segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Julian Assange: Um sequestro judicial

 

"Vamos olhar para nós mesmos, se tivermos coragem, para ver o que está a acontecer-nos". Jean-Paul Sartre

Cartoon de Latuff.


As palavras de Sartre deveriam ecoar nas nossas mentes após a grotesca decisão do Supremo Tribunal Britânico de extraditar Julian Assange para os Estados Unidos, onde enfrentará "uma morte em vida". Este é o seu castigo pelo crime do jornalismo autêntico, preciso, corajoso e vital.

Aborto da justiça é um termo inadequado nestas circunstâncias. Os cortesãos com perucas do ancien regime britânico levaram apenas nove minutos, na sexta-feira, para defender um recurso americano contra a aceitação por um juiz do Tribunal Distrital, em Janeiro, de uma catarata de provas de que o inferno na terra esperava Assange do outro lado do Atlântico:   um inferno no qual, como previam peritos, ele encontraria um meio de tomar a sua própria vida.

Numerosos testemunhos de pessoas distintas – que examinaram e estudaram Julian e diagnosticaram o seu autismo e a sua Síndrome de Asperger e revelaram que ele já havia entrado numa tendência de se matar no presídio de Belmarsh, o próprio inferno da Grã-Bretanha – foram ignorados.

Fotos feitas para a CIA no interior da embaixada equatoriana.

A recente confissão de um informador crucial do FBI e de um fantoche da acusação, um burlão e mentiroso em série, de que havia falsificado as suas provas contra Julian foi ignorada. A revelação de que a empresa de segurança espanhola na embaixada do Equador em Londres, onde Julian havia obtido refúgio político, era uma fachada da CIA que espiava os advogados, médicos e confidentes de Julian (incluindo eu próprio) – também isso foi ignorado.

A recente divulgação jornalística, repetida de modo claro pelo advogado de defesa perante o Supremo Tribunal em Outubro, de que o CIA havia planejado assassinar Julian em Londres – mesmo isso foi ignorado.

Cada um destes "assuntos", como os advogados gostam de dizer, era por si só suficiente para um juiz que defendesse a lei deitar fora o vergonhoso caso montado contra Assange por um corrupto Departamento de Justiça dos EUA e os seus pistoleiros na Grã-Bretanha. O estado de espírito de Julian, berrou James Lewis, QC, o homem americano no [tribunal] Old Bailey no ano passado, não era mais do que “fingimento” ("malingering") – um termo vitoriano arcaico usado para negar a própria existência de doença mental.

Para Lewis, quase todas as testemunhas de defesa, incluindo as que descreveram a partir da sua profunda experiência e conhecimento, o bárbaro sistema prisional americano, deviam ser interrompidas, abusadas, desacreditadas. Sentado atrás dele, passando-lhe notas, estava o seu maestro americano: jovem, de cabelo curto, claramente um homem da Ivy League em ascensão.

Nove minutos de infâmia

Nos seus nove minutos de rejeição do destino do jornalista Assange, dois dos mais antigos juízes da Grã-Bretanha, incluindo o Lord Chief Justice Ian Burnett (um amigo de longa data de Sir Alan Duncan, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Boris Johnson que organizou o brutal rapto policial de Assange da embaixada do Equador) referiram-se, no seu julgamento sumário, não a uma longa descrição de verdades que haviam lutado para serem ouvidas num tribunal inferior presidido por uma juíza estranhamente hostil, Vanessa Baraitser.

O seu comportamento insultuoso para com um Assange claramente atingido, a lutar em meio de um nevoeiro de medicamentos dispensados na prisão para recordar o seu próprio nome, é inesquecível.

O verdadeiramente chocante na sexta-feira foi que os juízes do Supremo Tribunal – Lord Burnett e Lord Justice Timothy Holroyde, que leram as suas palavras – não mostraram hesitação em enviar Julian para a morte, vivo ou não. Não apresentaram qualquer atenuação, nenhuma sugestão de que se haviam angustiado por causa de legalidades ou mesmo da moralidade básica.

A sua decisão a favor, se não em nome dos Estados Unidos, está baseada diretamente em "garantias" transparentemente fraudulentas rabiscadas em conjunto pela administração Biden quando em Janeiro parecia que a justiça poderia prevalecer.

Estas "garantias" são de que, uma vez sob custódia americana, Assange não será sujeito ao SAMS orwelliano – Special Administrative Measures – o que o tornaria uma não pessoa; que não será aprisionada no ADX Florence, uma prisão no Colorado há muito condenada por juristas e grupos de direitos humanos como ilegal: "um buraco de punição e desaparecimento"; que ele pode ser transferido para uma prisão australiana para aí terminar a sua sentença.

O absurdo reside no que os juízes deixaram de dizer. Ao apresentar as suas "garantias", os EUA reservam-se o direito de não garantir nada caso Assange faça algo que desagrade aos seus carcereiros. Por outras palavras, como a assinalou a Amnisty, reserva-se o direito de quebrar qualquer promessa.

Há exemplos abundantes dos EUA a fazerem exactamente isso. Como o jornalista de investigação Richard Medhurst revelou no mês passado, David Mendoza Herrarte foi extraditado da Espanha para os EUA com base na "promessa" de que cumpriria a sua sentença em Espanha. Os tribunais espanhóis consideraram isto como uma condição vinculativa.

"Documentos classificados revelam as garantias diplomáticas dadas pela Embaixada dos EUA em Madrid e como os EUA violaram as condições da extradição", escreveu Medhurst. "Mendoza passou seis anos nos Estados Unidos a tentar regressar a Espanha. Documentos do tribunal mostram que os Estados Unidos negaram múltiplas vezes o seu pedido de transferência".

Os juízes do Supremo Tribunal, que tinham conhecimento do caso Mendoza e da habitual duplicidade de Washington, descrevem as "garantias" – de não ser bestial para Julian Assange – como um "compromisso solene oferecido por um governo a outro".

A via imperial

Este artigo estender-se-ia até ao infinito se eu enumerasse as vezes em que os Estados Unidos violaram "compromissos solenes" a governos, tais como tratados que são sumariamente rasgados e guerras civis que são alimentadas. É a forma como Washington governou o mundo, e antes dele a Grã-Bretanha: o caminho do poder imperial, como a história nos ensina.

Foi esta mentira e duplicidade institucional que Julian Assange trouxe à luz do dia e, ao fazê-lo, desempenhou talvez o maior serviço público de qualquer jornalista nos tempos modernos.

O próprio Julian é prisioneiro de governos mentirosos há mais de uma década. Durante estes longos anos, sentei-me em muitos tribunais enquanto os Estados Unidos procuravam manipular a lei para silenciar a ele e à WikiLeaks.

Isto alcançou um momento bizarro quando, na pequena embaixada equatoriana, ele e eu fomos obrigados a achatar-nos contra uma parede, cada um com um bloco de notas no qual conversamos, tendo o cuidado de proteger o que havíamos escrito um ao outro das omnipresentes câmaras de espionagem – instaladas, como sabemos agora, por um representante da CIA, a organização criminosa mais duradoura do mundo.

Vamos olhar para nós mesmos

Isto leva-me à citação no topo deste artigo:   "Vamos olhar para nós próprios, se tivermos coragem, para ver o que está a acontecer-nos".

Jean-Paul Sartre escreveu isto no seu prefácio a Os condenados da terra, de Franz Fannon, o estudo clássico de como povos colonizados, seduzidos, coagidos e, sim, covardes fazem o jogo dos poderosos.

Quem entre nós está preparado para se erguer ao invés de permanecer como mero expectador de uma farsa épica, como o sequestro judicial de Julian Assange? O que está em causa é tanto a vida de um homem corajoso como, se permanecermos em silêncio, a conquista dos nossos intelectos e o sentido do certo e do errado:   na verdade, da nossa própria humanidade.

11/Dezembro/2021

Ver também:
  • The fight to free Julian Assange is not over. We must step it up (O combate para libertar Julian Assange não está acabado. Devemos intensificá-lo.)
  • [*] @johnpilger. O seu filme Breaking the Silence, sobre a "guerra ao terror", pode ser assistido aqui.

    O original encontra-se em consortiumnews.com/2021/12/11/john-pilger-a-judicial-kidnapping/

    Este artigo encontra-se em resistir.info

    O falso « golpe de Estado militar » no Sudão

     Os Estados Unidos, que perderam a guerra na Síria, foram forçados a deixar o país sob protecção russa. Agora, eles prosseguem a sua guerra contra as instituições estatais no Corno de África. Estimularam as rivalidades entre as tribos sudanesas e tentam fazer passar a expulsão dos ministros civis pelos militares como um « golpe de Estado militar ». Na realidade estes não derrubaram o Primeiro-Ministro, antes tentaram preservar a unidade do que resta do país após a secessão do Sudão do Sul.

    Por Thierry Meyssan

    O embaixador Jeffrey Feltman, enviado especial do Presidente Joe Biden, em 24 de Outubro de 2021, em Cartum com o Primeiro-Ministro Abdullah Hamdok, algumas horas antes da demissão do Governo Civil.

    Lembremos que durante os anos 2000 um conflito mortífero opunha o Sul e o Norte do Sudão. As aparências eram enganadoras já que empresas militares privadas dos Estados Unidos, nomeadamente a DynCorp International, se enfrentavam lá disfarçadas de autóctones. Por fim, os auto-proclamados « Amigos do Sudão » (Estados Unidos, Noruega, Reino Unido) impuseram o acordo Naivasha, o qual desembocou em 2011 na secessão do Sudão do Sul, hoje sob o protectorado de facto (fato-br) dos Estados Unidos e de Israel.

    Esta guerra, alimentada por rivalidades locais, mas desejada por Israel e financiada pelos Estados Unidos, levou à criação de um estado-tampão permitindo manter em cheque os vizinhos de Israel. Nos anos de 50 a 70, Israel pretendia criar, ou anexar, Estados no Sul do Líbano (a sul do rio Litani), no Oeste da Síria (planalto de Golã) e no Egipto (Monte Sinai), em nome do seu « direito à segurança » (sic). Ao contrário, com a generalização dos mísseis de médio alcance, Israel seguiu a mesma estratégia, mas procurando criar Estados fantoches capazes de bloquear os seus vizinhos imediatos. Daí a criação do Sudão do Sul, em 2011, e a tentativa de criação de um Curdistão no Iraque, em 2017.

    Voltou a falar-se do que resta do Sudão, aquando do derrube do ramo rebelde dos Irmãos Muçulmanos dirigido por Omar al-Bashir, em Abril de 2019. Ficou rapidamente claro que o Poder havia passado para as mãos do miliciano “Janjaweed”, Mohamed Hamdan Dagalo, dito « Hemidti ». Este tornou-se um mercenário da Arábia Saudita contra os Hutis, no Iêmen. Como fora acusado de crimes de guerra durante o conflito do Darfur (Sudoeste do atual Sudão), Hemedti escondeu-se atrás do Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Abdel Fattah al-Burhan, de quem se tornou «adjunto» [1].

    Em Junho de 2019, a Alemanha, retomando a denominação do grupo que criou o Sudão do Sul, organizou um outro grupo informal homônimo, os «Amigos do Sudão», depois uma videoconferência desde Berlim. Durante esta, as novas regras do jogo (a «Transição democrática») foram sacadas da cartola sem que se soubesse bem quem as havia redigido. Elas foram adoptadas em 17 de Julho pelos Partidos sudaneses, seguidas por um projecto de Constituição, em 4 de Agosto. Note-se bem que estes documentos não foram assinados pelo General al-Burhan, mas pelo seu «adjunto» em pessoa, o miliciano Hemedti.

    O Poder foi partilhado entre civis e militares. Foi formado um governo em torno de Abdallah Hamdok, um alto funcionário sudanês da ONU.

    Em Fevereiro de 2020, o Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reuniu-se com o General al-Burhan em Entebe (Uganda). Rapidamente os dois países normalizaram suas relações. Os Estados Unidos, por sua vez, orquestraram o reconhecimento pelo Governo de Transição do papel atribuído ao regime de Omar al-Beshir nos atentados que a Alcaida teria cometido em 1998 contra as embaixadas dos EUA no Quénia e na Tanzânia. Logo, uma chuva de dólares caiu sobre o Sudão.

    Em Março de 2021, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, depois de ter decidido retirar os seus 15. 000 capacetes azuis do Darfur, convidou o Governo de Transição a enviar para lá 12. 000 soldados e criou uma «Missão de Assistência à Transição» (Minuats) composta por 300 civis. Para surpresa geral, o Secretário-Geral da ONU, Antônio Guterres, nomeou o Alemão Volker Perthes para a chefia da Minuats. Antigo diretor do principal “think-tank” do governo alemão, o SWP, Perthes foi o redator do plano de rendição da República Árabe Síria por conta de Jeffrey Feltman, então número 2 da ONU [2]. Nele planejou a abolição da soberania popular síria, a dissolução de todos os órgãos constitucionais, o «julgamento» e a execução dos 120 principais dirigentes, e ainda previa a divisão do país.

    Foi então que o Presidente Joe Biden lançou o seu trunfo designando Jeffrey Feltman como seu representante especial no Chifre de África, Sudão incluído. Era agora evidente que as regras da « Transição democrática » haviam sido, discretamente, fixadas por Volker Perthes em colaboração com os seus amigos dos EUA antes da conferência de Berlim.

    O Embaixador Jeffrey Feltman é uma figura de primeiro plano do Estado Profundo («Deep State»-ndT) dos EUA. Ele jogou, nomeadamente, um papel no processo de paz Israel-Palestina e participou na criação do Curdistão iraquiano por conta da empresa privada chamada «Autoridade Provisória da Coalizão) no Iraque» [3]. Depois, tornou-se Embaixador em Beirute, onde organizou a Revolução colorida de 2005 (« Revolução do Cedro ») e as falsas acusações contra os Presidentes libanês e sírio, Émile Lahoud e Bashar al-Assad. Foi também assistente da Secretária de Estado Hillary Clinton para o Médio-Oriente. Acabou por tornar-se Diretor de Assuntos Políticos das Nações Unidas; posto onde desviou os recursos das Nações Unidas para uso na guerra contra a Síria, incluindo o apoio aos jiadistas. Durante o mandato de Donald Trump fez-se de desaparecido colocando-se ao serviço do Catar.

    Em Maio de 2021, a França organizou em Paris uma continuação da videoconferência de Berlim. Aí, evocaram-se as questões financeiras e pensou-se conceder US $ 2 mil milhões (bilhões-br) de dólares ao Sudão, dos quais US $ 1,5 mil milhões para lhe permitir reembolsar os seus atrasados ao FMI [4].

    A população sudanesa pena na miséria e, em certas regiões, de fome. Apenas algumas tribos se identificam com o governo civil. Eles esperam ter uma vida melhor com o governo civil, enquanto outras consideram este governo como um inimigo tribal. Estas últimas, portanto, apelaram aos militares para defender os seus interesses. Desde há vários meses que se iniciou um princípio de guerra civil. Foi pois com fundamento que os militares, apoiados pela Arábia Saudita, ameaçaram forçar o governo civil à demissão.

    « Preocupado em restabelecer a paz civil », o Presidente Joe Biden enviou Jeffrey Feltman a Cartum no início deste mês. Depois, uma segunda vez, em 23 de Outubro, para se encontrar com as duas partes. A cada uma, ele explicou que o apoio financeiro do Ocidente só se manteria se os Sudaneses permanecessem unidos. O General al-Burhan comprometeu-se a tudo fazer para preservar a unidade do país. O embaixador Feltman ficou duas noites em Cartum.

    Logo que o avião de Jeffrey Feltman levantou, na madrugada de 25 de Outubro, o General al-Burhan e o seu «adjunto» Hemidti exigiram a demissão do governo, mas não do Primeiro-Ministro, Abdallah Hamdok. Tal como tinham indicado ao emissário dos EUA, eles pretendiam forçá-lo a formar uma nova equipe mais respeitadora dos equilíbrios tribais. Mas o Primeiro-Ministro recusou. Assim, menos de uma hora depois da partida do avião de Jeffrey Feltman, ele foi colocado sob residência vigiada.

    Os Estados Unidos, o Banco Mundial e o FMI gritaram imediatamente : «golpe militar». E suspenderam a sua ajuda financeira. O país, já à beira da asfixia, mergulhou instantaneamente nela. A União Africana condenou o « golpe ». Mas o Egipto, embora conclamando as duas partes sudanesas ao diálogo, parecia feliz pelo desfecho. Já que o General al-Burhan seria um camarada de escola militar do Presidente al-Sissi.

    A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos pouco se pronunciaram e nada disseram sobre a continuação da sua preciosa ajuda financeira. A Turquia também se cala : Ancara arrendou, por 99 anos, a ilha de Suakin ao Sudão para aí instalar uma base militar e controlar o Mar Vermelho, contra a Arábia Saudita.

    Washington apresentou ao Conselho de Segurança um projeto de Resolução condenando o « golpe de Estado militar » e instaurando sanções. Mas a Rússia pediu alguns dias para verificar as informações. Moscou, que se lembra das mentiras que levaram à guerra contra a Líbia, tem a impressão que se espalham informações tendenciosas para fazer tomar alhos por bugalhos. O discurso mediático sobre os malvados militares que esmagam simpáticos democratas não lhe pareceu muito credível. Entretanto, subiu o tom entre os representantes dos diferentes países do Conselho. Alguns salientaram então que os acontecimentos não eram, estritamente falando, um «golpe de Estado militar», já que metade do país se havia alinhado atrás do Exército e este não tinha demitido o Primeiro-Ministro.

    Em Agosto, os Estados Unidos retomaram a estratégia Rumsfeld/Cebrowski que levaram a cabo, a partir do 11 de Setembro de 2001, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e no Iémene, provocando pelo menos um milhão de mortos [5]. Eles não procuram favorecer um lado sudanês contra o outro. Apenas levá-los ao confronto até que eles próprios destruam as estruturas do Estado e não possam mais resistir às potências estrangeiras.

    Durante uma década, os “Amigos da Síria”, Volker Perthes e Jeffrey Feltman mantiveram-nos em expectativa no Levante onde, no fim, perderam. Os Estados Unidos foram forçados a deixar a região para a Rússia. Agora, os «Amigos do Sudão», Volker Perthes e Jeffrey Feltman tentam destruir o Corno de África começando pela Etiópia e pelo Sudão.

    Tradução Alva
    Postado por: https://www.voltairenet.org/article214502.html

    [1O Sudão passou para o controle saudita”, “A Força de reacção rápida no Poder no Sudão”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 23 & 30 de Abril de 2019.

    [2A Alemanha e a ONU contra a Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria) , Rede Voltaire, 28 de Janeiro de 2016.

    [3«¿Quién gobierna Irak?», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 31 de mayo de 2005.

    [4« Conférence internationale d’appui à la transition soudanaise », Réseau Voltaire, 17 mai 2021.

    [5Os partidários da «Guerra sem fim» saúdam a adesão de Joe Biden”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 30 de Agosto de 2021.

    quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

    Austrália: Parceira Fiel do Imperialismo e Sionismo

     


    A Austrália se tornou um dos peões mais devotados dos EUA e do sionismo, liderando políticas de pressão contra a China, bem como movimentos de resistência que lutam contra o sionismo na Ásia Ocidental.

    O governo australiano, presidido por Scott Morrison, elevou seu país ao posto de "parceiro incondicional" das administrações dos Estados Unidos, tanto com o ex-presidente Donald Trump quanto com Joe Biden hoje. Esta, por vincular estreitamente a sua política externa às estratégias de dominação dos Estados Unidos no Pacífico, bem como se juntar ao grupo de países que prestam homenagem, apoio político e diplomático, acompanhado de cumplicidade face aos crimes cometidos por ambos. o regime sionista e a casa Al Saud na Ásia Ocidental.

    AUKUS

    Uma Austrália que decidiu, por imposição do governo dos Estados Unidos, liderado pelo democrata Joe Biden, romper um acordo militar multimilionário com a França, que significava a compra de 12 submarinos convencionais da classe Attack, por uma cifra próxima a 65 bilhões de dólares. Todos os envolvidos são membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e, no caso do Governo de Canberra, este é um importante membro aliado não pertencente à OTAN (Major Non NATO Ally em inglês com sua sigla MNNA), como são Egito, Israel, Japão, Coreia do Sul (primeiros membros deste MNNA) e que hoje inclui um total de 19 países incluindo países árabes como Marrocos, Jordânia, Bahrein e potências nucleares como o Paquistão.

    A decisão do Governo australiano gerou um protesto irado do Governo de Emanuel Macron, que, através do Ministro da Europa e dos Negócios Estrangeiros Jean Yves Le Drian, declarou que a decisão australiana “constitui um comportamento inaceitável entre aliados e parceiros; suas consequências afetam o próprio conceito que temos de nossas alianças ... é uma verdadeira punhalada pelas costas. "Os detalhes do acordo frustrado vieram à tona e revelaram que Canberra havia decidido formar uma aliança militar estratégica, para o Indo-Pacífico região junto aos Estados Unidos e Reino Unido em 15 de setembro de 2021 conhecida como AUKUS (contração dos nomes dos países envolvidos em inglês) que, de acordo com os signatários,

    A preocupação com o acordo AUKUS não é que a França perca um negócio multimilionário, Paris já terá outros mercados onde pode impulsionar sua indústria militar, o problema é que o acordo entre Austrália, Estados Unidos e Grã-Bretanha implica a transferência de tecnologia nuclear por parte de Washington e Londres ao governo australiano, que será feita na forma de submarinos com propulsão nuclear com o claro objetivo de atacar a China. A Austrália quer submarinos de ataque nuclear, que de acordo com informações da própria Marinha dos EUA “são projetados para procurar e destruir submarinos e navios de superfície inimigos; projetar energia terrestre com mísseis de cruzeiro Tomahawk e Forças de Operações Especiais (SOF); realizar missões de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR); apoiar as operações do grupo de batalha; e participar da guerra de minas "(1).

    A Austrália mencionou que os submarinos escolhidos serão do tipo Virginia, uma máquina mortífera equipada com torpedos e mísseis Tomahawk Cruise (com carga nuclear) com alcance superior a 1.600 quilômetros, além dos mísseis antinavio Harpoon. São navios de 115 metros de comprimento e 8 mil toneladas, que se movem a uma velocidade de 45 KPH e podem permanecer submersos indefinidamente - justamente por considerarem um submarino nuclear - e limitados por questões de fornecimento de suprimentos para uma tripulação de 130 membros. Dada a complexidade de colocar em operação um submarino com essas características, diz-se que somente em 2040 a Austrália poderia ter essa frota de submarinos nucleares.

    A República Popular da China, por sua vez, expressou seu repúdio ao acordo AUKUS, que a tem como seu objetivo principal e deu a conhecer suas apreensões em relação à transferência nuclear para um país como a Austrália, que faz parte de uma aliança global que tem Pequim como inimiga. "AUKUS deliberadamente agrava as tensões regionais, estimula a corrida armamentista, ameaça a paz e a estabilidade regionais e mina os esforços de não proliferação nuclear internacional, é extremamente irresponsável", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, que reafirmou a rejeição de seu país ao acordo, que representa “um enorme risco de proliferação nuclear, claramente viola o objeto e propósito do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e impacta seriamente o regime internacional de não proliferação nuclear. É extremamente irresponsável da parte dos três países chegar a um acordo sobre o intercâmbio de informações sobre a propulsão nuclear naval e fazer avançar a cooperação em submarinos nucleares sem levar em conta as regras internacionais e a oposição das partes.(2)

    As apreensões e reclamações da China geraram a reação da chamada Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica, que no dia 24 de novembro incluiu um novo ponto de discussão neste organismo internacional dependente da ONU, a fim de abordar as questões que Pequim denomina "as sérias preocupações da comunidade internacional". Wang Qun, enviado chinês às Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais em Viena, relatou que, por sugestão de seu país, a AIEA decidiu" por consenso e com pouca antecipação de um novo ponto na agenda sobre a transferência de materiais nucleares no contexto de AUKUS e suas salvaguardas em todos os aspectos no âmbito do chamado Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares ” (3).

    Austrália Pró-Sionista

    Na última década, a Austrália foi caracterizada por uma política hostil à Palestina, ao Líbano e em geral aos movimentos de resistência ao sionismo. Em dezembro de 2018, o governo australiano, já presidido pelo atual primeiro-ministro Scott Morrisondio, deu um passo contrário ao direito internacional e à sua própria história em relação à ocupação e colonização da Palestina e claramente hostil ao seu povo ao reconhecer Al Quds (Jerusalém ) como capital da entidade israelense.

    Uma Austrália, que no início de novembro deste 2021 através de um relatório do chefe da agência nacional de espionagem daquele país, Mike Burgess anunciou que o governo deste país oceânico deveria declarar o Movimento de Resistência Palestina HAMAS como um grupo terrorista em todos sua amplitude, sem fazer diferença entre o que eles chamam de ala militar e política. organização ". Uma ideia que declara guerra à resistência palestina e fica ao lado do opressor, do ocupante do regime que extermina a população palestina (4).

    As declarações de Burgess apóiam os desejos e políticas do regime israelense em relação à resistência palestina, na medida em que até seu país está implicado no assassinato de um líder do HAMAS em Dubai, o mártir Mahmud al Mabhuh, pelas mãos de agentes sionistas do Mossad que usou quatro passaportes australianos cujos titulares estão sendo procurados pela Interpol. Da mesma forma, procuram cerca de trinta nomes que participaram da referida ação terrorista com passaportes da Irlanda, Grã-Bretanha e França. O comportamento atual do governo australiano em relação a esse ano de 2010 é evidente. Em maio de 2010, o governo australiano, Presidido por Kevin Rudd, expulsou um diplomata israelense depois de encontrar evidências de que os passaportes de seu país foram falsificados e usados ​​para assassinar o líder palestino Mahmud al Mabhuh em Dubai em janeiro do mesmo ano. Crime que o então Ministro das Relações Exteriores do país oceânico, Stephen Smith, confirmou que “não há dúvida de que Israel está por trás da falsificação dos passaportes usados ​​pelos assassinos, numa conduta que não é típica de um governo que se diz amigo que nos obriga a expulsar um membro da embaixada de Israel em Canberra ”.

    Onze anos depois, o governo australiano se definiu como pró-sionista. Um país localizado a milhares de quilômetros da Ásia Ocidental que não só avança no ataque à resistência palestina por pressão dos Estados Unidos, o lobby sionista naquele país e o seu próprio decidiu se expandir como comportamentos terroristas, a todas as atividades políticas e militares do Movimento de Resistência Islâmica do Líbano, sem separar o político do militar. Uma decisão que implica incluir os aspectos políticos do Hezbollah como terroristas, juntando-se à declaração de 2003, quando em conjunto com países da União Europeia e os Estados Unidos, apenas localizaram neste campo o ramo militar deste movimento de resistência baseado no País levantino. A decisão foi anunciada pela secretária do Interior australiana, Karen Andrews, que argumentou que a milícia xiita representa uma "ameaça real e confiável" para a Austrália. Andrews também justificou a decisão de seu governo com a desculpa de que o Hezbollah continua a oferecer apoio a pelo menos dois outros grupos designados por Canberra como terroristas: a Jihad Islâmica Palestina e as Brigadas Ezzedin Al-Qassam, o braço militar do Movimento de Resistência Islâmica Palestina. ( HAMAS).

    Se  efetivo dito apoio, bem vindo seja!  Está plenamente justificado na  luta contra a ocupação e colonização ilegal, conforme estabelecido por dezenas de resoluções da ONU, organismos  defensores dos Direitos Humanos, que o regime sionista  executa contra o povo palestino desde el año 1948 – quando se cria artificialmente o ente israelí – É um imperativo moral apoiar o povo palestino e o que fazem a Australia, Gran Bretaña, Estados Unidos e todos aqueles que se somam a normalizar os crimes do regime sionista? O que fazem é converterem-se em cúmplices e avalistas do extermínio executado por Israel contra milhões de seres humanos.  Eles são cúmplices na criação de dois campos de concentração na Palestina, chamados Faixa de Gaza e Cisjordânia. São cúmplices na extratégia de consolidar o roubo da Palestina histórica. Desta forma, a Austrália, também, tem as mãos manchadas de sangue  dos homens, mulheres e crianças assassinados pela entidade que apoia.

    Como é possível que um movimento dedicado à defesa de sua pátria, justamente das agressões dos parceiros australianos e principalmente do regime israelense, possa ser considerado uma ameaça ao país oceânico? A implausibilidade e encenação da referida decisão e explicação são evidentes. 

    O Movimento de Resistência Islâmica Libanesa (Hezbollah) apontou que a decisão do governo australiano de declarar o movimento de resistência uma "organização terrorista" em sua totalidade é devido à apresentação de os governos australianos às ordens de Washington e este, por sua vez, a partir da pressão do lobby sionista naquele país, para intensificar a pressão contra esses movimentos e organizações de resistência.

    A Ásia Ocidental, o Magrebe e mesmo a América Latina estão ameaçados pelos interesses hegemônicos de Washington e seus aliados europeus, mas também por um vírus tão perigoso como o Covid 19, o vírus Sion 48. Um vírus sionista, que tem características bem definidas: criminoso, genocida, que costuma estender sua influência doentia a várias regiões do planeta e contra a qual a única vacina possível é a sua eliminação completa, além de variantes perigosas como o vírus Al SaudÉ por isso que o líder do Movimento de Resistência Islâmica Libanesa, Seyed Hasan Nasrallah, alerta constantemente sobre a ameaça representada pela entidade israelense contra o Líbano e contra os povos irmãos do Levante Mediterrâneo e prometeu que sua organização continuará a batalha,

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    Segundo Artigo StepConoSur

    Permitiu sua reprodução citando a fonte

    1. https://cnnespanol.cnn.com/2021/09/17/que-son-submarinos-propulsion-nuclear-como-funionales-australia-trax/
    2. http://spanish.peopledaily.com.cn/n3/2021/1123/c31621-9922808.html
    3. http://spanish.peopledaily.com.cn/n3/2021/1126/c31618-9924424.html
    4. https://espanol.news/el-comite-conjunto-escucha-que-australia-deberia-clasificar-a-hamas-en-su-totalidad-como-organizacion-terrorista/
    https://www.hispantv.com/noticias/opinion/513354/hamas-australia-eeuu-terrorista

    segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

    CENTENAS DE CRIANÇAS PALESTINAS NOS CÁRCERES SIONISTAS


    Cerca de 300 crianças palestinas se encontram nas prisões israelenses. 

    Desde 2015, já foram presas cerca de 4.000 crianças. 

    Desde 1948, ano da ocupação sionista das terras palestinas , as crianças são vítimas do terror , da carnificina e , muitas e muitas vezes, são mortas pelo exército de ocupação isralense.  

    Por que isso acontece na colonização sionista sobre a Palestina, o mundo não reage. Por que?

    As crianças representam 46% dos 4,5 milhões de palestinos que ainda resistem nas suas terras históricas.

    https://youtu.be/VyGYc7alRDY

    "Las detenciones administrativas israelíes son un abuso de los Derechos Humanos"

     #DetencionesAdministrativas #RegimenIsraeli #PalestinaLibre

    https://youtu.be/E3LHxiqj2EY



    Por que não devemos esquecer a Palestina e seu povo à medida que o feed de notícias morre

    É de vital importância lembrar que os palestinos estão sujeitos a esse tipo de opressão violenta por mais de 100 anos. A diferença agora é a ótica - sua opressão se tornou mais difícil de esconder dos olhos do mundo. (Algo que pode ser atribuído à resistência inabalável dos palestinos, tanto no terreno quanto na diáspora, que continuam trabalhando incansavelmente, arriscando vidas, perspectivas de carreira e membros, para nos confrontar com a verdade crua e nos educar sobre sua situação .)

    Os horrores que estamos testemunhando hoje não são só uma aberração do projeto sionista, mas sim a continuação natural da colonização da PalestinaA verdade é que Israel foi fundado através do terrorismo (ver Jabotinsky / o irgun e a gangue stern) e sobrevive apenas através da aplicação sistemática de violência esmagadora contra os palestinos - as atrocidades na semana passada ( 6 meses atrás) são apenas uma expressão descarada desta violência, que por desígnio deve ocorrer para se sustentar como um “estado” supremacista. 

    Ataques recentes em Gaza visaram famílias inteiras e edifícios residenciais.

    O que estamos testemunhando no momento é conhecido como a Doutrina Dahiya, uma política militar que classifica cada pessoa em Gaza como um alvo militar legítimo (um milhão de crianças inclusive) e busca visar deliberadamente a infraestrutura civil, como um meio de induzir o máximo sofrimento para a população civil, estabelecendo assim a dissuasão. Explosões como a que estamos testemunhando atualmente são intercaladas por períodos gerais conhecidos em termos militares israelenses como “cortar a grama”Essas operações ocorrem a cada poucos anos para devastar e desmoralizar Gaza (ver Operate Cast Lead em 2009, Operação Pilar de Defesa em 2012, Operação Protective Edge em 2014. Ver também a Guerra do Líbano em 2006). 

    A criação de Israel, e vou pegar emprestado das palavras de seus arquitetos, exigiu a expulsão violenta de, no mínimo, 80% da população nativa. Claro, o projeto colonial sionista se esforçou para o apagamento completo da Palestina - da terra, do mapa e das mentes do mundo - mas para a contínua frustração existencial de Israel, os palestinos se recusaram a desaparecer. Expor a aplicação de violência gratuita por Israel é uma parte importante do combate à cobertura impetuosa da mídia e à cumplicidade ativa em esconder essas atrocidades. No entanto, é fundamental lembrar duas coisas. 

    Em primeiro lugar, a sua solidariedade não tem sentido se depender da vitimização palestina. Sua própria existência depende da capacidade de resistir ao projeto sionista por todos os meios necessários. A alternativa é que os palestinos desapareçam. O método pelo qual eles escolhem resistir é uma decisão tática e a resistência armada é justificada tanto moralmente quanto sob o direito internacional. 

    A solidariedade é alcançada apoiando o povo palestino em sua luta para se livrar dos vestígios do colonialismo e cabe a eles decidir como eles deveriam empreender isso da maneira mais eficaz.

    Também vale a pena reiterar que nenhum povo na terra se envolveu em resistência não violenta por mais tempo do que os palestinos. À primeira vista, você observará a desobediência civil contra os otomanos, violentamente reprimida; a greve em massa de 1936-39 e a Grande Revolta contra os britânicos, violentamente reprimida; ambas Intifadas, reprimidas violentamente; décadas de manifestações contra o Muro do Apartheid, reprimido com violência; Grande Marcha de Retorno, centenas de manifestantes desarmados executados como peixes em um barril e dez mil outros saíram com ferimentos que alteraram suas vidas; o movimento de boicotar e sancionar Israel, punido como discurso de ódio, rotulado como terrorismo econômico e rapidamente se tornando proibido por lei.

    Escritórios da Associated Press e da Al Jazeera destruídos, entre outros, em um prédio de uso misto.

    Em segundo lugar, seja cauteloso com aqueles que falam sobre paz sem falar sobre justiça. Ou, sobre a paz meramente como a ausência da violência esmagadora que estamos testemunhando atualmente. Cada gesto da colonização da Palestina foi opressora e violenta: 73 anos depois de sua limpeza étnica, os palestinos em Israel vivem em condições de apartheid e discriminação institucionalizada; Os palestinos na “Cisjordânia” vivem sob ocupação militar e testemunham suas terras desaparecendo diante de seus olhos devido à proliferação de assentamentos israelenses ilegais; Os palestinos em Gaza vivem sob um cerco militar genocida, tornando-a o lugar mais inabitável do planeta; e os palestinos no Líbano e na Jordânia permanecem em campos de refugiados, que foram inicialmente habitados por seus bisavós, e ainda não têm o direito de retorno. 

    Aqueles que se desculpam ou defendem Israel querem que você acredite que as condições identificadas acima são pacíficas. A paz para eles é a capitulação palestina. O que eles querem dizer com paz é a paz de espírito de que, quando forem tomar banho de sol na praia de Tel Aviv, não serão perturbados por sirenes de foguete. Que seus planos de férias no Mediterrâneo não sejam interrompidos por crianças em Gaza explodindo em pedaços. Eles prefeririam que Gaza sufocasse silenciosamente e que o roubo da Palestina por Israel fosse feito peça por peça. Claro, é mais difícil se disfarçar de progressista quando seu “direito de nascimento” está baseado no apagamento de outro.

    https://palestinemonitor.org/index.php/2021/05/31/opinion-piece-why-we-must-not-forget-palestine-and-her-people-as-the-newsfeed-dies-down/

    Esta peça foi escrita pelo ativista de justiça social, humanitário e estudante de direito baseado em Sydney, Louis Debord, no dia 9 dos ataques mais recentes a Gaza. Ele dedicou muito de seu tempo como voluntário na Austrália para apoiar as comunidades indígenas locais e a comunidade palestina, além de viajar para a Grécia para trabalhar na defesa e apoio aos refugiados que chegam da Síria. Além disso, ele passou um tempo trabalhando por causas de direitos humanos na Palestina, mais recentemente no campo de refugiados de Aida em Belém e outras organizações de base locais. 

    segunda-feira, 30 de agosto de 2021

    “A História também pode se repetir como tragédia” UMA ENTREVISTA COM AILTON KRENAK

     Ailton Krenak, um dos principais intelectuais indígenas no país, conversou com a Jacobin sobre catástrofe climática, crise do capitalismo, surgimento do marxismo e a possibilidade de imaginarmos outros mundos por meio da tradição de resiliência de todos os povos minoritários no mundo.

    Krenak apresenta a publicação durante a Semana de Ciências Sociais na USP|Gustavo Rubio-ISA.

    ENTREVISTADO POR
    Hugo Albuquerque & Jean Tible  - 26/03/20

    Em dias catastróficos como estes, enquanto o Brasil e o mundo ardem com a febre do coronavírus, mas também com toda realidade socioeconômica inclemente, que não permite à humanidade e o mundo descansar e se curar, publicamos a entrevista inédita concedida por Ailton Krenak para Jean Tible e Hugo Albuquerque.

    Em 1987, durante a Assembleia Constituinte, um gesto chamou a atenção do mundo e entrou para a História: Ailton Krenak foi à tribuna discursar e enquanto falava, ele pintava seu rosto com a tinta negra de jenipapo, que expressa o luto para o seu povo, para denunciar o descaso dos deputados constituintes com os indígenas, os quais foram perseguidos, dizimados e tiveram suas terras tomadas e privatizadas pelo empreendimento colonial branco, desaguando em um Estado genocida e explorador.

    Ailton, com aquele gesto poderoso, decisivo para a aprovação do sistema de proteção ao índio, questionava a opressão de séculos contra os indígenas e, sobretudo, de seu povo, os Krenak, que quase foi totalmente dizimado no século XX, após sofrerem séculos com uma repressão particularmente cruel, mesmo para os padrões coloniais luso-brasileiros.

    Os Krenak — “cabeça da terra” ou “cabeça na terra”, em virtude de seus ritos e de sua relação com a terra e, também, de um importante líder –, como o próprio Ailton sublinha, já testemunharam a história com muitos outros nomes, mas ele corresponde a um número de famílias e grupos denominados anteriormente como “aimorés” — pela forma como os tupi os chamavam — ou, mais comumente, pela denominação hostilizante e pejorativa dada pelos brancos durante o período colonial e início da história brasileira independente: “botocudos”.

    Importante lembrar a lição de Eduardo Viveiros de Castro sobre a distinção entre as “as palavras ‘índio’ e ‘indígena’, que muitos talvez pensem ser sinônimos, ou que ‘índio’ seja só uma forma abreviada de ‘indígena’. Mas não é. (…) oram chamados de ‘índios’ por conta do famoso equívoco dos invasores que, ao aportarem na América, pensavam ter chegado na Índia. ‘Indígena’, por outro lado, é uma palavra muito antiga, sem nada de ‘indiana’ nela; significa ‘gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive’. Há povos indígenas no Brasil, na África, na Ásia, na Oceania, e até mesmo na Europa. O antônimo de ‘indígena’ é ‘alienígena’, ao passo que o antônimo de índio, no Brasil, é ‘branco’, ou melhor, as muitas palavras das mais de 250 línguas índias faladas dentro do território brasileiro que se costumam traduzir em português por ‘branco’, mas que se refere a todas aquelas pessoas e instituições que não são índias”.

    O índio como invenção do aparato colonial é sucedido pela retratação de outros povos de maneiras ofensivas, para legitimar processos genocidas: quem hoje chamamos de povo Krenak eram chamados de temíveis “botocudos” serviu para motivar campanhas de extermínios ao longo do tempo: quando “Dom João VI chega ao Brasil em 1808, ele foi convencido pelos colonos a fazer a guerra de extermínio contra os ‘botocudos’”.

    Habitantes da região do médio Rio Doce em Minas Gerais, rio assassinado pelo rompimento da barragem de Mariana em 2015, os Krenak foram jogados em um reformatório para serem militarizados e servirem como projeto piloto da infame guarda indígena durante a Ditadura Militar.

    Hoje, Ailton Krenak sublinha que a volta dos militares ao poder demonstra que a “História pode se repetir como tragédia” e que, antevendo o que resultaria na crise atual, “a minha observação da História é que ela é cheia de surpresas. Quando algumas nações parecem estar surfando no bem-estar, vem uma tragédia e muda tudo. E lembra que “ao mesmo tempo que nós, os indígenas, somos a parte da humanidade pronta a desaparecer, nós também somos a parte da humanidade que criou anticorpos para entender como habitar outros mundos. Quem sabe, quem sempre esteve com o dedo no gatilho para fazer gente desaparecer não acabe desaparecendo antes da gente?”. Confira a entrevista completa.

    Como está a luta dos Krenak hoje? 

    AK - Eu me lembro que na década de 1970, usávamos um termo para identificar situações como aquela que havia entre os indígenas e o Estado brasileiro: questão. Assim como havia a questão palestina e a questão árabe também havia a questão indígena. Com a chegada da década de 1990 e junto com o “fim da História” também veio o fim da questão, inclusive da questão indígena. Para nós, no entanto, nunca houve o fim dessa questão. Os Krenak e a luta hoje são a persistência da questão indígena. 

    O pequeno agrupamento de pessoas que chegou ao século XXI com o nome de “povo Krenak”, já passou por inúmeras transfigurações, no sentido que dizia Darcy Ribeiro: essa gente que ele chamava de Povos-Testemunhos, por estar aqui muito antes dos europeus. Então nesse tempo antes do europeu, essa gente olhou e testemunhou a História nos últimos séculos sob vários outros nomes.

    O nome que eles carregaram até o século XIX era o de “botocudos”, um apelido pejorativo. Quando Dom João VI chega ao Brasil em 1808, ele foi convencido pelos colonos a fazer a guerra de extermínio contra os “botocudos”, que, na verdade, não era um único povo, mas sim vários grupos de famílias linguísticas parecidas. Botoque é tampa de vaso, de barril. E eles ficaram com essa denominação hostilizante, a qual serviu para justificar uma agressão particularmente mais dura, ao longo do século XIX,  por parte do Estado brasileiro. 

    Quando ocorre a virada do século XIX para o XX, o impacto das viagens de naturalistas europeus como Georg Heinrich von Langsdorff, que tiveram contato com os “botocudos”, começa a ressoar junto a vanguarda europeia e narrar algo mais próximo da realidade histórica: “encontramos um povo [os Krenak] segregado, hostilizado, cercado em acampamentos por colonos totalmente enlouquecidos, que querem tomar suas terras, enquanto roubam e vendem suas crianças Krenak no mercado, invadem e queimam suas aldeias matando-os”.

    Os naturalistas mostram um povo em fuga no contexto de uma invasão constante. Isso caracterizou a questão indígena no século XX. Essa questão atravessou a vida dessas famílias até que elas passaram a ser reconhecidas como “povo Krenak”. Mas isso não fez cessar a violência sobre essas famílias, uma agressão cujo objetivo sempre foi a extinção mesmo. 

    Na década de 1950, quando eu nasci, havia sessenta e poucos indivíduos que se identificavam como parte dessas famílias. Eram quatro matriarcas e suas crias, pois, os homens tinham sido todos exterminados. Apenas quatro mulheres com seus filhos e noras enfrentando um mundo que queria acabar com elas.

    São essas pessoas que vão enfrentar a experiência da ditadura militar nos anos 1960-1970, quando foi criado, inclusive, um “reformatório” para essas famílias: o reformatório Krenak.

    Foi um processo programado para extinção de um punhado de gente, só porque eles eram portadores de uma memória perigosa. Como o sistema, esse demônio, consegue farejar as memórias que ele quer excluir? 

    Do mesmo modo que o índio é inventado por esse sistema, os botocudos também são inventados. E aí chegamos a 1964. E como foi de lá até hoje?

    AK - Sim, exatamente. Primeiramente, precisamos atravessar um túnel que inclui o que o Brasil viveu de 1964 até 1985, a ditadura militar. Aquele período pesado, os anos chumbo, foi um período cinzento para nós. Ao mesmo tempo que era um momento de muita repressão, também foi uma época na qual emergiu de forma mais sólida a questão indígena, que deixou de ser um assunto local e passou a ser uma temática mundial. 

    Organismos como a Survival International, a Anistia Internacional e várias outras agências de direitos humanos começaram a reconhecer que o Brasil estava praticando genocídio contra os povos indígenas. 

    Nessa lista, estavam, dentre os povos ameaçados de extinção, as famílias Krenak. Naquele período, a terra indígena no médio Rio Doce na qual as famílias Krenak estavam, na verdade, confinadas pelo Estado, foi assaltada por fazendeiros e grileiros. Esses posseiros ilegais agiam em conluio com os órgãos estatais durante a ditadura e, a rigor, tomaram a terra dos índios. 

    Havia uma empresa de colonização em Minas Gerais chamada Rural Minas, uma companhia do governo do Estado de Minas anterior ao próprio Incra [Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária, criado em 1970] que servia às questões fundiárias. Essa empresa, a partir de 1967, deu títulos de propriedade aos invasores, desfazendo, na prática, o ato que criou a terra indígena dos Krenak, e as famílias que tentaram permanecer lá eram arrancadas — e muitas dessas pessoas se tornaram prisioneiras no reformatório Krenak.

    Por sinal, o reformatório Krenak, para além de ser esse depósito de famílias desalojadas do médio Rio Doce, tinha uma proposta de militarização, recrutando os jovens indígenas para se tornarem soldados. Eles criaram uma coisa chamada “guarda rural indígena”. O piloto dessa guarda rural eram os Krenak. Esse caso mineiro serviu de embrião para o que foi feito na Amazônia.

    Esses indígenas eram submetidos a treinamento militar, eram torturados, esmagados em sua identidade, ganhavam uma farda, ficavam sob a disciplina militar e eram induzidos a operar como vigias de seus próprios parentes. Eles reprimiam seus parentes a ter um comportamento adequado frente a Comissão de Assuntos Indígenas do governo. 

    Até essa época havia o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado pelo marechal Rondon no início do século XX. Enquanto o marechal estava vivo, ele imprimia ordens claras sobre o órgão, mas quando ele ficou mais velho, o SPI se degenerou. Ele se tornou já ali um órgão de delegados federais que escravizavam e exploravam os indígenas.

    As comunidades indígenas que viviam fora do controle restrito do SPI tinham alguma autonomia. Eram, é verdade, perseguidas, mas como estavam na floresta havia sempre uma rota de fuga.

    Então os povos indígenas estiveram nos últimos séculos enfrentando uma questão. Que é o sentido que essa palavra carrega. Que é uma espécie de enigma. Questão é uma espécie de paradigma que não consegue se desvelar, uma espécie de tranca: a incapacidade de superar uma crise nas relações onde quem tem o poder de decidir o jogo é o Estado, que é uma entidade sobrenatural, que tem o direito de deixar viver ou matar. O Estado pode matar que não é crime. O Estado é a única entidade que pode fazer a guerra.

    O Estado detém o monopólio do mal.

    AK - O Estado serve para vigiar e punir como disse Michel Foucault.

    A questão indígena foi eclipsada e a lua é algo muito caro à sua cultura, com o chamado “fim da História”. Como enxergar o paradoxo de vocês terem arrancado do Estado esse arbítrio absoluto sobre os indígenas na Constituição de 1988 justo nesse momento?

    AK - Eu vejo isso assustado como um truque desses fenômenos da história. E pensar, por exemplo, que a ideia de que esses povos originários não teriam história, que esses povos são fora da história. Toda a literatura e talvez até os Tristes Trópicos de Claude Lévi-Strauss, que ele publicou em 1955, dizia que os índios não têm história. 

    Lévi-Strauss deu um cutucão nos outros antropólogos ao dizer que: “é claro que eles têm história, mas outra história”. Surge uma chave entre o entendimento da História e as memórias que esses povos carregam, que são o guia de sua continuidade e de sua potência de reprodução cultural.  

    A captura daquele momento que a questão indígena se comunica com o sentido mais amplo de uma história que estava no fim, mas ao mesmo tempo misturava tudo. O anúncio da globalização colocou todo mundo num liquidificador gigante: não faz mais diferença se você está na Turquia, na África ou na América do Sul. A banalização do mal sobre a vida de povos de variados lugares ganha o mesmo nivelamento, mas também um ponto em comum. 

    É por isso que começam a se constituir espaços de discussão, fóruns e tribunais internacionais, como o Tribunal Internacional Bertrand Russel, que reconheceu que o Brasil cometeu genocídio contra seus indígenas, graças a denúncia do nosso primeiro deputado indígena Mário Juruna em 1980. A situação se escancarou para o mundo inteiro. Revelando outras ocultações, a pior delas é de que “não haveria mais indígena no Brasil”.

    O Eduardo Viveiros de Castro gosta de exemplificar esse período com aquele episódio do embaixador brasileiro, que estava em Paris, quando Lévi-Strauss estava preparando sua primeira viagem ao Brasil. Eis que o embaixador pergunta o que ele viria fazer no Brasil e ele responde: “eu vou conhecer os indígenas, entender melhor a situação dele”. O diplomata responde: “ah que pena, você vai ter de fazer outra coisa, pois acabaram os índios no Brasil”. 

    Lévi-Strauss veio mesmo assim e deu no que deu: a chave abriu a tranca e mostrou que não apenas os indígenas não tinham acabado no Brasil como, também, demonstrou que o Brasil não tinha conseguido acabar com os indígenas.

    A constatação de que o Estado brasileiro tentou acabar com os indígenas, mas não conseguiu, gerou uma enorme discussão: o que restou dos indígenas no Brasil se misturou com a realidade de outros povos minoritários no mundo, dando abertura para iniciativas como a Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas do Mundo de 2007.

    A gente saiu do trato jurídico com o Estado brasileiro para um trato jurídico internacional. A questão que estava na rota do desaparecimento manifestou-se de uma maneira tão surpreende que interveio a história mundial. E os indígenas que eram um povo sem História,, voltou à cena, de uma forma tão determinada, como se tivesse reconhecendo seu destino de ser testemunha da sua própria história, mas também testemunha da história do branco.

    Hoje, eu acredito que no mundo inteiro, os povos indígenas da Nova Zelândia, Austrália, África, Brasil e Canadá são as testemunhas mais duras que os Estados nacionais colonialistas têm diante de si. Se a gente entender os indígenas não como a invenção do português, mas com uma constatação de que grande parte da humanidade foi excluída da narrativa, todos os excluídos ficam na condição de indígenas. 

    Talvez aquilo que tem sido mencionado como devir-índio seja a ideia mais ampla que inclui todos aqueles que não fazem parte do trato do Estado. Que não são constituídos dentro do contrato social dos Estados nacionais, pois, transbordam essas beiradas para outras maneiras de estar no mundo. Isso possibilita aquilo que a gente chama de cosmovisão: e isso está para além da interpretação geográfica ou geopolítica do mundo, porque estabelece rotas de contato com outras esferas. Não só com a ideia de um continente ou de um país ou um planeta, que são rotas alimentadas por uma cosmovisão.

    A terra, enfim, é um dos nossos sítios, mas a capacidade de recriar a vida que essas memórias e esses povos tão plurais têm no mundo inteiro habitam também outras dimensões. Suas narrativas, sua expressão para além da circunstância material da vida, criam mundos, subjetividades. E uma potência subjetiva tão maravilhosa que ela quase que admite que se esse mundo acabar, essa humanidade que nós estamos anunciando, ela é capaz de recriar mundos para si. Mas ela sempre foi excluída do mundo.

    Uma vez como tragédia, a outra como farsa. Esses militares que exterminaram, que confinaram vocês em campos de concentração, militarizando-os, colocando Krenaks contra Krenaks, estão de volta ao poder. Como é para vocês isso?

    AK - A História pode se repetir como tragédia. Eu tenho dificuldades de ler essas manobras. Eu tenho dificuldades de comparar esses períodos e fazer uma leitura sobre o que vem, pois, o imprevisto tem uma capacidade de intervir na nossa experiência vivida, que faz a gente suspeitar disso que seria um futuro imediato e próximo.

    Mas pensar que o teremos pela frente uma farsa pode ser um erro. Se nós formos informados que a História não se repete, ou se repete como farsa, nós podemos cair num engano e sermos surpreendidos por uma tragédia. Se a gente olhar a História no final do século XX, ver o que foi a transição entre a polaridade capitalismo vs comunismo, queda do Muro de Berlim, União Europeia para, agora, cair em um momento no qual ocorre o fim do trato que russos e norte-americanos fizeram, quanto à mitigação de suas hostilidades mútuas, me parece que não estamos diante de uma farsa, mas de uma tragédia muito mais ampla e grave do que a gente teve no século XX.

    Eu suspeito muito desse tempo que nós estamos vivendo. Eu estou mais desconfiado que o Guimarães Rosa pelo que vem pela frente. Ele sempre alerta a gente para não ficarmos confiantes demais no que está vindo. A cada instante pode abrir diante da gente um abismo. Não é para a gente ficar paranoico diante de um mundo em parafuso, mas é para ficar alerta feito um escoteiro sabendo que pode aparecer de qualquer canto da História uma monstruosidade.

    A minha observação da História é que ela é cheia de surpresas. Quando algumas nações parecem estar surfando no bem-estar, vem uma tragédia e muda tudo. Seja com o aparato das guerras seja aquilo que é atribuído à natureza. Estamos diante de uma monumental tragédia climática. Quando chamamos ela de climática, estamos reduzindo num termo coisas que têm um desdobramentos que nem conseguimos sequer relacionar. 

    Isso afeta a sobrevivência humana, tanto no sentido do suprimento de nossas necessidades de abrigo, alimentação e cuidado, onde todos nós, não importa de que lugar você esteja, estamos na mesma canoa. Podemos dizer que a canoa pode afundar, mas tem uma parte que está blindada, pensa que está ou pelo menos vai lutar para continuar assim.

    Quando pensamos nos povos minoritários, até nisso temos o risco do equívoco. Pois, esses povos depois que a ONU convocou a Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas concluiu que tem uma população indígena estimada no planeta hoje de 400 milhões, o que não é pouco. 

    Mesmo considerando algum equívoco ou manipulação nessas estatísticas, há uma boa parte da população planetária que está vulnerável, do ponto de vista de todas as relações institucionais, os que as torna as vítimas em potencial de uma catástrofe ambiental ou política.

    Assim, quando atinamos com essa ideia de vulnerabilidade, ficamos diante de uma equação muito curiosa: porque ao mesmo tempo que nós, os indígenas, somos a parte da humanidade pronta a desaparecer, nós também somos a parte da humanidade que criou anticorpos para entender como habitar outros mundos. Quem sabe, quem sempre esteve com o dedo no gatilho para fazer gente desaparecer não acabe desaparecendo antes da gente?

    Com alguma sorte sim. E esse intermezzo democrático faz algum sentido para os Krenak?

    AK - O pacto colonial só serve para ele mesmo. Ele não abre perspectiva com o mundo dos excluídos. Ele só serve para si mesmo como uma autoajuda. As experiências controladas de democracia no mundo, elas são só isso mesmo: experiências controladas. Elas são eventos que se expandem para além dos limites cogitados pelo capitalismo. 

    As corporações, já faz muito tempo, capturaram esse lugar de assembleia, de decisão sobre como a governança do mundo será feita e, assim, passaram a nomear meros gerentes. Esses caras que ocupam os mandatos de presidente e primeiro-ministro, em diferentes lugares do mundo, são, em geral, ex-CEOs ou gerentes de uma dessas corporações. Então, isso é uma escolinha. Eles se preparam para dar um próximo passo para integrar a vida política e social dos povos de acordo com o programa de suas corporações. 

    Das minhas leituras de alguma produção dos pensadores ocidentais eu, criticamente, entendo que eles estão dando voltas em torno dessa mesma questão: os limites dessa liberdade que o mundo ocidental concede aos povos. Os eventos da História comprovam isso.

    Enquanto foi interessante para as potências europeias ter escravidão no mundo, a periferia era o lugar dessa produção de escravos. Tinha uma parcela da humanidade que estava totalmente excluída de tudo, inclusive de sua própria humanidade, reduzidos a mera peças num jogo. 

    Quando o ocidente decidiu abrir mais um círculo, mais uma camada de circulação, ele aliviou na questão da escravidão para transformar essas pessoas em clientes e trabalhadores. E o mundo do trabalho se expandiu para que aquela gente que era escrava agora pudesse virar “classe trabalhadora”.

    Foi isso que o marxismo descobriu: aquela gente que veio do mundo sem direito algum e agora eram convertidos em trabalhadores, e que podia aspirar uma participação ativa num mundo com igualdade. Como se você estivesse pregando uma nova religião para um mundo pagão, que ansiava um novo credo. Então tivemos uma engajamento enorme no mundo inteiro de gente que buscou ampliar os espaços de autonomia e liberdade dessas relações.

    As crises dessas relações ficou tão aguda, que ela implodiu por dentro: o mundo do trabalho está implodido, por uma disrupção que gera coisas como o empreendedorismo. É uma reinvenção do sistema para criar uma nova válvula para esses corpos em movimento poderem seguir a experiência, saturada, de um planeta superpopuloso, que, se essas pessoas não tiverem um programa para rodar, elas vão entrar em colapso. Então precisa sempre abrir uma janela para daqui mais um pouco. É uma improvisação em cima de improvisação.

    Por isso eu questionei a ideia da repetição como farsa. Ninguém controla o próximo episódio. E não temos um número de pessoas, em quantidade suficiente, interessadas e preocupadas em pensar alternativas. Nós perdemos a capacidade de produzir pessoas com essa qualidade. Nós estamos nos tornando um mundo ordinário. 

    Eu me atrevo a dizer a dizer que acabou a produção de pensamento sobre o tempo que vivemos, com a potência de interferir no curso da História em que vivemos. Nós não temos mais grandes pensadores, grandes “estadistas” — aquela ideia do “estadista”, que é uma coisa sempre limitada, uma vez que o Estado entrou em colapso faz tempo.

    E no fim a sabedoria do diabo não é fingir que não existe? O próprio capital no sentido de desmontar o trabalho como a gente conhecia como forma de controlar melhor.

    AK - É, exatamente, fingir que não existe e deixar o circo pegar fogo.

    Voltando aos tempos atuais, os Krenak depois do ecocídio do Rio Doce pelo rompimento da barragem de Marina. Como está sendo a resistência dos Krenak neste instante?

    AK - A resistência nunca muda. Resiste quando são 23 famílias. Resiste quando são 8 famílias. Resiste quando são 100 famílias. Resiste. A célula tem a capacidade de reproduzir. Enquanto ela tem capacidade de se reproduzir com qualidade, ela sempre vai contrariar essa tendência de entropia, de desaparecimento. Ela vai criar e recriar mundo.

    É como se nós fossemos chapados por eventos negativos recorrentes. Isso te torna muito desconfiado em relação ao futuro. Mas como também temos uma matriz cultural fundada numa outra perspectiva, na qual o futuro não é amanhã, cresce também a resistência — e eu tenho a impressão, que a palavra resiliência talvez seja a melhor palavra para nossa experiência. 

    A resiliência não é a mera resistência a um evento em si, mas sim a capacidade interna de se reconfigurar diante do momento. É mais ou menos o que o camaleão faz, quando muda de lugar e luz para se reconfigurar e aumentar a sua potência. 

    Estou cada vez mais observando que isso não é uma experiência apenas dos Krenak, mas de muitos povos ao redor do mundo: os curdos, os ciganos e muitos povos de matriz africana pelo mundo — e é provável que a maior parte da população do continente africano vá estar em outras partes, em virtude do complô colonialista.

    Para concluir: o que podemos esperar de um futuro que não é o amanhã?

    AK - Eu tenho uma dificuldade enorme com aquele molde intelectual de pensar o mundo pelas partes. Precisamos pensar o todo e interiorizar isso como um jeito de estar no mundo, e isso pode ser uma experiência capsular onde a gente admite a nossa natureza de célula, para além e contra todo personalismo.

    É também estar atento ao quotidiano. “Todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo dia, vem a tarde e o dia gora… e a gente chora no cair da tarde…”. E admitir que cantar, sorrir e chorar é o nosso programa. A gente não precisa ficar desestruturado diante do choro. A gente não precisa ficar pirado diante da alegria. A gente pode buscar alguma coisa entre o nascer e o pôr do sol, de uma maneira mais parecida com o que a natureza faz há bilhões de anos. Isso que a gente chama de natureza é uma criação cultural que existe antes de nós, se recria desde sempre e ensina para a gente como podemos fazer para imitá-la. Eu estou interessado em imitar — e não complicar — a natureza.

    Postado da : https://jacobin.com.br/2020/03/a-historia-tambem-pode-se-repetir-como-tragedia/?fbclid=IwAR2rHJ2eUsp1w_njcDSpo4kZr37yRH9xZTs7Dfig4RfriTNtvXKtnoIiObM