terça-feira, 6 de outubro de 2020

Julgamento de Julian Assange: a máscara do Império caiu

por Pepe Escobar [*]

Ele está sendo punido não por roubar o fogo, mas por expor os poderosos à luz da verdade e provocar o deus do Excepcionalismo.


Este é o conto de uma tragédia da Grécia Antiga, reencenada na Anglo-América.

Em meio ao silêncio estrondoso e à indiferença quase universal, acorrentado, imóvel, invisível, um esquálido Prometeu foi transferido da forca para um julgamento-espetáculo em um falso tribunal gótico construído no local de uma prisão medieval.

Cratos, personificando o Poder, e Bia, personificando a Violência, haviam devidamente acorrentado Prometeu, não a uma montanha no Cáucaso, mas ao confinamento solitário em uma prisão de segurança máxima, subjugado à implacável tortura psicológica. Em nenhuma das torres Ocidentais de vigilância, nenhum Hefesto se ofereceu para forjar qualquer grau de relutância ou mesmo uma migalha de piedade.

Prometeu está sendo punido não por roubar o fogo – mas por expor os poderosos à luz da verdade, provocando, assim, a ira desenfreada de Zeus, o Excepcionalista, que só é capaz de orquestrar seus crimes sob múltiplos véus de segredo.

O mito do sigilo – que envolve a capacidade de Zeus controlar o espectro humano – foi rompido por Prometeu. E isso é anátema.

Durante anos, estenógrafos degradados trabalharam incansavelmente para retratar Prometeu como um reles trapaceiro e falsificador leviano.

Abandonado, difamado, demonizado, Prometeu foi consolado por apenas um pequeno grupo de Ninfas – Craig Murray, John Pilger, Daniel Ellsberg, guerreiros Wiki, escritores do Consortium. A Prometeu foram negadas até mesmo as ferramentas básicas para organizar uma defesa que pudesse pelo menos abalar a dissonância cognitiva da narrativa de Zeus.

Oceano, o titã pai das Ninfas, para satisfazer Zeus, não poderia incitar Prometeu.

Fugazmente, Prometeu revelou ao grupo de Ninfas, que expor segredos não era o que lhe daria a verdadeira satisfação pessoal. A longo prazo, sua causa poderia reavivar o apreço popular às artes civilizatórias.

Um dia, Prometeu foi visitado por Io, uma donzela humana. Ele teria previsto que ela não se envolveria em nenhuma viagem futura, e que ela lhe daria dois descendentes. Teria igualmente previsto que um de seus descendentes – um descendente anônimo de Hércules – muitas gerações depois, o libertaria, figurativamente, de seu tormento.

Zeus e seus lacaios da promotoria nada têm de muito concreto contra Prometeu, além da posse e disseminação de informações confidenciais Excepcionais.

Ainda assim, caberia a Hermes – o mensageiro dos Deuses e, significativamente, seu canal de Notícias – ser enviado por Zeus, tomado de raiva incontrolável, para exigir que Prometeu admitisse ser culpado de tentar derrubar a ordem baseada em regras estabelecidas pelo Supremo Excepcional.

Isso é o que está sendo ritualizado no julgamento-espetáculo atual, que nunca disse respeito à Justiça.

Prometeu não será domesticado. Em sua mente, ele libertará o Ulisses de Tennyson: "se esforçar, procurar, encontrar e nunca ceder". [NR]

Então Zeus pode finalmente atingi-lo com o raio do Excepcionalismo, e Prometeu será lançado ao abismo.

Porém, o roubo de Prometeu do segredo dos poderosos foi irreversível. Seu destino certamente levará ao aparecimento, mais tarde, de Pandora e sua caixa de males – com consequências imprevistas.

Qualquer que seja o veredicto declarado naquele tribunal do século XVII, está mais do que certo de que Prometeu entrará na História apenas como um mero objeto de culpa pela loucura humana.

Porque agora o cerne da questão é que a máscara de Zeus caiu.

[NR] A tradução do Ulisses, de Tennyson, feita por Rubens Canarim, encontra-se aqui .

[*] Jornalista.

O original encontra-se no Asia Times e em Consortium News . A tradução de Gustavo Salume encontra-se em Duplo Expresso .


Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

EastMed,: O Consórcio entre a entidade sionista Israel, a Grecia do Tsipra e o Chipre consolida o roubo do gás de GAZA

 Gasoduto explosivo no Mediterrâneo

Por Manlio Dinucci


No Mediterrâneo Oriental, em cujas profundezas foram descobertas grandes jazidas offshore de gás natural, está em curso um contencioso acirrado sobre a definição de zonas económicas exclusivas, dentro das quais (até 200 milhas da costa) cada um dos países costeiros tem o direito de explorar essas reservas.

Os países directamente envolvidos são a Grécia, a Turquia, o Chipre, a Síria, o Líbano, a Palestina, Israel, (cujas jazidas, nas águas de Gaza, estão nas mãos de Israel), o Egito e a Líbia. O confronto é particularmente tenso entre a Grécia e a Turquia, ambos países membros da NATO. A aposta em jogo não é apenas económica.

A verdadeira discórdia que se joga no Mediterrâneo Oriental é geopolítica e geoestratégica e envolve as grandes potências mundiais. Neste âmbito insere-se o EastMed, o gasoduto que trará para a União Europeia grande parte do gás desta área. A sua realização foi decidida na cimeira, realizada em Jerusalém em 20 de Março de 2019, entre o Primeiro Ministro israelita Netanyahu, o Primeiro Ministro grego Tsipras e o Presidente cipriota Anastasiades.

Netanyahu salientou que “o gasoduto se estenderá de Israel à Europa através do Chipre e da Grécia” e Israel tornar-se-á assim uma “potência energética” (que controlará o corredor energético para a Europa), Tsipras sublinhou que “a cooperação entre Israel, a Grécia e o Chipre, na sexta cimeira, tornou-se estratégica». 

Esta cooperação é confirmada pelo pacto militar assinado pelo governo de Tsipras com Israel há cinco anos (il manifesto, 28 de Julho de 2015). Na cimeira de Jerusalém (cujas actas, publicadas pela Embaixada dos EUA no Chipre),esteve presente Mike Pompeo, Secretário de Estado americano, sublinhando que o projecto EastMed lançado por Israel, pela Grécia e pelo Chipre, “parceiros fundamentais dos EUA para a segurança”, é “incrivelmente oportuno”, já que “a  Rússia, a China e o Irão estão a tentar colocar os pés no Oriente e no Ocidente”.

A estratégia dos EUA é declarada: reduzir e finalmente bloquear as exportações do gás russo para a Europa, substituindo-as por gás fornecido ou, de outra forma, controlado pelos EUA. Em 2014, eles bloquearam o SouthStream, que teria trazido através do Mar Negro gás russo para a Itália a preços competitivos, e estão tentando fazer o mesmo com o TurkStream que, através do Mar Negro, transporta o gás russo para a parte europeia da Turquia para fazê-lo chegar à União Europeia.

Ao mesmo tempo, os USA tentam bloquear a Nova Rota da Seda, a rede de infraestruturas concebida para ligar a China ao Mediterrâneo e à Europa. No Médio Oriente, os USA bloquearam com a guerra o corredor de energia que, segundo um acordo de 2011, teria transportado o gás iraniano através do Iraque e da Síria para o Mediterrâneo e para a Europa. A esta estratégia junta-se a Itália, onde (na Apúlia) chegará a EastMed que também levará o gás para outros países europeus.

O Ministro Patuanelli (M5S) definiu o gasoduto, aprovado pela União Europeia, como um dos “projectos europeus de interesse comum”, e a Subsecretária Todde (M5S) levou a Itália a aderir ao East Med Gas Forum, sede de “diálogo e cooperação” sobre o gás no Mediterrâneo Oriental, do qual participam – além de Israel, da Grécia e do Chipre – o Egipto e a Autoridade Palestina. Também participa a Jordânia, que não tem jazidas de gás offshore no Mediterrâneo, mas que o importa de Israel. 

No entanto, estão excluídos do Fórum, o Líbano, a Síria e a Líbia, a quem pertence parte do gás do Mediterrâneo Oriental. Os Estados Unidos, a França e a União Europeia anunciaram, previamente, a sua adesão. A Turquia não participa devido ao diferendo com a Grécia, que a NATO, no entanto, se compromete a resolver: “delegações militares” dos dois países já se reuniram seis vezes na sede da NATO, em Bruxelas. Todavia, no Mediterrâneo Oriental e no vizinho Mar Negro, está em curso um destacamento crescente de forças navais dos EUA na Europa, com sede em Nápoles Capodichino. 

A sua “missão” é “defender os interesses dos Estados Unidos e dos Aliados e desencorajar a agressão [‘russa’]” e a mesma “missão” para os bombardeiros estratégicos americanos B-52, que sobrevoam o Mediterrâneo Oriental acompanhados por caças gregos e italianos.

Manlio Dinucci

il manifesto, 29 de Setembro de 2020


Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l’analisi geostrategica atribuído em 7 de Junho de 2019, pelo Club dei giornalisti del Messico, A.C.
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos Email: luisavasconcellos2012@gmail.comWebpage: NO WAR NO NATO

http://sakerlatam.es/geopolitica/pt-manlio-dinucci-a-arte-da-guerra-gasoduto-explosivo-no-mediterraneo/