vivendo, lutando pelo direito do retorno e a todos os  solidários a Causa Palestina tem respeito no campo internacional.  

Queremos eleições diretas para AP e para o Conselho Nacional  Palestino, pois a legitimidade vem através de escolhas democráticas! Nosso  recado para a AP e aos governos árabes traidores: fim da linha para suas  viciadas conversações! A Palestina livre virá pela luta da resistência do nosso  povo! 

Viva a Palestina Livre! 

Imediata libertação dos presos políticos palestinos! 

Viva 29 de novembro! Dia Internacional de Solidariedade  ao Povo Palestino! 

novembro/2020 

Centro Cultural Palestino de São Paulo  

Centro Cultural Palestino do Rio Grande do Sul 

Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino 

Comitê de Solidariedade à luta do Povo Palestino Rio de Janeiro

Comitê da Palestina Democrática 

Espaço Palestino de Cultura e Política Al Janiah 

Instituto Brasil Palestina - Ibraspal 

Sociedade Árabe Palestina de Corumbá 

Sociedade Palestina de Brasília 

União Democrático das Entidades Palestina do Brasil


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Julgamento de Julian Assange: a máscara do Império caiu

por Pepe Escobar [*]

Ele está sendo punido não por roubar o fogo, mas por expor os poderosos à luz da verdade e provocar o deus do Excepcionalismo.


Este é o conto de uma tragédia da Grécia Antiga, reencenada na Anglo-América.

Em meio ao silêncio estrondoso e à indiferença quase universal, acorrentado, imóvel, invisível, um esquálido Prometeu foi transferido da forca para um julgamento-espetáculo em um falso tribunal gótico construído no local de uma prisão medieval.

Cratos, personificando o Poder, e Bia, personificando a Violência, haviam devidamente acorrentado Prometeu, não a uma montanha no Cáucaso, mas ao confinamento solitário em uma prisão de segurança máxima, subjugado à implacável tortura psicológica. Em nenhuma das torres Ocidentais de vigilância, nenhum Hefesto se ofereceu para forjar qualquer grau de relutância ou mesmo uma migalha de piedade.

Prometeu está sendo punido não por roubar o fogo – mas por expor os poderosos à luz da verdade, provocando, assim, a ira desenfreada de Zeus, o Excepcionalista, que só é capaz de orquestrar seus crimes sob múltiplos véus de segredo.

O mito do sigilo – que envolve a capacidade de Zeus controlar o espectro humano – foi rompido por Prometeu. E isso é anátema.

Durante anos, estenógrafos degradados trabalharam incansavelmente para retratar Prometeu como um reles trapaceiro e falsificador leviano.

Abandonado, difamado, demonizado, Prometeu foi consolado por apenas um pequeno grupo de Ninfas – Craig Murray, John Pilger, Daniel Ellsberg, guerreiros Wiki, escritores do Consortium. A Prometeu foram negadas até mesmo as ferramentas básicas para organizar uma defesa que pudesse pelo menos abalar a dissonância cognitiva da narrativa de Zeus.

Oceano, o titã pai das Ninfas, para satisfazer Zeus, não poderia incitar Prometeu.

Fugazmente, Prometeu revelou ao grupo de Ninfas, que expor segredos não era o que lhe daria a verdadeira satisfação pessoal. A longo prazo, sua causa poderia reavivar o apreço popular às artes civilizatórias.

Um dia, Prometeu foi visitado por Io, uma donzela humana. Ele teria previsto que ela não se envolveria em nenhuma viagem futura, e que ela lhe daria dois descendentes. Teria igualmente previsto que um de seus descendentes – um descendente anônimo de Hércules – muitas gerações depois, o libertaria, figurativamente, de seu tormento.

Zeus e seus lacaios da promotoria nada têm de muito concreto contra Prometeu, além da posse e disseminação de informações confidenciais Excepcionais.

Ainda assim, caberia a Hermes – o mensageiro dos Deuses e, significativamente, seu canal de Notícias – ser enviado por Zeus, tomado de raiva incontrolável, para exigir que Prometeu admitisse ser culpado de tentar derrubar a ordem baseada em regras estabelecidas pelo Supremo Excepcional.

Isso é o que está sendo ritualizado no julgamento-espetáculo atual, que nunca disse respeito à Justiça.

Prometeu não será domesticado. Em sua mente, ele libertará o Ulisses de Tennyson: "se esforçar, procurar, encontrar e nunca ceder". [NR]

Então Zeus pode finalmente atingi-lo com o raio do Excepcionalismo, e Prometeu será lançado ao abismo.

Porém, o roubo de Prometeu do segredo dos poderosos foi irreversível. Seu destino certamente levará ao aparecimento, mais tarde, de Pandora e sua caixa de males – com consequências imprevistas.

Qualquer que seja o veredicto declarado naquele tribunal do século XVII, está mais do que certo de que Prometeu entrará na História apenas como um mero objeto de culpa pela loucura humana.

Porque agora o cerne da questão é que a máscara de Zeus caiu.

[NR] A tradução do Ulisses, de Tennyson, feita por Rubens Canarim, encontra-se aqui .

[*] Jornalista.

O original encontra-se no Asia Times e em Consortium News . A tradução de Gustavo Salume encontra-se em Duplo Expresso .


Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

EastMed,: O Consórcio entre a entidade sionista Israel, a Grecia do Tsipra e o Chipre consolida o roubo do gás de GAZA

 Gasoduto explosivo no Mediterrâneo

Por Manlio Dinucci


No Mediterrâneo Oriental, em cujas profundezas foram descobertas grandes jazidas offshore de gás natural, está em curso um contencioso acirrado sobre a definição de zonas económicas exclusivas, dentro das quais (até 200 milhas da costa) cada um dos países costeiros tem o direito de explorar essas reservas.

Os países directamente envolvidos são a Grécia, a Turquia, o Chipre, a Síria, o Líbano, a Palestina, Israel, (cujas jazidas, nas águas de Gaza, estão nas mãos de Israel), o Egito e a Líbia. O confronto é particularmente tenso entre a Grécia e a Turquia, ambos países membros da NATO. A aposta em jogo não é apenas económica.

A verdadeira discórdia que se joga no Mediterrâneo Oriental é geopolítica e geoestratégica e envolve as grandes potências mundiais. Neste âmbito insere-se o EastMed, o gasoduto que trará para a União Europeia grande parte do gás desta área. A sua realização foi decidida na cimeira, realizada em Jerusalém em 20 de Março de 2019, entre o Primeiro Ministro israelita Netanyahu, o Primeiro Ministro grego Tsipras e o Presidente cipriota Anastasiades.

Netanyahu salientou que “o gasoduto se estenderá de Israel à Europa através do Chipre e da Grécia” e Israel tornar-se-á assim uma “potência energética” (que controlará o corredor energético para a Europa), Tsipras sublinhou que “a cooperação entre Israel, a Grécia e o Chipre, na sexta cimeira, tornou-se estratégica». 

Esta cooperação é confirmada pelo pacto militar assinado pelo governo de Tsipras com Israel há cinco anos (il manifesto, 28 de Julho de 2015). Na cimeira de Jerusalém (cujas actas, publicadas pela Embaixada dos EUA no Chipre),esteve presente Mike Pompeo, Secretário de Estado americano, sublinhando que o projecto EastMed lançado por Israel, pela Grécia e pelo Chipre, “parceiros fundamentais dos EUA para a segurança”, é “incrivelmente oportuno”, já que “a  Rússia, a China e o Irão estão a tentar colocar os pés no Oriente e no Ocidente”.

A estratégia dos EUA é declarada: reduzir e finalmente bloquear as exportações do gás russo para a Europa, substituindo-as por gás fornecido ou, de outra forma, controlado pelos EUA. Em 2014, eles bloquearam o SouthStream, que teria trazido através do Mar Negro gás russo para a Itália a preços competitivos, e estão tentando fazer o mesmo com o TurkStream que, através do Mar Negro, transporta o gás russo para a parte europeia da Turquia para fazê-lo chegar à União Europeia.

Ao mesmo tempo, os USA tentam bloquear a Nova Rota da Seda, a rede de infraestruturas concebida para ligar a China ao Mediterrâneo e à Europa. No Médio Oriente, os USA bloquearam com a guerra o corredor de energia que, segundo um acordo de 2011, teria transportado o gás iraniano através do Iraque e da Síria para o Mediterrâneo e para a Europa. A esta estratégia junta-se a Itália, onde (na Apúlia) chegará a EastMed que também levará o gás para outros países europeus.

O Ministro Patuanelli (M5S) definiu o gasoduto, aprovado pela União Europeia, como um dos “projectos europeus de interesse comum”, e a Subsecretária Todde (M5S) levou a Itália a aderir ao East Med Gas Forum, sede de “diálogo e cooperação” sobre o gás no Mediterrâneo Oriental, do qual participam – além de Israel, da Grécia e do Chipre – o Egipto e a Autoridade Palestina. Também participa a Jordânia, que não tem jazidas de gás offshore no Mediterrâneo, mas que o importa de Israel. 

No entanto, estão excluídos do Fórum, o Líbano, a Síria e a Líbia, a quem pertence parte do gás do Mediterrâneo Oriental. Os Estados Unidos, a França e a União Europeia anunciaram, previamente, a sua adesão. A Turquia não participa devido ao diferendo com a Grécia, que a NATO, no entanto, se compromete a resolver: “delegações militares” dos dois países já se reuniram seis vezes na sede da NATO, em Bruxelas. Todavia, no Mediterrâneo Oriental e no vizinho Mar Negro, está em curso um destacamento crescente de forças navais dos EUA na Europa, com sede em Nápoles Capodichino. 

A sua “missão” é “defender os interesses dos Estados Unidos e dos Aliados e desencorajar a agressão [‘russa’]” e a mesma “missão” para os bombardeiros estratégicos americanos B-52, que sobrevoam o Mediterrâneo Oriental acompanhados por caças gregos e italianos.

Manlio Dinucci

il manifesto, 29 de Setembro de 2020


Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l’analisi geostrategica atribuído em 7 de Junho de 2019, pelo Club dei giornalisti del Messico, A.C.
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos Email: luisavasconcellos2012@gmail.comWebpage: NO WAR NO NATO

http://sakerlatam.es/geopolitica/pt-manlio-dinucci-a-arte-da-guerra-gasoduto-explosivo-no-mediterraneo/

terça-feira, 1 de setembro de 2020

O VÍCIO DA CIA NA OCUPAÇÃO DO AFEGANISTÃO


Por Finian CUNNINGHAM


É a guerra ultramarina mais longa dos Estados Unidos e não dá sinais claros de que vai terminar, apesar do instável acordo de paz em andamento entre o governo Trump e militantes do Taleban. Uma retirada gradual das tropas americanas do Afeganistão no próximo ano ainda poderia ser descarrilada, resultando na continuação das operações militares americanas no país do sul da Ásia - quase duas décadas depois que o presidente GW Bush lançou a Operação Liberdade Duradoura em outubro de 2001.
O envolvimento dos EUA no Afeganistão é o pântano arquetípico. Centenas de milhares de mortos ou mutilados, trilhões de dólares desperdiçados, um estado falido - apesar das pretensões americanas de construção da nação e uma insurgência militante mais forte do que nunca. Os objetivos estratégicos declarados de Washington no Afeganistão nunca foram coerentes ou convincentes, mesmo entre os altos escalões do Pentágono. A justificativa inicial de “vingança do terrorismo de 11 de setembro” parece desgastada.
A ironia é que Washington se envolveu pela primeira vez no Afeganistão no final dos anos 1970 para infligir um “cenário do Vietnã” às tropas soviéticas que defendiam um governo aliado em Cabul. Os lutadores mujahideen patrocinados pelos EUA e seu crescimento do Taleban tornaram o país um cenário ainda pior para o Vietnã para Washington do que pretendia para Moscou.
O Afeganistão é conhecido como o “Cemitério dos Impérios”, onde os britânicos sofreram um golpe em suas proezas imperiais, como os soviéticos e agora os americanos. A questão é: por que os americanos estão aparentemente presos no Afeganistão, incapazes de libertar suas forças? Parte da razão, sem dúvida, decorre da burocracia da guerra e dos lucros confiáveis ​​para o complexo militar-industrial, que sufoca uma ruptura total com o que, de outra forma, seria um conflito inútil, sem fim e sem saída.
Outra razão, talvez mais potente, é o negócio imensamente lucrativo do tráfico global de narcóticos. Essa pode muito bem ser a principal razão pela qual a guerra afegã continua, apesar das incongruências patentes e dos votos presidenciais de encerrá-la. É uma fonte vital de financiamento para a CIA e outras agências de inteligência dos EUA. A grande vantagem do negócio das drogas é que as finanças estão fora dos livros e, portanto, não estão sujeitas à supervisão do Congresso. Essa fonte "sombria" de receita permite que as agências americanas financiem operações secretas sem nunca serem responsabilizadas por legisladores intrometidos (isto é, se estes últimos alguma vez o fizeram).
Altos funcionários russos e iranianos declararam recentemente que as agências de inteligência dos EUA estão fortemente envolvidas no transporte secreto de entorpecentes para fora do Afeganistão.
De acordo com Eskandar Momeni, o chefe de combate às drogas do Irã, a produção de heroína da colheita de papoula no Afeganistão aumentou 50 vezes ano após ano desde que as forças dos EUA invadiram o país. “Com base em informações confiáveis, aviões operados pela OTAN e pelos Estados Unidos transportam essas drogas ilícitas em nosso país vizinho”, testemunhou o oficial nesta semana.
O enviado presidencial da Rússia ao Afeganistão, Zamir Kabulov, é citado como tendo dito que a cumplicidade da CIA no tráfico de drogas é “um segredo aberto” no país. “Oficiais de inteligência dos EUA… estão envolvidos no tráfico de drogas. Seus aviões de Kandahar, de Bagram [campo de aviação perto de Cabul] estão voando para onde eles querem - para a Alemanha, para a Romênia - sem qualquer inspeção ”, disse Kabulov.
Essas alegações colocam em perspectiva os recentes relatos sensacionalistas da mídia dos EUA que citam fontes anônimas da inteligência americana alegando que militares russos e iranianos estavam executando esquemas de "caçadores de recompensas" no Afeganistão, pelos quais militantes do Taleban eram supostamente pagos para matar tropas americanas. Os relatos da mídia americana tinham a marca registrada de uma operação psicológica de inteligência. Rússia, Irã e o Taleban rejeitaram as acusações. Até mesmo o Pentágono e o presidente Trump rejeitaram as histórias como não confiáveis.
Mas o efeito pretendido parece ter sido atrapalhar os movimentos hesitantes do governo Trump para encerrar a guerra afegã.
O Afeganistão é a fonte de mais de 90 por cento do fornecimento mundial de heroína, grande parte destinada à Europa, de acordo com as Nações Unidas. Algumas estimativas colocam o tráfico internacional de drogas como uma das commodities mais lucrativas, em pé de igualdade com o petróleo e o gás. O produto financeiro pode ser lavado por meio de grandes bancos, como ilustrou o escândalo envolvendo o banco britânico HSBC.
Para a CIA e outras agências de inteligência dos EUA, o Afeganistão é uma gigantesca fonte de dinheiro do tráfico de drogas ilícitas. Essa fonte fácil de financiamento secreto torna a guerra do Afeganistão viciante demais para largar o vício. Com sua rede global clandestina, frotas de aviões particulares, autorização diplomática, licença de segurança nacional e contas bancárias bizantinas, todos esses recursos tornam a CIA um canal perfeito para o tráfico de drogas. Além dos meios, a agência também tem um motivo poderoso para o financiamento secreto de seus outros empreendimentos criminosos: operações de influência da mídia, revoluções coloridas, assassinatos e subversões de mudança de regime.
O envolvimento sistemático da CIA no tráfico internacional de drogas é tão antigo quanto a própria agência, criada em 1947 no início da Guerra Fria. Sua função de operações secretas é por definição ilegal e, portanto, requer financiamento secreto. A agência tem sido associada ao ouro nazista ilícito para financiar suas primeiras operações. Mais tarde, o tráfico de narcóticos entrou como um meio crucial para o financiamento organizacional. O Triângulo Dourado no Sudeste Asiático foi central para patrocinar esquemas anticomunistas nas décadas de 1960 e 70, assim como a Colômbia e a América Central para financiar forças substitutas como os Contra na Nicarágua durante os anos 1980. O Afeganistão exerce essa função global de sustentar os empreendimentos criminosos da CIA.

Vamos conversar sobre solidariedade internacionalista?






sábado, 4 de julho de 2020

Palestina livre da ocupação sionista! Cresce a convicção do povo palestino de que o "projeto de israel" e sua própria existência nas terras históricas são o problema.

Khaled Barakat : "Não é possível unir dois caminhos opostos - um de um programa de resistência e outro de um programa de concessões, negociações e devastação de Oslo - sob o pretexto de "reconciliação nacional". 
"A "solução de dois estados" é um crime contra o povo palestino".

Enquanto a comunidade palestina e os organizadores da solidariedade lançavam mobilizações em mais de 100 cidades ao redor do mundo para enfrentar os planos de anexação israelenses e resistir a mais de 72 anos de colonização sionista na Palestina, a Rede de Solidariedade aos Prisioneiros Palestinos Samidoun conversou com o escritor e organizador palestino Khaled Barakat sobre o momento político e nossos próximos passos após o 1º de julho , o Dia da Fúria,  e as milhares de pessoas que saíram às ruas para defender a Palestina, sua terra e seu povo, contra o sionismo, o imperialismo, o colonialismo  e o racismo dos colonos judeus. 


A entrevista a seguir aborda algumas das principais questões desse momento historicamente significativo para a luta de libertação da Palestina. 
Samidoun: Hoje e nos dias anteriores, vimos dezenas de mobilizações em cidades e vilas ao redor do mundo, desde a marcha em Ramallah organizada pela Samidoun Palestine, a milhares nas ruas de Paris e Nova York, até pequenas atividades em cidades locais onde as pessoas se sentem compelidas a sair para resistir a essa mais recente injustiça. Vimos uma grande participação em Gaza, vimos caravanas de carros, pessoas marchando e todo tipo de ação. O que você acha que isso significa?
Khaled Barakat: Os palestinos estão acordando da grande decepção do chamado "processo de paz" e dos acordos de Oslo. Este é, de fato, um caminho de traição liderado por Mahmoud Abbas. Os palestinos perceberam continuamente desde os acordos de Oslo, nos últimos 30 anos, que não há esperança nesse caminho para alcançar seus direitos. Uma nova geração palestina nasceu após a assinatura dos acordos de Oslo e a criação da Autoridade Palestina, dentro e fora da Palestina. 
Hoje, esta geração está levantando sua voz. Ela tem a tarefa histórica de assumir seu papel legítimo na liderança do movimento de libertação palestino, pela força e pela mobilização, fornecendo uma visão alternativa. Todas essas mobilizações não dizem apenas que são contra a colonização e anexação do Vale do Jordão ou o roubo de terras palestinas na Cisjordânia. 
A principal força política que está impulsionando essa resistência é a convicção do povo palestino de que todo o projeto de Israel e sua existência são o problema. Nossas ações para avançar devem prosseguir nesta base: confrontando todo o sistema e trabalhando para desmantelá-lo completamente, para a total libertação da terra e do povo da Palestina. 
Samidoun: Quais são os próximos passos para o movimento?
Khaled Barakat: Nosso povo não tem outra alternativa senão estar unido. Essa unidade deve estar no caminho da libertação e do retorno as nossas terras históricas. A divisão real não é entre o Hamas e o Fathah, mas entre o caminho do governo de "autogoverno" que serve apenas 1% dos capitalistas palestinos - e o caminho das massas palestinas, as classes populares, que querem a libertação da Palestina. 
A OLP foi confiscada das classes populares por 1% dos capitalistas palestinos e suas ferramentas, e deve ser libertada e devolvida ao povo. Ou se apoia  o governo autônomo ou a libertação da Palestina, ou se apoia os  1% de colaboradores do governo  ou  os 99% de nosso povo engajado em uma resistência abrangente.
Hoje, nosso pessoal percebe que ninguém pode enganá-lo com a chamada "solução de dois estados". De fato, adotar e promover a solução de dois estados é um crime contra o povo palestino. 
Neste momento, esse movimento para enfrentar a anexação não é apenas importante como defesa da terra palestina, embora isso seja crítico. É também um movimento para defender os trabalhadores e os agricultores do vale do Jordão. Quando falamos em firmeza, estamos falando de pescadores, trabalhadores e agricultores. Essas são as pessoas que carregam nossa causa em seus ombros. Toda vez que um pescador palestino entra no mar de Gaza para alimentar sua família, ele é um guerreiro - um combatente da liberdade. Às vezes eles não voltam. Israel pode matá-los, prendê-los ou destruir seus barcos. Quando os agricultores palestinos em Gaza hoje plantam nas suas terras, eles podem enfrentar bombardeios com tanques israelenses e armas fabricadas nos EUA. Apoiar o povo palestino é apoiar as classes populares.
Isso, é claro, também significa lutar pela libertação de todos os prisioneiros palestinos. Todos os dias, aqueles que estão lutando de qualquer maneira - organizando suas comunidades, organizando seus campos e construindo a resistência - são alvos de sequestros, torturas, interrogatórios e prisões nos cárceres sionistas. O movimento dos prisioneiros palestinos reflete os líderes de nossa luta. Os refugiados palestinos nos campos do Líbano, Jordânia e Síria e em todos os lugares no exílio e na diáspora enfrentam várias circunstâncias de cerco e repressão, em sua essência com a  negação de seu direito de retornar. Essas são as massas palestinas, o povo palestino, por e com quem esse movimento global luta.
Samidoun : Agora, todos estão dizendo que são contra a anexação, até as forças de direita palestinas responsáveis ​​por assinar os acordos de Oslo. Qual é a sua visão do cenário político atual para os palestinos e como o movimento de libertação palestino pode realmente surgir para apresentar um curso popular de luta?
Khaled Barakat: Nossa tarefa hoje é formar uma frente nacional unificada baseada nos direitos fundamentais do povo palestino, definidos pelo próprio povo. Eles são sistematicamente negados e violados pelos Estados Unidos e Israel. A prioridade do povo palestino hoje é proteger suas terras, proteger seus direitos e acumular suas forças de maneira abrangente. 
Ao mesmo tempo, construir uma frente unida não deve nos impedir ou tornar-se uma condição que nos impede de impulsionar o movimento.
A resistência deve se tornar cada vez mais forte. Os movimentos populares devem se tornar cada vez mais fortes, incluindo movimentos trabalhistas, femininos e estudantis. Movimentos como o Tal'at representam as aspirações do povo palestino. Movimentos como as coalizões e comitês Al-Awda defendem o direito de retorno dos refugiados palestinos em todos os lugares. Organizações e redes como Samidoun estão mobilizando pessoas em todo o mundo para defender os direitos palestinos, os prisioneiros palestinos e a libertação da Palestina. Os jovens palestinos estão assumindo a liderança. Organizações como Within Our Lifetime - United for Palestine, a Hirak Shebabi (Mobilização Juvenil Palestina) em Berlim, a organização de mulheres palestinas Al-Karama na Espanha, Hirak Haifa na Palestina ocupada '48, o movimento estudantil e juvenil e muitos mais estão apresentando um caminho a seguir. 
Essas são as forças que lideraram as mobilizações hoje, não apenas fora da Palestina, mas também dentro da Palestina, juntamente com a resistência palestina em Gaza. Essas são as forças que não dependem do financiamento de ONGs da União Europeia. Portanto, eles se atrevem a enfrentar a Autoridade Palestina, Israel e os Estados Unidos, e adotam uma visão necessária e revolucionária da libertação palestina que se concentra nas lutas das classes populares, lutas das mulheres, libertação nacional e social.
Samidoun: Em termos dessa questão de unidade, houve muita publicidade na mídia palestina sobre esta conferência de imprensa conjunta de Jibril Rajoub, da Fathah e Saleh al-Arouri, do Hamas. Você acha que isso representa uma oportunidade real para a unidade palestina na luta, ou isso é outra coisa?
Khaled Barakat: Não é possível unir dois caminhos opostos - um de um programa de resistência e outro de um programa de concessões, negociações e devastação de Oslo - sob o pretexto de "reconciliação nacional", mesmo em meio ao projeto de anexação. A promoção de tais reuniões e conferências como uma esperança de unidade para os palestinos promove apenas ilusão, especialmente quando ainda não há sinais significativos de que a Autoridade Palestina tenha realmente divergido de algum modo do caminho fracassado de rendição para os EUA e Israel, enquanto reprimia os palestinos. resistência através da coordenação de segurança. 
É também uma tentativa de limpar a imagem de Jibril Rajoub, anteriormente chefe do Serviço de Segurança Preventiva da Autoridade Palestina na Cisjordânia. Onde praticou todos os tipos de repressão, vigilância e detenção de combatentes e organizações de resistência. Não podemos lavar essa história e apresentar a mera aparência de uma conferência de imprensa on-line conjunta. Tal exibição na mídia também procura limitar os termos da unidade palestina aos da Autoridade Palestina: a “solução de dois estados”O povo palestino só confia na unidade de resistência na luta. Qualquer outra coisa deve ser encarada com um alto nível de ceticismo. 
A unidade nacional deve se basear nos princípios do povo palestino e em um programa de luta que corta todos os laços com o caminho e o programa devastadores de Oslo. Não deve ser usado para polir a aparência da mesma autoridade de “autogoverno” na Cisjordânia que continua, na prática, a coordenação de segurança com Israel e a repressão política da resistência palestina.
Samidoun: Muitas pessoas ao redor do mundo estão se mobilizando para a Palestina organizando campanhas de boicote, desinvestimento e sanções, pelo boicote a Israel e por empresas cúmplices que lucram com a opressão do povo palestino. Muitas dessas mesmas forças são responsáveis ​​por crimes contra comunidades oprimidas em todo o mundo, prisões privadas e empresas de segurança e alianças oficiais que também atacam comunidades negras nos EUA e povos indígenas no Canadá. Como você vê as tarefas do movimento de boicote hoje?
Khaled Barakat: A tática do boicote tem uma longa história no movimento palestino. Boicotamos produtos britânicos na década de 1930. Uma das primeiras organizações palestinas e árabes que se mobilizou em 1951 após a Nakba foi a Assembléia para Rejeitar a Reconciliação com Israel. Essa organização foi fundada por George Habash [o líder da esquerda  palestina que mais tarde fundou e liderou o Movimento Nacionalista Árabe e depois a Frente Popular para a Libertação da Palestina.] É claro que também temos as ricas lições do boicote palestino desde o início. Intifada. O boicote é uma ferramenta contínua da resistência palestina, dentro e fora da Palestina. 
A campanha BDS e as iniciativas de boicote são uma parte importante do movimento de solidariedade da Palestina. Quando olhamos para o BDS, vemos de uma perspectiva de libertação nacional. Esta é uma importante ferramenta internacionalista que pode mobilizar a participação direta na luta para apoiar o povo palestino. 
A campanha BDS inclui muitas organizações e iniciativas internacionais que responderam a um chamado palestino ao mundo. É uma parte importante do movimento de solidariedade palestino. É uma ferramenta chave e tática. Ao mesmo tempo, não é uma alternativa ao movimento de libertação palestino.
Também não podemos dizer que questões políticas importantes possam ser adiadas para o futuro. Na realidade, como mencionei anteriormente, a solução de dois estados é um crime contra o povo palestino. É hora de esclarecer a natureza do projeto sionista e a necessidade de libertação total, incluindo o direito inalienável do povo palestino de resistir à ocupação. 
Samidoun: Como você acha que a fúria e o compromisso refletidos neste Day of Rage podem continuar a crescer, avançar e revidar?
Khaled Barakat: O movimento de libertação nacional palestino é um movimento anti-imperialista em sua natureza. A luta palestina faz parte da luta global, aquela que confronta o imperialismo americano, o sistema capitalista. O sistema que está pilhando os recursos das pessoas do mundo, o sistema que escravizou, explorou e continua a oprimir brutalmente comunidades e pessoas negras, o sistema que rouba a terra e comete genocídio contra os povos indígenas. O sistema que aspira os recursos das pessoas do mundo, que destrói vidas e nações por lucro.
A Palestina faz parte do campo da revolução mundial. Nunca mudará sua posição como um movimento anti-imperialista e anti-racista. Quando estamos construindo nosso movimento, estamos construindo esse movimento. Quando esse movimento global é vitorioso em qualquer lugar do mundo, sentimos isso imediatamente na Palestina. Quando há contratempos ou ataques a esse movimento em qualquer lugar do mundo, de um golpe na Bolívia à guerra econômica dos EUA em Cuba, Zimbábue, Venezuela e Irã, também sentimos isso imediatamente. 
Também fazemos parte de uma luta progressista e revolucionária árabe. Os palestinos têm hoje a tarefa de reconstruir a visão revolucionária árabe de libertação nacional. Devemos estar à altura da tarefa com o povo árabe e o povo da região - e o povo do mundo - de permanecer como palestinos na linha de frente, confrontando o sionismo, o imperialismo e os regimes reacionários árabes que colaboram com eles. 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Silêncios hipócritas à beira da tempestade


Por José Goulão

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A União Europeia guarda, sobre a execução extrajudicial de George Floyd e o racismo estrutural nos EUA, a mesma discrição que assumirá quando Israel fizer flutuar a bandeira sionista no Vale do Jordão.
Benjamin Netanyahu, o aparentemente eterno primeiro ministro de Israel, agora geminado com um dos carrascos de Gaza, Benny Gantz de sua graça, vem anunciando que a partir do início do próximo mês dará os passos governamentais, parlamentares e militares que considera necessários para anexar o Vale do Jordão, no território palestino da Cisjordânia. Além disso, tenciona integrar no Estado de Israel os colonatos construídos ilegalmente no mesmo território durante os últimos 60 anos. Estes movimentos representam, de fato, a extinção da chamada «solução de dois Estados» na Palestina histórica, estabelecida em 1948 pelas Nações Unidas e reativada durante os passados anos noventa. Os criminosos não escondem o crime, os avisos estão feitos: ninguém poderá dizer que será apanhado de surpresa.
A chamada «comunidade internacional», a começar pela ONU e respectivo secretário-geral, assiste de camarote aos acontecimentos. A repetição, como um mantra, de que «a solução de dois Estados» continua a ser o caminho para regularizar a situação na Palestina servirá para fazer de conta, ou para manifestar um apego inconsequente aos princípios estabelecidos, ou até para marcar presença num quadro de inutilidade. Mas não tem lastro para travar o buldozzer sionista e o seu guarda-costas yankee empunhando a arma do «acordo do século» – aquilo a que a «comunidade internacional» não atribui qualquer valor legal, mas que na realidade guia as ações dos únicos a se mexer neste processo – a caminho da anexação da Cisjordânia.
O fato consumado dos fatos consumados
Ao se investigar minuciosamente os comportamentos de países e entidades com poder de decisão sobre as coisas do mundo, não se detecta um único indício de que esteja em desenvolvimento uma ação internacional concertada para demover Israel de dar o golpe anunciado.
Um golpe que, sem paninhos quentes nem contorcionismos semânticos, tem o mesmo significado, à luz das leis internacionais, que o improvável ato de a Espanha anexar Portugal, ou Portugal meter a mão na Galiza, ou a França aboletar-se com a Valônia, ou a Alemanha engolir Luxemburgo, ou a Áustria, coisa que já nem seria original, mas sabemos em que circunstâncias aconteceu.
São comparações retiradas dos cadernos do absurdo. Porém, têm absoluta legitimidade. O Estado da Palestina é reconhecido por dois terços dos países da ONU e tem assento na organização. A sua consumação territorial tem sido impossível apenas porque existe um Estado ocupante que se nega a cumprir a legalidade internacional e que não sofre quaisquer consequências por isso, tornando as leis reféns da força bruta e da cumplicidade de interesses abjetos.
Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste são os territórios onde, no quadro da «solução de dois Estados», deverá assentar territorialmente o Estado da Palestina. Jerusalém Leste foi anexada por Israel, com a cobertura dos Estados Unidos da América e sob protestos verbais envergonhados, inúteis e efêmeros dos seus parceiros e aliados da OTAN e da União Europeia. Gaza é um campo de concentração cercado militar e fisicamente, onde dois milhões de pessoas estão condenadas a condições infra-humanas, à espera da morte ou de que Israel e os Estados Unidos, talvez com ajuda da Arábia Saudita e o Egipto, decidam o que fazer com elas – no âmbito, claro, do «acordo do século», esse instrumento sem valor legal.
E a Cisjordânia, além de retalhada por mil e um colonatos, serpenteada por um muro intransponível que separa famílias, propriedades, aldeias e cidades, arrasada pelo terrorismo dos militares ocupantes e dos colonos, poderá ser anexada praticamente na totalidade já a partir de julho.
Consumada a anexação do Vale do Jordão, integrados os colonatos na soberania do Estado sionista, nada restará na Cisjordânia onde possa erguer-se alguma coisa que se pareça com um Estado soberano e viável. Fim da «solução de dois Estados».
Estamos a menos de meia dúzia de semanas de que isso aconteça, ou pelo menos sejam dados passos que tornem o processo irreversível. Bem na linha da política de fatos consumados através da qual Israel tem se consolidado como Estado colonial e os palestinos têm perdido os direitos que lhe estão garantidos nos papéis onde está inscrito o direito internacional, papéis cada vez mais imprestáveis em geral, totalmente imprestáveis neste caso. Será o supremo fato consumado na torrente dos fatos consumados com que Israel humilha a legalidade internacional.
Confirmadas a inutilidade e a indignidade da União Europeia
A Rússia tem afirmado que se opõe a qualquer ação israelense para anexação do Vale do rio Jordão. A China diz a mesma coisa, mais palavra, menos palavra.
Se, durante o processo, for necessário recorrer a vetos no Conselho de Segurança das Nações, as duas nações não hesitarão em utilizá-los. O mesmo acontecerá do lado dos Estados Unidos, anulando-se mutuamente os efeitos de cada veto. Não se espera, portanto, que o Conselho de Segurança adote qualquer medida dissuasora dos objetivos sionistas. Porém, será muito previsivelmente o mais longe que Moscou e Pequim irão na tentativa – nesse caso ineficaz – de fazer prevalecer os direitos dos palestinos.
Há ainda a União Europeia, essa defensora incansável do direito internacional, dos direitos humanos, da soberania dos povos – para quem acredita ainda no discurso hipócrita e cínico dos seus dirigentes.
Em 15 de maio reuniram-se em Bruxelas os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 e o tema da anunciada anexação do Vale do Jordão surgiu em cima da mesa.
Como se sabe, a União Europeia defende oficialmente a «solução de dois Estados» na Palestina. Então, alguns Estados membros, entre os quais a França, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, ousaram propor a imposição de sanções a Israel no caso de concretizar as intenções anunciadas. Nada de muito relevante, tudo muito suave, apenas a exclusão do envolvimento de Israel no quadro científico-técnico denominado Horizonte 2027. Sanções inúteis, simbólicas numa entidade que decidiu flagelar-se a si própria – sobretudo aos seus agricultores – por conta das sanções pesadas impostas à Rússia pela «ocupação» da Crimeia, um território histórica e inegavelmente russo, tal como demonstraram massivamente os seus habitantes em referendo.
Apesar dos pezinhos de lã contra uma atrocidade terrorista como a prometida por Israel, devastadora para o direito internacional, para os direitos nacionais e humanos de milhões de palestinianos, foram vários os países que se opuseram desde logo a essas sanções, ainda que inconsequentes, e confirmaram aquilo que todos sabemos: a inutilidade da União Europeia na cena internacional, neste caso refletindo a sua indignidade por ser incapaz, como quase sempre, de fazer cumprir aquilo que diz defender.
Fica então sentenciada a passividade – a cumplicidade – da União Europeia quando Israel avançar para a anexação.
Dez dias depois dessa reunião, num encontro com embaixadores alemães, deu-se o caso de o chefe da «política externa» da União Europeia, o espanhol Josep Borrell, ter falado no «fim da liderança norte-americana», fazendo soar o tambor das especulações e das conjecturas dos geopolitólogos de plástico. Com aquilo que está se passando nos Estados Unidos, parece aconselhável adptar uma certa distância e dizer coisas que pareçam refletir vida e existência próprias para além da subserviência militar, econômica, financeira e política. Se passarmos do discurso à prática, nada a registar. A União Europeia guarda sobre a execução extrajudicial de George Floyd e sobre o racismo congênito dos Estados Unidos a mesma discrição que assumirá quando Israel fizer flutuar a bandeira sionista no Vale do Jordão. Discursos inflamados ainda poderá haver, atos não vamos ver.
A partir da anexação, como tem acontecido ao longo de décadas, fato consumado atrás de fato consumado, ouviremos os convictos dirigentes europeus, da globalização e da ONU «exigir» que Israel se retire do Vale do Jordão e dos territórios ocupados para que possa ser aplicada «a solução de dois Estados». Um insulto à inteligência, um alinhamento objetivo com a ilegalidade, uma traição repugnante contra o povo palestiniano.
Entre os dirigentes mundiais com peso nas decisões internacionais muitos haverá que estarão dispostos a brandir discursos solidários e de firmes princípios teóricos até ao último dos palestinos. Nada mais do que isso.

Os palestinos não se rendem

Os palestinos, mais de sete milhões na Palestina e no mundo, podem contar apenas com eles próprios. Não é certo, inclusivamente, que venham sentir o apoio do governo «autônomo» instalado em Ramallah, enredado na teia montada pelo sionismo que o tem conduzido frequentemente a desempenhar tarefas de «segurança» – de repressão do seu povo, portanto – em sintonia com forças militares israelenses. O presidente Mahmmud Abbas já deixou agora de atender os telefonemas de Trump, desligou-se dos Acordos de Oslo, mas as medidas pecam por ser tardias. Num quadro em que o apoio de países árabes é duvidoso e em muitos casos inexistente – e será sempre insuficiente perante as forças em presença – os palestinos podem contar somente com as próprias forças. E com o apoio que povos solidários considerem dar-lhes através de lutas cívicas e institucionais. Sabendo que terão de enfrentar até a infame acusação de antissemitismo, que o monstruoso aparelho mundial de propaganda sionista quer obrigar a associar a qualquer manifestação ou expressão de repúdio contra atos terroristas e ilegais praticados pelo Estado de Israel. Antissionismo não é antissemitismo, muito menos a condenação dos desumanos e ilegais atos israelenses pode ser considerada antissemitismo. Mas a ideia está fazendo o seu caminho na União Europeia, sempre pronta a fazer trabalhos sujos recomendados pelo sionismo – ainda que seja para cobrir o terrorismo.
Os palestinos, onde quer que estejam, não ficarão de braços cruzados perante esta manifestação aguda do terrorismo sionista em preparação. Fala-se em «terceira Intifada», quanto mais não seja pelo hábito rotineiro de catalogar acontecimentos. Mas haverá seguramente resposta, que será definida pelos próprios, como aconteceu com o levante das pedras de 1988 e que pôs pela primeira vez em xeque, até aos olhos do mundo, a fama e as «legitimidades» do sionismo todo-poderoso. O movimento nacional de resistência, é certo, não está organizado e unido como então, a fratura entre a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o Hamas, entre a Cisjordânia e Gaza, enfraqueceu a capacidade de reação. Contudo, nessa Intifada de 1988 que explodiu em Gaza as raízes populares foram determinantes e vão ser de novo, unindo até o que por ora continua desunido.
Chegado esse momento ouviremos então dirigentes europeus e mundiais, que por enquanto guardam silêncio sonso, apelar à calma de ambos os lados e condenar o «terrorismo palestino», que só «prejudicará» a procura de «soluções».
Que soluções? As que estão contempladas no direito internacional e que os detentores dos mecanismos legais, ONU incluída, não fazem cumprir?
Nova e tenebrosa tempestade está para explodir na Palestina – com muitos focos através do Oriente Médio. Não acreditem, portanto, nos dirigentes nacionais e internacionais que irão se dizer chocados, surpreendidos e que, neste momento, comprometidos com interesses ilegais e desumanos, são espectadores hipócritas dos ensaios de uma tragédia anunciada.
José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril