sexta-feira, 28 de junho de 2013

Pode ser a gota d’água ...



Enfrentar a direita avançando a luta socialista


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Mauro Iasi*
O mundo se move sob nossos pés, as velhas formas se rompem, surgem novas e as contradições que se acumulavam explodem buscando o caminho necessário, encontrando sua forma de expressão.
A explosão social que abalou o país brotou do terreno escondido das contradições. Lá para onde se costuma exilar as contradições incômodas: a miséria, a dissidência, a alteridade, a feiúra, a violência. Germinaram no terreno do invisível, escondido e escamoteado pela neblina ideológica e o marketing cosmético que epidermicamente encobre a carne pobre da ordem capitalista com grossas camadas de justificativa hipócrita, de cinismo laudatório de uma sociabilidade moribunda.
As autoridades, os especialistas, sociólogos, politicólogos e jornalistas estão perdidos dando razão à dissertativa atribuída à Marx segundo a qual “a história só surpreende quem de história nada entende”. Declamam seu espanto querendo acreditar na extrema novidade, pois só isto explicaria sua brutal ignorância. No terreno da história nada é absolutamente novo.
Se há algo que é muito conhecido para quem não se limita ao presentismo, ou foucaultianamente à aléa singular do acontecimento, é a insurreição, a explosão de massas. Caso tenham preconceitos contra nossa tradição marxista e se recusem a ler as brilhantes análises de Lênin em Os ensinamentos da insurreição de Moscou, ou de Trotski em A arte da insurreição, pode se remeter aos estudos de Freud em A psicologia de massas e análise do ego, ou a magistral análise de Sartre em A critica da razão dialética.
As massas explodem em uma dinâmica que altera profundamente o comportamento dos indivíduos isolados que pacificamente se dirigiam diariamente ao matadouro do capital, em ordem, pacificamente, saindo de suas casas humildes, pegando ônibus superlotados e precários, sendo humilhados pela polícia, vivendo de seus pequenos salários, vendo a orgia ostensiva do consumo e tendo que “subviver” com o que não tem.
Os jovens do Movimento Passe Livre (MPL) estão de parabéns por uma luta que não vem de agora (lembremos Goiânia e Florianópolis) e por conseguir dar consistência a esta luta e ao confronto que os levou a dobrar a prepotência dos que afirmavam de início que a tarifa não seria rebaixada. As manifestações contra o aumento da passagem, no entanto, são apenas o desencadeador de algo muito maior. O movimento funcionou como um catalisador de um profundo descontentamento que estava soterrado pela propagando oficial.
Analisemos, então, as determinações mais profundas que se apresentam nesta explosão social.
Em primeiro lugar as manifestações expressam um descontentamento que germinava e que era alimentado pela ação que queria negá-lo, isto é, pela arrogância de um discurso oficial que insistia em afirmar que tudo ia bem: a economia estava bem, não porque garantia a produção e reprodução da vida, mas por que permitia a reprodução do capital com taxas de lucros aceitáveis, o Brasil escapara do pior da crise internacional a golpes de pesados subsídios às empresas monopolistas, a inflação estava “entorno do centro da meta”, o Brasil recebia eventos esportivos e se transformava em um canteiro de obras, os trabalhadores apassivados e suas entidades amortecidas pelo transformismo e pela democracia de cooptação se rendiam ao consumo via endividamento, a governo se regozijava com índices de aceitação que pareciam sólidos.
Acontece aqui um velho e conhecido fenômeno. A vida real não combina com o discurso ideológico. A inflação entorno da meta explodia na hora das compras, de pagar o aluguel, de pagar as contas, de pegar um ônibus. As delicias do consumo voltavam na forma de dívidas impagáveis. O acesso ao ensino vira o pesadelo da falta de condições de permanência. O emprego desejado se transforma em doença ocupacional. O orgulho de receber eventos esportivos internacionais se apresenta na farra do boi de gastos enquanto a educação, a saúde, a moradia, os transportes ficam às moscas.
O estopim foi o aumento das passagens e aqui se apresenta um elemento altamente esclarecedor. Nas primeiras experiências de governos municipais do PT o enfrentamento da questão do transporte se deu através da municipalização deste serviço. Em São Paulo chegou-se a falar e tarifa zero no governo de Erundina. Em uma segunda geração de governos petistas, todas as empresas municipais foram devolvidas aos empresários que exploravam o setor (e explorar é um termo preciso). Coincidentemente os empresários do transporte se tornaram uma das principais fontes de financiamento das campanhas deste partido.
Entendendo que a explosão é perfeitamente compreensível como forma de manifestação de um profundo descontentamento, sabemos que é mais que isso. Representa, também, o esgotamento de uma forma que tem sido muito eficaz de domínio e controle político. Cultivamos um fetiche pela forma democrática como se ela em si mesmo fosse a solução enfim encontrada pela humanidade para superar um dilema histórico da ordem burguesa que a acompanha desde o nascimento e que não tem solução dentro da sociedade capitalista: o abismo entre sociedade e Estado.
A sociedade se representa através de políticos eleitos que formam as esferas decisórias, legislativas ou executivas, por meio do voto que transfere o poder para um conjunto de pessoas que supostamente expressam as diferentes posições e interesses existentes na sociedade. Abstrai-se, desta forma, o quanto os reais interesses políticos e econômicos em jogo deformam esta suposta límpida representação resultando na consagração do poder das classes dominantes, confirmando a dura descrição e Montesquieu segundo a qual “a República é uma presa; e sua força não passa do poder de alguns cidadãos e da licença de todos”, ou na ainda mais incisiva afirmação de Marx (e depois Lênin): a democracia é o direito dos explorados escolher a cada quatro anos quem os representará e esmagará no governo.
Desta maneira é compreensível o espanto daqueles que acreditavam que estava tudo bem em uma sociedade marcada pelas contradições da forma capitalista e de sua expressão política, ignorando as profundas e conhecidas contradições que tal ordem gera inevitavelmente.
Uma contradição, no entanto, encontra sempre uma forma particular para se expressar. A forma como se expressaram as contradições descritas também é perfeitamente compreensível.
O último período político foi marcado por uma profunda despolitização dos movimentos sociais e dos movimentos reivindicativos da classe trabalhadora. Em dez anos de governo os trabalhadores não foram uma vez sequer chamados a participar ativa e independentemente da correlação de forças políticas em defesa de seus interesses e no terreno que lhe é próprio: as ruas, as praças, a cidade. Optou-se por uma governabilidade sustentada por alianças de cúpula nos limites da ordem política existente e do presidencialismo de coalizão, mantendo seus métodos, isto é, oferta de cargos, liberação de verbas e facilidades. Não é de se estranhar que em dez anos não se tenha implementado uma reforma política.
Em nenhum momento no qual uma demanda das massas trabalhadoras (reforma agrária, previdência, direitos trabalhistas, garantia de serviços públicos, etc.) que se chocava com a resistência dos setores conservadores foi resolvida chamando os trabalhadores a se manifestar e inverter a correlação de forças desfavorável às mudanças. Pelo contrário, via de regra, as soluções conservadoras foram propostas pelo governo que se  pretendia popular e se pedia às massas que se calassem e dessem, como prova de sua infinita paciência, mais um voto de confiança em suas lideranças que deles se alienavam.
Quando os trabalhadores se chocavam com a orientação governista, como na última greve dos professores e dos funcionários públicos federais, são tratados com arrogância e prepotência.
Por isso, não nos espanta que a explosão social se dê da forma como se deu e traga os elementos contraditórios que expressa: despolitizada e sem direção, ainda que com alvos precisamente definidos: os governos e aquilo que representa a ordem estabelecida.
A despolitização se expressa de varias formas, mas duas delas se apresentam com mais evidentes: a violência e antipartidarismo. Comecemos pela violência.
Quanto à forma violenta que tanto espanta os ardorosos defensores da ordem temos que constatar que ela não é homogênea. Há pelo menos três vertentes da violência. Uma delas, difusa e desorganizada, é aquela que expressa a raiva e o ódio contra uma ordem que oprime, não por acaso esta se dirige contra as expressões desta ordem, seja os prédios públicos que abrigam as instituições da ordem política burguesa (sedes de governo, parlamentos, prédios do judiciário, etc.), mas também os monopólios da imprensa, da televisão, assim como os templos do consumo ostensivo. Esta manifestação é compreensível e até, em certa medida, justificada. Marx e Engels, ao analisar a situação alemã de 1850 (Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas) dizem a respeito:
Os operários não só não devem opor-se aos chamados excessos, aos atos de vingança popular contra indivíduos odiados ou contra edifícios públicos que o povo só possa relembrar com ódio, não somente devem admitir tais atos , mas assumir sua direção.
Deixemos aos patéticos novos defensores da “ordem e da tranqüilidade”  a defesa do fetiche do patrimônio público, uma vez que é esta “ordem” é que tem garantido às classes dominantes e seus aliados de plantão a “tranqüilidade” para saquear e depredar o verdadeiro patrimônio público.
Há uma segunda vertente da violência. Jovens das periferias, dos bairros pobres, das áreas para onde se expulsou os restos incômodos desta ordem de acumulação e concentração de riqueza, que são cotidianamente agredidos e violentados, estigmatizados, explorados e aviltados, que agora, aproveitando-se do mar revolto das manifestações expressam seu legítimo ódio contra esta sociedade hipócrita e de sua ordem de cemitérios. Sua forma violenta em saques e depredações assustam, é verdade, mas a consciência cínica de nossa época passou a assumir como normal as chacinas, a violência policial. Pseudointelectuais chegaram a justificar como normal que a policia entre nas favelas e invada casas sem mandato, prenda, torture e mate em nome da “ordem”; ou seja, a violência só é aceitável contra pobres, contra bandidos, contra marginais, mas é inadmissível contra lixeiras, pontos de ônibus, bancos e vitrines.
Há uma terceira violência e esta não é espontânea e emocional como as duas primeiras: a extrema direita. Ela, lá dos esgotos para onde foi jogada pela história recente, se sentia também ofendida e agredida, evidente que não pela ordem burguesa e capitalista que sempre defendeu, mas pelo irrespirável ar democrático que acertava as contas com nosso passado tenebroso, como a denúncia contra o golpe de 1964 e seus sujeitos, com as comissões da verdade, mas sobretudo o mal estar desta extrema direta com um regime político que permite a organização dos trabalhadores e sua expressão, mesmo nos precários limites de uma democracia representativa de cooptação. Assim como os movimentos sociais e de classe se despolitizam, a direita também. Para a extrema direita não interessa que a atual forma política permita aos monopólios seus gigantescos lucros e à burguesia sua pornográfica concentração de riquezas. A burguesia que já se serviu da truculência para garantir as condições de acumulação de capital, hoje se serve da ordem e tranquilidade democrática para os mesmos fins e neste contexto não há função clara para seus antigos cães de guarda.
Estes não suportam nos ver andando com nossas camisetas que lembram nossos mártires, nossas bandeiras que recolhem o sangue de todos que lutaram, nossas firmes convicções que nos mantêm nas lutas diárias ao lado dos trabalhadores em defesa da vida, mas com o olhar certeiro no futuro necessário e urgente que supere a ordem do capital por uma alternativa socialista. Por isso nos atacam, usam das manifestações para acertar suas contas com a esquerda, de forma organizada, intencional e, certamente, com apoio formal ou informal das aparatos de repressão.
A ação da extrema direita encontra respaldo na despolitização das massas, principalmente na expressão gritante do antipartidarismo. No entanto, neste caso temos que ter cautela ao analisar os fatos. O comportamento contra os partidos é compreensível, ainda que não justificado. Compreensível por dois motivos: as massas, graças a triste experiência petista, estão cansadas de partidos que usam as demandas populares para eleger seus vereadores, deputados e presidentes que depois voltam as costas para estas demandas para fazer seus jogos e alianças para manter em seus cargos; também, acertadamente, não podem aceitar que certos partidos pulem na frente de manifestações e movimentos para tentar dirigi-los sem a legitimidade de ter construído organicamente as lutas.
Tal atitude, portanto, compreensível, é injustificável pelo fato que ao mirar os partidos de esquerda erra pelo fato que foram os militantes dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais que mantiveram no pior momento da correlação de força desfavorável as lutas entorno das demandas populares, por moradia, na luta pela terra, contra a reforma da previdência, contra as privatizações, em defesa da educação e da saúde públicas, contra os gastos com os eventos esportivos, contra as remoções. E o fizeram em um contexto em que as massas estavam submetidas a um profundo apassivamento e no qual o transformismo do PT em partido da ordem isolava a esquerda e a estigmatizava. Neste sentido os partidos de esquerda como o PCB, o PSTU, o PSOL e outras organizações de esquerda, assim como os movimentos sociais e sindicatos, não precisam pedir licença a ninguém para participar de lutas e manifestações sociais, conquistaram legitimamente este direito na luta, com sua coerência e compromisso.
Para onde vão as manifestações? Alguns ingenuamente, ou de forma interesseira, acreditam que a mera existência da ação independente de massas configura em si mesma um fator positivo de transformação. Infelizmente, a história também nos traz elementos para questionar esta tese, alguns exemplos da história muito recente. Quando da derrocada do leste europeu advinda do desmonte da URSS, muitos saudaram como a possibilidade de uma revolução política que retomasse o rumo interrompido das experiências socialistas, mas o que vimos foi a restauração capitalista. Agora saúdam a chamada “primavera árabe”, mas o que temos visto, e a Líbia e o Egito são exemplos paradigmáticos, é o aproveitamento dos monopólios na partilha do botim de países estratégicos isolando mais uma vez os setores populares.
O sentido e futuro das manifestações estão em disputa e temo em dizer que a esquerda está perdendo esta disputa para um sentido perigosamente de direita e conservador. Recentemente afirmei que a experiência política do último período, ao contrário do que alguns esperavam, havia produzido um desmonte na consciência de classe e  se expressava em uma virada conservadora no senso comum. Este processo ficou evidente nas manifestação, para além da intenção de seus originais promotores. O produto multifacetado das contradições mescla nas manifestações elementos de bom senso e senso comum, criticas difusas às manifestações mais evidentes da sociabilidade burguesa em que estamos inseridos ao lado de reafirmações de valores próprios desta mesma ordem, o que seria natural se entendermos o processo de despolitização descrito.
Quando os adeptos do espontaneismo alardeiam a virtude de uma manifestação sem direção e que hostiliza partidos se esquecem é que se você não tem uma estratégia, não se preocupe, você faz parte da estratégia de alguém. Além da evidente eficiência dos monopólios da comunicação, o “partido da pena” nos termos de Marx, em pautar o movimento selecionando as bandeiras que interessa à ordem (luta contra a corrupção, nacionalismo, diminuição de impostos, etc.), outros elementos muito perigosos se apresentam.
Um cartaz na manifestação no Rio dizia: se o povo precisar as Forças Armadas estão prontas para ajudar. Significativamente os militantes antipartido não destruíram esta faixa, talvez porque não sabem que existe além do partido da pena o “partido da espada”.  Em nota dos clubes militares da marinha, exército e aeronáutica, os militares depois de afirmar que as manifestações expressam majoritariamente a indignação com o descaso das autoridades com as aspirações da sociedade e que diante da dos vícios e omissões que se repetem chegou a hora de se “manifestar clamorosamente” e não aceitar “ser conduzido, resignadamente, como grupo ingênuo” dando “um basta à impostura e à impunidade”. A nota dos militares termina com uma clara provocação e cita Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
A direita só germina e cresce no vazio deixado pela esquerda. A ilusão de um desenvolvimento capitalista capaz de resolver as demandas populares e garantir lucros aos capitalistas, sustentado por um governo de coalizão com a burguesia desarma os trabalhadores e a direita ocupa o terreno. Há um evidente cheiro de golpe no ar. A embaixadora dos EUA que estava na Nicarágua na época dos contras, na Bolívia quando da tentativa de dividir o pais, no Paraguai quando do golpe contra Lugo, chegou ao Brasil.
Ao prefaciar o livro sobre de Leandro Konder sobre o fascismo republicado em 2009, dizia alertando para a atualidade do risco desta alternativa contra aqueles que achavam que este fenômeno estaria condenado ao passado:
Capital monopolista em crise, imperialismo, ofensiva anticomunista, criminalização dos movimentos sociais, decadência cultural, hegemonia da política pequeno-burguesa em detrimento da política revolucionária do proletariado, irracionalismo, neo-positivismo, misticismo, chauvinismos nacionalistas acompanhados ou não de racismo... Não se enganem. Só posso alertar, como certa feita o fez Marx: “esta fábula trata de ti”.
A explosão de massas deu o recado: olha só meu coração, ele é um pote até aqui de mágoa, qualquer desatenção, faça não... pode ser a gota d’água.
*Mauro Iasi é membro do Comitê Central do PCB, professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ e pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Um funk sobre nosso momento político: Isso é Brasil

Não é só de diversão e saliências que vive o funk feito na nossa terrinha. Dá um play na música “Isso é Brasil”, do Mc Garden e o DJ Vinicius Boladão.

Eles criaram uma música bem corajosa e cheia de opiniões sobre o momento político pelo qual nós estamos passando.
Na letra, eles falam sobre Marco Feliciano, baixaria e corrupção na igreja, os problemas de educação, saúde, violência, transporte público, cultura, etc.
“Se você acha que o funk é um símbolo de falta de educação, respeito e moral, veja que não é bem assim. A revolução está aí para nos mostrar que temos, sim, cultura”, canta a dupla na música.
Veja o clipe:
Vamos combinar? Ficou demaaaaais!

Nota do PCB: Frente anticapitalista para avançar!

Frente antifascista para evitar o retrocesso!
(Declaração Política do PCB)
A opção dos governos petistas pela governabilidade institucional burguesa e pelo “neodesenvolvimentismo” capitalista é a principal responsável pela explosão de indignação de setores heterogêneos da sociedade brasileira.
A opção por alianças com a direita para garantir a governabilidade fez do governo refém dessas forças conservadoras, levando a que, em dez anos, não se produzisse uma medida sequer de natureza socializante. Pelo contrário, o próprio setor petista do governo foi o protagonista das medidas de caráter antipopular e contrárias aos trabalhadores.
Os resultados disso são a retomada das privatizações em grande escala, a reforma da previdência e a imposição da previdência complementar aos funcionários públicos (FUNPRESP), a generalização das parcerias púbico-privadas, a entrega de nossas reservas de petróleo, a opção pelo agronegócio – em detrimento da reforma agrária e da agricultura familiar –, pelo sistema financeiro e grandes monopólios, a desoneração do capital e a precarização do trabalho (criando mais e piores empregos), a política de superávit primário com o sucateamento do serviço público, o endividamento crescente das famílias, a falta de perspectiva para a juventude, o descrédito na política e nos partidos políticos.
Em dez anos de governo, em nenhum momento os trabalhadores foram chamados a intervir de forma independente e autônoma para alterar a correlação de forças em favor de medidas de caráter popular e em defesa de seus direitos, atacados pela ofensiva do capital e pela contrarreforma do Estado, sob comando do petismo, que impôs a cooptação e o apassivamento da maioria dos movimentos sociais.
A pouco mais de um ano do fim do governo Dilma, e após terem perdido o contato com as ruas em troca da permanência nos gabinetes, vemos o esforço tardio e desesperado dos grupos que o apoiam, levantando às pressas as tímidas bandeiras reformistas abandonadas desde a primeira posse de Lula. Este esforço agora se dá numa conjuntura desfavorável para romper a aliança com a direita moderada e superar a política econômica de continuidade neoliberal.
A movimentação de rua, que começou por iniciativa popular, está agora em disputa, pois a direita tenta sequestrar e carnavalizar o movimento, canalizando-o para seus objetivos; essa é uma tática recorrente das classes dominantes, que sequestraram movimentos iniciados pela esquerda e os levam para o pacto de elites, como foram os casos das Diretas Já e do Fora Collor.
Valendo-se da justa indignação da população com o governo, os partidos de sua base de sustentação e demais partidos da ordem, que manipulam as demandas populares e dos trabalhadores para fins eleitorais e depois viram as costas paras estas demandas, a direita mais ideológica e reacionária, que não foi comprada pela máquina governamental petista, traveste-se de apartidária e joga as massas desorganizadas e alienadas pela mídia contra a esquerda socialista, estimulando a desordem para, em seguida, exigir a ordem.
Precisam tirar das ruas a verdadeira esquerda e suas propostas revolucionárias para, assim, se apoderar das manifestações e não ter o contraponto organizado e popular quando de suas investidas desestabilizadoras, que contam com o apoio logístico e o olhar benevolente de seus colegas fardados em horário de serviço.
No momento, a hegemonia do movimento é do campo moralista, antipartidário e “nacionaleiro” da classe média, com palavras de ordem difusas e setoriais. Soma-se a isso a compreensível explosão de setores da população tornados invisíveis pelo até então enganoso discurso ufanista do governo: indivíduos que em sua maioria saem de comunidades proletárias, cansados de apanhar da polícia. Valem-se do tumulto para se apoderar de bens de consumo que cobiçam nos anúncios na televisão, mas que não podem comprar.
As forças fascistas, reduzidas em número, mas com o apoio da grande mídia a seu discurso patrioteiro e antipartidário, aproveitam-se dessa tendência para tentar conduzir o movimento na direção de alguma forma de golpe institucional “de massas” e dentro da ordem legal, deixada intacta pelos governos petistas. Como os golpes com tanques nas ruas estão desatualizados, poderão tentar formas golpistas no parlamento e/ou no judiciário ou acumular para vencer as eleições de 2014.
É no mínimo instigante a facilidade com que participantes das manifestações, nenhum dos quais de organizações de esquerda, atacaram e ocuparam simbolicamente a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, em Brasília, o Palácio Itamaraty e a cúpula do Congresso Nacional. Esses confrontos ocorreram, na maioria dos casos, entre a polícia fardada e a polícia à paisana, incluindo grupos paramilitares e organizações fascistas.
Anuncia-se, a partir de agora, a concentração das bandeiras da direita em torno da luta contra a corrupção e pelo restabelecimento da ordem, quebrada com a desordem provocada por eles próprios. É necessário lembrar que a corrupção é inerente ao capitalismo e que, ironicamente, a bandeira “contra a corrupção” já serviu à direita para a eleição de Fernando Collor e à falsa esquerda nos antigos discursos do PT.
Os setores da massa que hostilizam os partidos de esquerda ainda não percebem a diferença destes em relação aos partidos sem rosto que as conduzem e que deveriam ser o objeto da revolta popular; os que agridem fisicamente os partidos de esquerda são paramilitares, não manifestantes.
A hostilidade contra os partidos de esquerda é  reforçada, ainda, pela profunda despolitização e conservadorismo de um novo senso comum que, mesmo levantando-se contra os efeitos mais evidentes da ordem capitalista em crise, se mostra incapaz de ver as determinações mais profundas dessa crise, relacionadas ao funcionamento do próprio sistema. O senso comum conservador impede que se perceba a atualidade e necessidade de uma luta anticapitalista que aponte para uma alternativa socialista e revolucionária, fazendo com que as pessoas caiam no movimento pelo movimento e sem horizontes definidos, o que tem levado ao impasse manifestações semelhantes à dos indignados na Europa ou oOccupy nos EUA.
O “ovo da serpente” adquire visibilidade. Por trás dessa movimentação, estão também militares de direita insatisfeitos com os rumos da Comissão da Verdade, a Opus Dei preocupada com a vinda do Papa e um conservadorismo religioso que quer se aproveitar da situação para fazer retroceder as conquistas na luta contra as discriminações.
Essa direita é tão conservadora e pró-imperialista que não aceita nem terceirizar o governo a forças reformistas que agem a serviço delas, com competência e com a vantagem de serem agentes apassivadores dos trabalhadores e proletários. Poderá haver, portanto, divergências nas classes dominantes entre aqueles que, com lucidez, estão confortáveis com os governos petistas e os que querem assumir eles próprios o poder.
As forças de direita podem estar se valendo da conjuntura desfavorável criada na América Latina após a morte de Chávez, a vinculação da Colômbia à OTAN e o golpe no Paraguai, assim como da onda de protestos diferenciados que varrem o mundo, para acabar com a terceirização dos reformistas e assumir o poder diretamente, a fim de restringir mais ainda a já restrita democracia burguesa e impor a barbárie de um capitalismo sem mediações e políticas compensatórias, intensificando a exploração capitalista.
Com o agravamento da crise do capitalismo, o imperialismo pode querer se descartar da aliança tácita com os reformistas e acabar com a concorrência até agora consentida. Não é coincidência a nomeação da nova embaixadora norte-americana no Brasil, ligada ao sionismo, à USAID e ao Pentágono e que foi embaixadora na Nicarágua durante a luta contra os sandinistas, na Colômbia no auge da ofensiva de Uribe contra a insurgência e o movimento popular, e na Bolívia durante a tentativa de separatismo e de desestabilização do governo Evo Morales.
Há uma tendência do movimento a partir de agora bifurcar-se entre atos convocados pelo campo popular e pela direita, de preferência em espaços, datas e trajetos diferentes. As frentes com as forças populares e as de esquerda socialista terão que ser forjadas na luta e em articulações a partir dos espaços comuns de luta, dos municípios e dos estados, como condição para possíveis unidades nacionais.
O PCB reafirma sua linha estratégica baseada no caráter socialista da revolução brasileira e sua oposição pela esquerda ao governo petista que nem é mais reformista, mas refém da direita e a serviço do capital.  Diante dos ataques dos setores golpistas mais à direita, cerraremos fileiras ao lado dos trabalhadores contra nosso inimigo comum.
Não daremos apoio a qualquer tentativa de salvar o governo Dilma e reafirmamos que é deste a responsabilidade maior pela existência dos protestos e sua guinada à direita, uma vez que o governo em nenhum momento acena para uma real alteração de sua coalizão com a burguesia. Pelo contrário, vemos ser reforçados os apelos à “ordem” e à “tranquilidade” e anunciada a proposta de “união nacional”, com a convocação de uma reunião com governadores e prefeitos, iniciativas governistas que apenas preservam ostatus quo político em degenerescência.
Travestida de recuo, a outra solução apontada para fazer calar o clamor provocado pelo estopim da revolta – o preço das passagens de ônibus – só faz reeditar o mesmo princípio que move o governo: aumentar subsídios para as empresas, desviando o fundo público para o lucro privado. Tais medidas são vergonhosamente anunciadas em aparições de TV que unem PT e PSDB para que, no monopartidarismo bicéfalo até então dominante no Brasil, ninguém apareça “mal na foto”, pensando nas futuras eleições.
Nossa eventual unidade numa frente antifascista conjuntural se dará com identidade própria, responsabilizando o governo pelos riscos de fascismo, colocando nossas críticas e propostas táticas e estratégicas. Quem tem que ser protegido não é o governo, mas os trabalhadores, diante do risco de retrocesso criado pelo impasse político de uma coalizão de forças que os desarmou contra seus reais inimigos, ao se aliar a eles na ilusão de um desenvolvimento capitalista que deveria fazer o impossível: atender às demandas de todos (burguesia e trabalhadores).
Apesar da atual hegemonia conservadora sobre o movimento, está longe de ser resolvida essa disputa. Mas o fascismo só será derrotado e a orientação do movimento só pode vir a ter uma vocação socialista se vierem para o palco de luta os trabalhadores e o proletariado em geral, de forma organizada, através de sindicatos e movimentos populares combativos e avessos à ordem vigente.
A única forma de abortar o germe fascista é fortalecer uma real alternativa à esquerda e socialista para o Brasil que abandone as ilusões de um desenvolvimento pactuado com a burguesia monopolista e o fetiche de uma ordem democrática abstrata que interessa a ambas as classes em disputa, reafirmando a necessidade de um governo popular.
Para qualquer cenário, de avanço ou retrocesso, a frente de esquerda socialista e anticapitalista deve construir um programa comum, formalizar uma articulação unitária, privilegiando seus esforços de unidade nas ações no movimento de massas, para deixar de ser apenas mera coligação eleitoral. Quando falamos de frente de esquerda socialista e anticapitalista não temos como critério exclusivo o registro eleitoral, mas incluímos as organizações políticas revolucionárias não institucionalizadas e movimentos sociais contra-hegemônicos.
O eixo central para estabelecermos um diálogo com o movimento de massas que expressa caoticamente seu descontentamento não pode ser uma abstrata defesa da “ordem e tranquilidade” e uma continuidade do mesmo com “mais diálogo”, mas a incisiva afirmação de que as demandas por educação, saúde, moradia, transporte, contra os gastos da Copa, as remoções, a violência policial, a privatização desenfreada, o endividamento das famílias, a precarização das condições de trabalho e a perda de direitos dos trabalhadores não são explicadas pela afirmação moralista contra a “corrupção”, mas efeitos esperados da opção pelo desenvolvimento capitalista e o mito de que o crescimento desta ordem poderia levar ao mesmo tempo aos lucros dos monopólios e à satisfação das demandas populares.
É hora de afirmar que a vida não pode ser garantida pelo mercado: saúde, educação, moradia, transporte e outros serviços essenciais não podem ser mercadorias, são direitos e devem ser garantidos pelo fundo público que está sendo utilizado prioritariamente para subsidiar e apoiar os grandes monopólios capitalistas e os grandes bancos.
Esta mudança exige superar os limites desta democracia burguesa que agora se desmascara, não com uma mera reforma política para manter os mesmos que sempre mandaram no poder, mas pelo estabelecimento de um verdadeiro governo popular que se fundamente em formas de democracia direta e dê voz de fato à maioria da sociedade e, principalmente, aos trabalhadores.
O PCB, que não se intimida com ameaças da direita, não sairá das ruas, ao lado das forças de esquerda anticapitalistas e populares e levantará bem alto suas bandeiras:
- O fascismo não passará!
- Não à criminalização dos movimentos populares!
- Desmilitarização da polícia!
- Pela estatização dos transportes públicos, da saúde e da educação, sob controle dos trabalhadores!
- O petróleo é nosso!
- Por uma frente da esquerda anticapitalista!
- Por um governo Popular!
Rio de Janeiro, 23 de junho de 2013
PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comitê Central

Nota do PSTU: É possível conquistar mais!


As mobilizações de rua mudaram a relação de forças no país. Antes, os governos e parlamentos não davam nenhuma atenção às reivindicações dos jovens e trabalhadores. Hoje, estão acuados e amedrontados pelos milhões nas ruas.
Os governos municipais de São Paulo, Rio e dezenas de outras cidades recuaram do aumento das tarifas de transportes. O Congresso votou contra a PEC 37, que retirava poderes de investigação do Ministério Público. A luta contra essa emenda constitucional era uma das reivindicações das ruas, contra a corrupção. Logo depois, os deputados votaram pela destinação de 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% para a saúde. Renan Calheiros anunciou a votação do passe livre para os estudantes.
O que está acontecendo? O movimento está conseguindo vitórias por sua força. Cada um desses fatos não são “concessões”, mas conquistas do movimento. Algumas têm uma boa aparência, mas veneno por dentro, como esse tema dos royalties que, além de não resolver o problema, é parte da lenta privatização da Petrobrás. Mas , em essência, o governo e o Congresso querem ceder em questões mínimas para manter a mesma política econômica neoliberal, a mesma dominação política. E ainda por cima, desviar a mobilização para dentro do Congresso Nacional e da negociação com o governo.
Avançar
O movimento de massas se fortalece com cada uma dessas vitórias. Mas não pode aceitar que pare por aí. É necessário avançar nesse momento de ofensiva das lutas populares.
Em primeiro lugar, é fundamental a entrada em cena do movimento operário e sindical como um todo, para dar um novo salto na mobilização. É esse o sentido do Dia Nacional de Lutas nesse dia 27, convocado pela CSP-Conlutas e o Espaço de Unidade de Ação, com inúmeras outras entidades. E já está apontado um novo marco que é o dia de paralisação nacional marcado pelas centrais sindicais (incluindo a CSP-Conlutas) para o dia 11 de julho. Com a incorporação das centrais governistas, como Força Sindical e a CUT, é fundamental dar a essa paralisação nacional um caráter claro contra o governo, porque as centrais governistas vão tentar evitar isso.
Em segundo lugar, é necessário que o movimento avance com reivindicações que questionem diretamente o modelo econômico vigente. Não pode ser que mobilizações da dimensão que estamos vendo no país consigam apenas conquistas menores. O povo foi às ruas para mudar o país.
Nesse sentido, as reivindicações apresentadas pela CSP-Conlutas na audiência com a presidenta Dilma são uma referência importante. Para haver realmente uma mudança na educação, saúde e transporte, é fundamental parar de pagar a dívida pública aos bancos que hoje consome quase metade de todo o orçamento do governo. Não basta os royalties do petróleo, que só significam 1,2% do PIB para as necessidades da educação (10% do PIB) e da saúde (6% do PIB).
Não é possível continuar com a inflação corroendo nossos salários no dia a dia. É necessário o congelamento dos preços e tarifas públicas e o aumento dos salários.
É preciso reverter a privatização das estatais realizadas pelos governos do PSDB e do PT. Devemos exigir a reestatização da Vale, Embraer, CSN e demais estatais. O fim dos leilões do petróleo, e por uma Petrobrás 100% estatal, além da reestatização dos aeroportos e rodovias.
Não é possível que as grandes empresas do agronegócio dominem o campo brasileiro. É fundamental a reforma agrária ampla, com a desapropriação das grandes propriedades para a produção de alimentos para o povo.
É necessário avançar além da rejeição da PEC 37 feita pelo congresso. É necessária a prisão e expropriação dos bens de todos os corruptos e corruptores, inclusive dos grandes empresários que o fazem.
Além disso, é preciso encarar com toda a desconfiança a proposta de reforma política do governo, seja ou não feita por plebiscito. O objetivo do governo vai ser a restrição das liberdades democráticas e ampliação do peso dos mesmos partidos majoritários que são repudiados pelas massas.
Nós  defendemos outra proposta: Fim do Senado! Redução dos salários dos deputados ao nível dos operários! Revogabilidade dos mandatos! Liberdade total para formação de partidos!

Nota do PSOL: É necessário dar respostas concretas ao clamor das ruas

Por Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 25 de junho de 2013

Coletiva imprensa PSOL - 25-06-13Os parlamentares do PSOL concederam na tarde desta terça-feira (25) coletiva à imprensa, no salão verde da Câmara de Deputados. Os deputados Ivan Valente e Chico Alencar, o senador Randolfe Rodrigues, o vereador de Salvador Hilton Coelho e os ex-deputados federais João Batista Babá e Luciana Genro apresentaram aos jornalistas o posicionamento do partido em relação às manifestações que vêm ocorrendo em todo o país nas últimas semanas e também comentaram o pronunciamento feito pela presidente Dilma Rousseff nesta segunda-feira (24). Na oportunidade também divulgaram uma nota, em que ressaltam o apoio à continuidade da luta nas ruas por direitos. Confira:
É necessário dar respostas concretas ao clamor das ruas
Nosso país vem sendo sacudido por uma impressionante mobilização popular. Os jovens que ocupam as ruas do país expressam descontentamento com os limites da democracia representativa, com a falta de transparência, com os constantes escândalos de corrupção, com os gastos exorbitantes com a Copa do Mundo. A “voz direta das ruas” exige das autoridades respostas concretas e imediatas aos grandes problemas nacionais, especialmente nas áreas de saúde, educação, transporte e segurança.
A mobilização já trouxe pelo menos três resultados que devem ser comemorados. O primeiro foi a redução das tarifas de transporte coletivo nas principais cidades, que os governos afirmavam dias atrás ser impossível. A segunda foi ter colocado na pauta dos governos e da sociedade a necessidade de se repensar a forma de fazer política e os principais problemas sociais do pais. E a terceira vitória foi colocar em movimento milhões de brasileiros que, nas ruas e nas praças, exigem ser ouvidos e exercitam a verdadeira democracia, que deveria ser o governo do povo.
Por tudo isso, o PSOL apoia a continuidade da luta nas ruas por direitos. Apoiamos as manifestações agendadas para o dia 30 de Junho, quando o povo questionará nas ruas o esquema corrupto do Governo com a Fifa por ocasião do jogo final da Copa das Confederações a ser realizado no Maracanã.
Com enorme atraso, a presidenta Dilma se manifestou em rede nacional na última sexta-feira e ontem, em reunião com governadores e prefeitos, anunciou cinco “pactos”, medidas que, a seu juízo, responderiam de maneira afirmativa aos reclamos populares.
O PSOL considera totalmente insuficiente a resposta dada. A voz direta das ruas exigia dos governos a revalidação do pacto com o povo que lhes depositou suas esperanças. Ao contrário deste caminho, o conteúdo do discurso presidencial expressa que a opção foi a manutenção do pacto com os credores da dívida pública e a continuidade de uma política econômica que priva a maioria do povo dos serviços públicos de qualidade. A aliança do governo continua sendo com o agronegócio, que ataca direitos indígenas, e com o modelo de desenvolvimento que agride o meio ambiente em Belo Monte, por exemplo. Não houve nenhum gesto de abandonar a aliança com as grandes empreiteitas e com o capital financeiro, inclusive nas relações político-partidárias.
A presidenta Dilma e a maioria dos governantes estaduais e municipais não conseguiram compreender a exata linguagem do povo nas ruas: a paciência com medidas paliativas, com faz-de-conta-que-acontece, está esgotada!
O PSOL, que faz uma oposição programática e de esquerda ao governo federal e, ao mesmo tempo, combate a oposição conservadora, coerente com sua postura em todas as votações no Parlamento e com o trabalho dos seus militantes no movimento social, apresenta aos milhões de brasileiros insatisfeitos o caminho que Dilma não teve coragem de seguir.
1. Devemos rejeitar a manutenção do pacto com os credores, apresentado sob o eufemismo de pacto de responsabilidade fiscal. Propomos o imediato remanejamento de 181,8 bilhões, previstos para pagamento da dívida pública, para reforço dos orçamentos públicos federal, estadual e municipal de educação, saúde, segurança e para viabilizar a redução do preço das tarifas dos transportes públicos. Estes recursos são calculados sobre gastos de 2012, sendo 88,5 bilhões do superávit primário, 60,3 bilhões de pagamento de dívidas pelos estados e municípios e 33 bilhões de remuneração da conta única do tesouro nacional.
Não é possível servir a dois senhores!
Além disso, como demonstração de responsabilidade com o bom uso dos recursos públicos, queremos que todos os acordos firmados entre o Brasil e a FIFA, assim como todas as licitações e contratos, sejam imediatamente auditados e, caso comprovadas as irregularidades, os responsáveis sejam exemplarmente punidos, doa a quem doer.
2. Consideramos que o povo brasileiro já demonstrou que quer reformulação completa da política brasileira, o que é muito mais do que reforma eleitoral. Uma constituinte exclusiva, face à inércia conservadora do atual Congresso Nacional, merece ser discutida. Mas, com as regras atuais, inclusive com financiamento privado de campanha, seria inócua. O PSOL já apresentou projetos com medidas concretas a serem submetidas ao crivo popular, dentre elas o voto aberto para todas as decisões, revogabilidade dos mandatos de quem não cumprir o que promete, fim de todos os privilégios financeiros e jurídicos dos políticos, acabando com o foro privilegiado para autoridades, e financiamento público, exclusivo e austero das campanhas. O PSOL está engajado na coleta de assinaturas de proposta de iniciativa popular que estabelece uma profunda Reforma Política no país, eliminando a influência do poder econômico e incrementando os mecanismos de controle e participação popular. Para ouvir a voz direta das ruas o Congresso deve rapidamente acolher tal iniciativa.
O Congresso Nacional, para demonstrar sincera disposição de mudar de conduta, deveria viabilizar agora a destituição do senhor Renan Calheiros da presidência do Senado e do deputado Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. E mais, ainda esta semana mandar para a lata do lixo a PEC-37, garantindo também a punição dos mensaleiros.
3. Nosso partido considera muito importante que todo brasileiro tenha efetivamente direito à saúde pública, inclusive com a presença de médicos nos municípios mais distantes. Porém, tal medida emergencial não pode ser apregoada como solução final ao caos da saúde, provocado pela falta de investimentos e pela privatização dos serviços públicos.
Assim, além da destinação de parte dos recursos do superávit primário para esta área, consideramos imprescindível a revogação de todos os processos de privatização de serviços públicos de saúde que ocorreram nos últimos tempos.
4. A revolta começou com a precariedade e preços altos dos transportes públicos. O pacto apresentado pelo governo é mais do mesmo. É positivo o governo ter descoberto que pode aplicar 50 bilhões no financiamento da ampliação e modernização dos serviços, mas isso somente ocorreu devido à pressão dos últimos dias. Porém, faz-se necessário forte intervenção da União para viabilizar aporte de recursos públicos que permitam redução mais significativa das tarifas. Não cabe à União empurrar o problema para os municípios e penalizar o cidadão. Não cabem também mais benefícios para os empresários do transporte sem que antes se abram as planilhas de custo das empresas de transporte, e que todas as concessões sejam submetidas a rigorosa auditoria.
O PSOL considera que alcançamos um outro patamar do debate sobre a questão, pois cada vez mais a mobilidade urbana se torna um direito público comparável à educação e saúde, deixando de ser vista como simples concessão para exploração privada. Este novo quadro torna prioritária a aprovação de iniciativas legislativas que consolidem tal conceito no arcabouço jurídico nacional.
E mais, precisamos retomar os investimentos federais via BNDES para a constituição e fortalecimento de empresas públicas municipais.
5. A educação, uma das demandas mais recorrentes nos cartazes que inundam nossas ruas, aparece de forma torta e insuficiente. A proposta do governo inscrita no PL 5500/2013 é enganosa: 100% dos royalties dos futuros contratos de concessão e apenas 50% dos dividendos da aplicação no Fundo Social dos royalties do pré-sal. Ou seja, não resolve nada de imediato.
Governo e Parlamento têm responsabilidades na solução. Propomos a imediata votação do Plano Nacional de Educação, que patina nesta Casa desde dezembro de 2010. E que seja mantida a proposta de 10% do PIB para a educação pública, sem as manobras governamentais para diminuir o investimento que foram aprovadas na CAE do Senado.
É necessário que se inscreva no Projeto qual será a responsabilidade de cada ente federado e o quantitativo de recursos a serem alocados para cumprir as metas.
A exemplo do PNE, há iniciativas legislativas em todas as áreas críticas, inclusive de combate à corrupção e à impunidade, que necessitam apenas de vontade política no Congresso Nacional para serem aprovados com a celeridade que o clamor popular requer. Nossa bancada tem clamado por estas votações à exaustão.
Nosso Partido e o povo que está nas ruas sabemos que há mais problemas que precisam de imediata solução, inclusive o da Segurança, agravado por Polícias Militares que têm demonstrado total despreparo para enfrentar manifestações democráticas, tratando o povo como criminoso e vândalo. Acreditamos que esta pauta mínima seria um gesto efetivo de que o povo foi ouvido e que a esperança depositada nos governantes e em todas as instâncias públicas ainda pode ser recuperada.
Brasília, 25 de junho de 2013.
Executiva Nacional do PSOL

terça-feira, 25 de junho de 2013

O aviso de incêndio soou: A esquerda diante do “gigante verde-amarelo”


publicado em 24 de junho de 2013 às 12:05

5º grande ato (17.06) pela redução da tarifa em São Paulo, Brasil
por Clara F. Figueiredo, Lucas Amaral de Oliveira, Rafael de Souza e Rafael Schincariol, especial para o Viomundo
Atos contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo
A prefeitura e o governo do Estado de São Paulo anunciaram, no dia 22 de maio de 2013, o aumento da tarifa dos ônibus, trens e metrôs na capital paulista – de R$ 3,00 para R$ 3,20.
Em vista disso, o Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL/SP) organizou diversos atos contra o aumento. Nos três primeiros atos, observou-se, de um lado, confusão e violência devido à forte repressão policial, de outro, uma ação de denúncia e deslegitimação do movimento por parte da grande mídia, que, na época, qualificou os manifestantes como “vândalos” e “baderneiros”.
Entretanto, esse panorama geral das manifestações mudou a partir do 4° ato (13.06), quando São Paulo vivenciou cenas de guerra urbana. A polícia atacou indiscriminadamente manifestantes, jornalistas e transeuntes com bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha.
Os abusos iniciaram-se antes mesmo do começo do ato, quando dezenas de pessoas foram detidas “para averiguação” – prática comum do regime civil-militar –, algumas apenas por portarem vinagre – usado para reduzir efeitos do gás. Desse modo, o foco se voltou para a brutalidade da polícia.
Posteriormente, houve apoio maciço às mobilizações por parte da população, e os atos rapidamente começaram a se proliferar em diversas cidades do Brasil e do exterior em apoio aos protestos.
As inflexões dos protestos: um relato
No dia 17 de junho, já durante a manhã, um misto de ansiedade e desconfiança se alastrava, perturbando nossos sentidos em relação aos protestos. Do 4° para o 5° ato, constatou-se uma mudança radical de postura no discurso da grande mídia. De baderneiros, passamos a cidadãos exercendo o direito de manifestação.
Recebemos uma série de ligações e mensagens. Pessoas próximas, pessoas que não víamos e ouvíamos há tempos, todos preocupados demonstrando seu apoio e pedindo informações sobre os protestos que pararam São Paulo. Nas esquinas, bares, salas de aulas, onde quer que fôssemos, o assunto era o mesmo – e o mais curioso foi perceber a adesão dos que, antes, eram contrários a qualquer tipo de manifestação na capital.
A ansiedade era tamanha neste 5° ato que, já às 16h, estávamos nos arredores do Largo da Batata – local marcado para o ato. Ficamos perambulando, registrando e discutindo pautas e futuras ações. Perto das 18h, o ato começou. Seguimos perplexos com a quantidade de gente – cerca de 250 mil pessoas. “O povo unido é gente pra caralho”, bradava a multidão contente “por ter acordado”.
Algo perigoso estava se delineando. Caminhamos, entoamos palavras de ordem, seguimos a massa que ocupava a Avenida Faria Lima e despertava a atenção de todos os transeuntes e moradores dos exuberantes prédios da região. Mas, por algum motivo insólito, naquele momento pouco explicável, estávamos incomodados. Os rostos pintados de verde-amarelo, o hino nacional entoado desvairadamente, as frenéticas bandeiras do Brasil, o moralismo pacifista, as flores, o look fashion, os cartazes com pautas abstratas e dizeres diversos (até mesmo pedidos por intervenção militar, pasmem!), tudo, absolutamente tudo, causava desconforto.
Naquele exato momento mais de um milhão de pessoas ocupavam as ruas em dezenas de cidades. Em Brasília, inclusive, tomaram parte do Congresso Nacional. A reivindicação não era mais pela redução das tarifas do transporte público. Eram múltiplas pautas e insatisfações – dentre elas, os gastos com a Copa e a corrupção.
Cartaz a favor da intervenção militar, 5° grande ato (17.06) pela redução da tarifa em São Paulo, Brasil
O slogan de uma propaganda da Johnnie Walker no Brasil, “o gigante acordou”, tornou-se metáfora para as contradições que pairavam. O 5° ato adquiriu proporções históricas. Há muito tempo não se via no Brasil tamanha mobilização social. A grande mídia, que historicamente criminaliza manifestações e movimentos sociais, noticiava euforicamente o espetáculo. Mas a máscara desse gigante, derivado de uma farsa publicitária, não tardou a cair.
A partir do 7° ato (20.06), percebia-se nas ruas e redes sociais a apresentação de uma extensa agenda de insatisfações e a tentativa de expurgar aqueles que deram origem às manifestações: movimentos sociais, coletivos organizados e partidos de esquerda. Os mesmos que gritavam “sem violência” foram protagonistas de um ataque violento aos membros de partidos que integravam a manifestação.
Vimos muita truculência por parte dos auto-intitulados “nacionalistas”. Vimos pessoas com bandeira do Brasil e máscaras do Guy Fawkes (“V de Vingança”) agindo como reacionários. Sentimos na pele um clima de tensão, em que “anti-partidários” se exaltavam raivosamente ao exigir que bandeiras de partidos fossem baixadas e queimadas: “o ato é do povo brasileiro, não dos partidos”, gritavam cegos e indignados. Em síntese, presenciamos a maior passeata de caráter integralista de nossas vidas.
Os militantes de esquerda foram violentamente expulsos e cerceados do direito de livre manifestação pública na Avenida Paulista por um grupo razoavelmente grande e heterogêneo. O próprio MPL/SP, confundido com um partido, foi expulso de seu ato. Nós – que não pertencemos a nenhum partido, mas reconhecemos sua importância –, juntos com militantes de diversas siglas historicamente relevantes na redemocratização do país, fomos reprimidos ao tentar defender o direito de livre associação partidária (estavam presentes parte da velha guarda do PT, sindicalistas, integrantes do PSTU, PSOL, PCB, PCR e PCO, e outras frentes da esquerda brasileira). O direito de se organizar em partidos foi conquistado a custo de muita luta. Que sentido haveria em querer proibi-lo?
Ao mesmo tempo, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas se manifestavam em mais de cem cidades brasileiras. Os gritos de “sem partido”, a louvação “à pátria amada idolatrada” (referência ao hino nacional) e a multiplicidade de pautas foram marcas também desses protestos. As manifestações contra o aumento da tarifa em São Paulo, principalmente após a violenta repressão policial no 4° ato, foram o estopim que “acordou o gigante”. A questão é: quem é esse gigante? 
Infográfico dos atos contra o aumento da tarifa em São Paulo                             
 

Recepção das manifestações por parte da dia
Movimento Passe Livre e as mobilizações de rua no Brasil
Após mobilizações contra o aumento da tarifa do transporte em Salvador (2003) e Florianópolis (2004), foi criado, no Fórum Social Mundial de 2005, o Movimento Passe Livre (MPL), com o objetivo de lutar pela gratuidade – tarifa zero – do transporte coletivo urbano.
O MPL é um movimento horizontal, autônomo e apartidário – mas não anti-partidário – situado à esquerda no espectro político. Em São Paulo, o MPL organizou atos contra o aumento da tarifa em 2006, 2010 e 2011. Os protestos costumavam concentrar cerca de 5 mil manifestantes. Por que somente agora eles ganharam tamanha proporção?
Apesar de um histórico de revoltas e mobilizações importantes – como a resistência contra o regime civil-militar –, e o fato de termos um dos maiores movimentos sociais do mundo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), não há, no Brasil, uma cultura política do “cidadão comum” manifestar-se em espaços públicos. O que teria gerado essa efervescência política e ativista?
Nos últimos atos, as pautas mais recorrentes nas ruas – fora a reivindicação pela redução da tarifa do transporte público – foram: contra os gastos exorbitantes em estádios construídos para a Copa do Mundo (2014); contra a corrupção; contra os políticos; e por mais investimentos em saúde e educação.
Tirando pautas específicas, como os gastos para a Copa do Mundo, esse conjunto difuso e heterogêneo de demandas fundamenta-se em problemas há tempos presentes na vida dos brasileiros. Ou seja, isso já deveria ter sido “barulho” suficiente para acordar o “gigante”. Por que nessa conjuntura política específica essas agendas heterodoxas foram articuladas em protestos pelo Brasil afora?
É inegável que as redes sociais auxiliaram na mobilização, mas por si só não explicam a ida do povo às ruas. Vale apontar sua importância na pulverização das pautas heterogêneas e sem relação entre si. Nesse contexto, dois elementos parecem fundamentais para a compreensão do momento atual: o crescimento social e econômico que vive o país e uma espécie de desencantamento generalizado com a política.
Uma breve análise da conjuntura política brasileira
É fato que a economia brasileira vem crescendo nos últimos anos. Embora apresente sinais de desaquecimento, o Brasil passou quase incólume à crise mundial. A sensação de que o país pode se tornar uma potência mudou a percepção dos brasileiros quanto ao futuro. Isso se intensificou também com o fortalecimento e expansão da dita classe média (segundo pesquisa do Datafolha de 2012, 63% da população pertence a essa classe) e o surgimento de uma “nova classe média” nos governos Lula-Dilma: a chamada “classe C”.
A inclusão pelo consumo teve forte impacto nesse contexto. Tudo isso despertou um orgulho nacional diferenciado, com certo rompimento da lógica da subalternidade que o brasileiro sempre carregou. Brasileiros compraram e viajaram como nunca. A mobilidade social e a imagem do Brasil como nação forte e soberana, somadas aos altos impostos, possibilitaram a conclusão de que serviços essenciais, como a saúde, educação e segurança estariam aquém do ideal.
Outro fator central é o descontentamento generalizado com a estrutura política representativa, o que pode ser compreendido a partir do fato de que o PT está no governo presidencial há dez anos. A criação do PT deu-se no âmbito dos movimentos e das manifestações em torno da redemocratização do país em 1980.
O partido foi fundado por dirigentes sindicais, intelectuais e ativistas ligados a movimentos sociais e setores progressistas da sociedade brasileira, sobretudo de organizações católicas ligadas à Teologia da Libertação. Durante os anos 80 e 90, o PT atuou, juntamente com outras siglas, na defesa de temas sociais, políticos e econômicos associados à renovação da esquerda. Nos anos 90, o PT passou a defender a “ética na política”, dentro de um programa menos radical.
Essa mudança de postura permitiu a ampliação de sua base política. Na frente de oposição, o PT foi crescendo e se burocratizou. Passou a ganhar eleições até chegar à presidência. Para governar, o partido não optou por uma ruptura, mas submeteu-se à lógica fisiológica da política nacional, o que culminou com o escândalo de corrupção conhecido como “Mensalão”. O partido não era mais o radical-socialista dos anos 80, tampouco o da “ética na política” dos anos 90, mas o do nacional-desenvolvimentismo.
Apesar de avanços sociais inegáveis – milhões saíram da pobreza –, há uma insatisfação geral com o governo do PT. O partido passou a ser visto como um governo que, apesar de investir massivamente em políticas sociais, está imerso na lógica da política burocrática brasileira – a qual, antes, prometia combater. Isto gerou um descontentamento na esquerda e uma desilusão generalizada.
Nesse contexto de insatisfação, a direita furtou uma das pautas do PT na década de 90, e agora lidera a “luta contra a corrupção”. Sem dúvida, há cinismo, hipocrisia e oportunismo nessa luta, porque ela é direcionada unicamente à corrupção do PT. Não se debate o fato de que os partidos que contêm o maior número de “fichas-sujas” e cassações são os de direita, e muito menos os grandes esquemas de corrupção do governo Fernando Henrique Cardoso.
Assim, o PT, ao não cumprir suas promessas de realizar profundas mudanças na democracia brasileira, terminou por alimentar a insatisfação e a desilusão com os partidos políticos e com a estrutura democrática formal e representativa.
"Acordou, gigante? Agora tira a remela de 1964! Nem hino nem bandeira”. 5° grande ato (17.06) pela redução da tarifa em São Paulo, Brasil
Aviso de incêndio: o nacionalismo e o patriotismo tomam as ruas
Quem diz entender tudo aquilo que está ocorrendo no Brasil ou está muito mal informado ou, como nós, arrisca análises apressadas sobre os protestos. Tudo está um tanto quanto nebuloso, complexo e perigoso, por conta da eclosão de elementos imprevistos. A situação está ainda em aberto. O movimento que hoje está na rua é, majoritariamente, de caráter espontâneo e heterogêneo, despolitizado e repetitivo, composto por uma parcela significativa da juventude de classe média.
Antes mesmo da vitória do MPL, a pauta inicial e motivadora dos atos – a questão do transporte público – foi descaracterizada. Num momento catártico, impulsionado pelo repentino apoio da grande mídia às manifestações, uma enxurrada de pautas e insatisfações generalizadas dominaram os atos. Nessa onda, também entrou em cena a direita, disputando os sentidos das manifestações.
Grupos de extrema-direita mais ou menos organizados tentam, nesse vácuo, pautar e nortear o movimento, fortalecendo o nacionalismo e o anti-partidarismo.
A conjuntura política dos últimos atos aponta para a formação de uma competência política distorcida, na medida em que privilegia os discursos nacionalistas e patriotas como as primeiras opções ou filtros de pautas e demandas.
É possível identificar um nacionalismo muito forte, decorrente talvez de um ardil da grande mídia que apregoa um tipo de “nacionalismo contra a corrupção da classe política”. Mas o fato que interessa aqui é que esse nacionalismo se tornou denominador comum da política nessas últimas semanas, um modo eficaz e mobilizador de decantar e pasteurizar as demandas do movimento.
Qualquer tipo de discussão completa sobre pautas no Brasil, nesse contexto, está sendo subsumida e filtrada pelo patriotismo. O perigo desse patriotismo é justamente o esquecimento da política, no sentido de que os argumentos em torno de valores e pautas concretas ficam completamente submetidos à necessidade de um protesto com a “cara do brasileiro”.
A discussão encerra aí uma recusa contra a argumentação de ideias, pois não se trata mais de discutir a consistência de demandas, questões e políticas de solução de problemas. O nacionalismo e o patriotismo trouxeram uma desqualificação de antemão que recolocou a questão da política não nos enunciados, mas sim nos enunciadores.
Ora, o nacionalismo não é uma resposta imediata às ideias de esquerda. Ele é um movimento contra portadores e enunciadores das ideias de esquerda. É a afirmação mesma da legitimidade de quem pode e quem deve participar da comunidade política e das arenas de disputa – logo, de quem não pode e quem não deve participar. Assim, ele estabelece que somente os “verdadeiros brasileiros”, portadores de determinados traços comportamentais – e sempre prontos a cessarem as disputas políticas em nome de um sentimento maior de pertencimento –, são os locutores legítimos e os verdadeiros manifestantes.
Nesse cenário político-social bizarro, as verdades das demandas se estabelecem pela autenticidade de quem fala. O nacionalismo traz consigo um complexo de emoções, comoção, raiva, choro e alegria, que transformam as manifestações em espetáculo, festa e farsa. A paz e a tranquilidade desse espetáculo não podem ser perturbadas pela adesão de outras cores – sobretudo vermelhas.
Portanto, o nacionalismo é a linha que divide e reparte o direito à fala. O patriotismo, um crivo de quem pode e quem não pode entrar na política.
Na esquina da história: a esquerda diante do “gigante verde-amarelo”
É fato que nossa geração não está acostumada a ver uma direita mobilizada e ocupando as ruas. Estamos todos, no mínimo, espantados diante desse “gigante verde-amarelo” desenfreado. No entanto, a despeito do estranho despertar desse gigante nacionalista, não podemos nos abater, não podemos nos deixar levar pela onda alarmista que está assombrando a esquerda nos últimos dias. É hora de disputar as ruas, o espaço público, de levantar nossas bandeiras, defender nossos direitos historicamente conquistados e, a pleno pulmões, bradar nossas palavras de ordem.
Ainda não é claro o impacto dessa onda de manifestações e violência para as lutas posteriores. No entanto, já é possível vislumbrar que, no mínimo, elas delineiam a retomada de um método histórico de luta: a mobilização e a ocupação das ruas. Isso fica ainda mais evidente quando observamos a recente explosão de manifestações no cenário internacional (Primavera Árabe, Occupy, Indignados, Estudantes no Chile, protestos da Praça Taksim etc). Recuar agora seria abrir alas à direita. Não devemos nos afastar das massas. Os coletivos organizados das periferias e outros setores de esquerda já começaram a se articular.
Como pontuado, existe um descolamento das organizações políticas e sociais com suas bases, fruto de uma espécie de desilusão com o sistema representativo partidário e de uma crescente burocratização de várias organizações da esquerda – sobretudo do partido governista, o PT.
Portanto, é nosso papel, enquanto esquerda, retomar e intensificar um amplo trabalho de base. Estamos diante de um importante momento histórico, em uma “esquina da história”. E o aviso de incêndio soou. O fato de que a massa que está nas ruas apresenta, ora tendências conservadoras, ora reacionárias e até fascistas, não implica uma vitória da direita. Porque a maior parte das demandas presentes nas manifestações são demandas históricas da esquerda. Então, disputar o espaço público, a opinião pública e o sentido e direcionamento das pautas é fundamental.
A direita e a grande mídia já estão preparadas. Chegou a hora de reafirmar os ideais da esquerda, formular uma pauta de reivindicações unificada, intensificar o trabalho de base e, sobretudo, tomar as ruas!
“PM: não esquecemos do Carandiru e da Candelária", 6° grande ato (18.06) pela redução da tarifa em São Paulo, Brasil
Links:
Vídeo do sexto ato (18.6), São Paulo/Brasil: Manifestantes denunciam o ufanismo e as pautas genéricas: 

Vídeo do sétimo ato (20.6), São Paulo/Brasil: Militantes do PT e da esquerda histórica são hostilizados por “anti-partidários” na Av. Paulista:

Os cartazes dos protestos no Brasil: traduzidos pelo New York Times, aqui.


Clara F. Figueiredo, Lucas Amaral de Oliveira, Rafael de Souza e Rafael Schincariol são, respectivamente, doutoranda em Artes Visuais, mestrandos em Sociologia e doutor em Direito, todos pela Universidade de São Paulo. São militantes de coletivos de esquerda.

Postado:http://www.viomundo.com.br/politica/o-aviso-de-incendio-soou-a-esquerda-diante-do-gigante-verde-amarelo.html

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O PRISM e a ascensão de um novo fascismo



(A legenda está oculta para acioná-la clique no icone "legenda oculta" do filme.)

por John Pilger

No seu livro, 
Propaganda, publicado em 1928, Edward Bernays escreveu: "A manipulação consciente e inteligente dos hábitos organizados e das opiniões das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo que não se vê da sociedade constituem um governo invisível, o qual é o verdadeiro poder dominante no nosso país". 

Bernays, o sobrinho americano de Sigmund Freud, inventou a expressão "relações públicas" como um eufemismo para propaganda de estado. Ele advertiu uma ameaça permanente ao governo invisível era os que dizem a verdade e um público esclarecido. 

Em 1971, Daniel Ellsberg trouxe a público os ficheiros do governo estado-unidense conhecidos como "The Pentagon Papers", revelando que a invasão do Vietname fora baseada numa mentira sistemática. Quatro anos depois, Frank Church dirigiu audiências sensacionais no Senado dos EUA: um dos últimos lampejos da democracia americana. Estas puseram a nu a plena extensão do governo invisível: a espionagem e subversão internas e a provocação de guerra pelas agências de inteligência e "segurança", bem como o apoio que recebiam do big business e dos media, tanto conservadores como liberais. 

Ao referir-se à Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), o senador Church afirmou: "Sei que a capacidade que há para instaurar tirania na América e devemos verificar que esta agência e todas as agências que possuem esta tecnologia operem dentro da lei... de modo a que nunca cruzemos esse abismo. Trata-se do abismo do qual não há retorno".

Em 11 de Junho de 2013, a seguir às revelações no Guardian de Edward Snowden, contratado pela NSA, Daniel Ellsberg escreveu que os EUA agora caíram dentro "daquele abismo".

A revelação de Snowden, de que Washington utilizou a Google, Facebook, Apple e outros gigantes da tecnologia do consumidor para espionar quase toda a gente, é uma nova evidência da forma moderna de fascismo – esse é o "abismo". Tendo nutrido fascistas tradicionais por todo o mundo – desde a América Latina à África e à Indonésia – o génio libertou-se e voltou para casa. Entender isto é tão importante quanto entender o abuso criminoso da tecnologia.

Fred Branfman, que revelou a destruição "secreta" do pequeno Laos pela US Air Force nas décadas de 1960 e 70, proporciona uma resposta àqueles que ainda se admiram como um presidente afro-americano, um professor de direito constitucional, pode comandar tamanha ilegalidade. "Sob o sr. Obama", escreveu ele, "nenhum presidente fez mais para criar a infraestrutura para um possível futuro estado policial". Por que? Porque Obama, tal como George W. Bush, entende que o seu papel não é satisfazer aqueles que nele votaram mas sim expandir "a mais poderosa instituição da história do mundo, uma instituição que matou, feriu ou privou de lar bem mais de 20 milhões de seres humanos, principalmente civis, desde 1962".

No novo ciber-poder americano, só as portas giratórias mudaram. O director da Google Ideas, Jared Cohen, era conselheiro de Condaleeza Rice, a antiga secretária de Estado na administração Bush que mentiu quando disse que Saddam Hussein podia atacar os EUA com armas nucleares. Cohen e o presidente executivo da Google, Eric Schmidt – eles encontraram-se nas ruínas do Iraque – escreveram um livro em co-autoria, The New Digital Age,apresentado como visionário pelo antigo director da CIA Michael Hayden e pelos criminosos de guerra Henry Kissinger e Tony Blair. Os autores não mencionam o programa de espionagem Prism , revelado por Edward Snowden, que proporciona à NSA acesso a todos nós que utilizamos o Google.

Controle e domínio são as duas palavras que dão o sentido disto. São exercidos através de planos políticos, económicos e militares, entre os quais a vigilância em massa é uma parte essencial, mas também pela propaganda insinuante na consciência pública. Este era o ponto de Edward Bernay. As suas duas campanhas de RP com mais êxito foram convencer os americanos que deveriam ir à guerra em 1917 e persuadir as mulheres a fumarem em público; os cigarros eram "archotes da liberdade" que acelerariam a libertação da mulher.

É na cultura popular que o "ideal" fraudulento da América como moralmente superior, como "líder do mundo livre", tem sido mais eficaz. Mas, mesmo durante os períodos mais patrioteiros de Hollywood houve filmes excepcionais, como aqueles de Stanley Kubrick no exílio e audaciosos filmes europeus que encontravam distribuidores nos EUA. Nestes dias, não há Kubrick, nem Strangelove e o mercado estado-unidense está quase fechado a filmes estrangeiros.

Quando apresentei meu filme, "A guerra à democracia" ( "The War on Democracy" ), a um grande distribuidor dos EUA de mentalidade liberal, recebi uma lista de mudanças exigidas para "assegurar que o filme fosse aceitável". A sua inesquecível cedência para mim foi: "OK, talvez pudéssemos deixar Sean Penn como narrador. Isso o satisfaria?" Ultimamente, o filme de apologia da tortura "Zero Dark Thirty", de Katherine Bigelow, e "We Steal Secrets", um trabalho de machadinha contra Julian Assange, foram feitos com o apoio generoso da Universal Studios, cuja companhia-mãe até recentemente era a General Electric. A GE fabrica armas, componentes para aviões-caça e tecnologia avançada de vigilância. A companhia também tem interesses lucrativos no Iraque "libertado".

O poder dos que contam verdades, como Bradley Manning, Julian Assange e Edward Snowde, é que eles refutam toda uma mitologia construída cuidadosamente pelo cinema corporativo, pela academia corporativo e pelos media corporativos. A WikiLeaks é especialmente perigosa porque proporciona aos que contam a verdade um meio para a por cá fora. Isto foi conseguido em "Collateral Murder", o vídeo filmado a partir da cabina de um helicóptero Apache dos EUA que alegadamente foi revelado por Bradley Manning. O impacto deste único vídeo marcou Manning e Assange para a vingança do estado. Ali estavam pilotos dos EUA a assassinar jornalistas e mutilar crianças numa rua de Bagdad, a divertirem-se claramente com isso e a descrever a sua atrocidade como "linda". Mas, num sentido vital, eles não escaparam sem punição; somos agora testemunhas e o que resta é para nos tramar. 
20/Junho/2013
O original encontra-se em New Statesman e em www.counterpunch.org/2013/06/21/prism-and-the-rise-of-a-new-fascism/ 

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