quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O projeto militar dos Estados Unidos pelo mundo

INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES NO SEIO DO CAMPO ANTI-IMPERIALISTA - 1ª PARTE

Quando o seu país foi atacado pelos jiadistas, em 2011, o Presidente Bachar al-Assad reagiu a contra-corrente: em vez de reforçar os poderes dos serviços de segurança, ele diminuiu-os. Seis anos mais tarde, o seu país está em vias de sair vencedor da mais importante guerra desde a do Vietname. O mesmo tipo de ataque está em vias de se produzir na América Latina, onde suscita uma resposta muito mais dentro do habitual. Thierry Meyssan expõe aqui a diferença de análise e estratégia dos Presidentes Assad por um lado, Maduro e Morales pelo outro. Não se trata de colocar esses líderes em compita, mas de apelar a cada um deles para extrair lições políticas e tomar em boa conta a experiência das últimas guerras.

 Por Thierry Meyssan (agosto/2017)
Em Maio de 2017, Thierry Meyssan explicava na Russia Today em que é que as elites sul-americanas se enganam quanto ao imperialismo dos EUA. Ele insistia acerca da mudança de paradigma dos conflitos armados atuais e a necessidade de repensar, radicalmente, a maneira de defender a pátria.
A operação de desestabilização da Venezuela prossegue. Numa primeira fase, grupúsculos violentos, manifestando-se contra o governo, mataram transeuntes, ou seja cidadãos que se tinham juntado a eles. Num segundo tempo, os grandes distribuidores de gêneros alimentares provocaram o desabastecimento nos supermercados. Depois, alguns membros das forças da ordem atacaram dois ministérios, apelaram à rebelião e entraram na clandestinidade.
A imprensa internacional não cessa de atribuir ao «regime» os mortos das manifestações enquanto que numerosos vídeos atestam que eles foram deliberadamente assassinados pelos próprios manifestantes. Com base nestas falsas informações, ela qualifica o Presidente Nicolas Maduro de «ditador» como já o havia feito, seis anos atrás, vis-à-vis a Mouamar Kadhaffi e a Bachar al-Assad.
Os Estados Unidos utilizaram a Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o Presidente Maduro da mesma maneira como usaram anteriormente a Liga Árabe contra o Presidente al-Assad. Caracas, sem esperar ser excluída da Organização denunciou tal método e abandonou-a ela própria.
No entretanto o governo Maduro apresentou duas falhas :
- uma grande parte dos seus eleitores não se deslocou às urnas aquando das eleições legislativas de Dezembro de 2015, deixando a oposição arrecadar a maioria no Parlamento.
- deixou-se surpreender pela crise dos gêneros alimentícios, quando, no passado, este tipo de manobra já tinha sido montado no Chile contra Allende e na Venezuela contra Chávez. Precisou de várias semanas para montar novos circuitos de aprovisionamento.
Com toda a probabilidade, o conflito que começa na Venezuela não irá parar nas suas fronteiras. Ele abrasará todo o Noroeste do continente sul-americano e as Caraíbas.
Um passo suplementar foi franqueado com preparativos militares contra a Venezuela, a Bolívia e o Equador, a partir do México, da Colômbia e da Guiana Inglesa. Esta coordenação é operada pela equipe do antigo Gabinete Estratégico para a Democracia Global (Office of Global Democracy Strategy); uma unidade criada pelo Presidente Bill Clinton, depois prosseguida pelo Vice-presidente Dick Cheney e pela sua filha Liz. A existência deste foi confirmada por Mike Pompeo, o atual diretor da CIA. O que levou, portanto, à menção na imprensa pelo presidente Trump da existência de uma opção militar dos Estados Unidos.
Para salvar o seu país, a equipe do Presidente Maduro recusou seguir o exemplo do Presidente al-Assad. Segunda ela, as situações são completamente diferentes. Os Estados Unidos, principal potência capitalista, atacariam a Venezuela afim de lhe roubar o seu petróleo, de acordo com um esquema muitas vezes repetido no passado, em três continentes. Este ponto de vista acaba de ser apoiado por um discurso recente do Presidente boliviano, Evo Morales.
Lembre-mo-nos que em 2003 e 2011, o Presidente Saddam Hussein,  Muammar Kadhafi e muitos conselheiros do Presidente Assad mantinham a mesma análise. Segundo eles, os Estados Unidos implicaram-se sucessivamente no Afeganistão e no Iraque, depois na Tunísia, no Egito, na Líbia e na Síria unicamente para fazer cair os regimes que resistiam ao seu imperialismo e controlar os recursos de hidrocarbonetos do Médio-Oriente Ampliado. Inúmeros autores anti-imperialistas seguem esta análise, na actualidade, por exemplo tentando explicar a guerra contra a Síria pela interrupção do projecto do gasoduto catariano.
Ora, esta análise mostrou-se errada. Os Estados Unidos não buscavam nem derrubar os governos progressistas (Líbia e Síria), nem roubar o petróleo e gás da região, mas, sim destruir os Estados, para reenviar as populações à pré-história, para a época em que «o homem era o lobo do homem».
Os derrubes de Saddam Hussein e de Muammar Gaddafi não restabelecerem a paz. As guerras continuaram apesar da instalação de um governo de ocupação no Iraque, depois governos na região incluindo colaboradores do imperialismo opostos à independência nacional. Elas continuam ainda atestando que Washington e Londres não queriam derrubar regimes, nem defender democracias, mas antes esmagar os povos. É uma constatação fundamental que altera a nossa compreensão quanto ao imperialismo contemporâneo.
Esta estratégia, radicalmente nova, foi ensinada por Thomas PM Barnett desde o 11-de-Setembro de 2001. Ela foi publicamente revelada e exposta em Março de 2003 —quer dizer precisamente antes da guerra contra o Iraque— num artigo na Esquire, depois no livro homônimo do Pentágono The Pentagon’s New Map («O Novo Mapa do Pentágono»- ndT), mas ela parece tão cruel que ninguém imaginou que pudesse vir a ser posta em ação.
Trata-se para o imperialismo de dividir o mundo em dois : de um lado uma zona estável que beneficia do sistema, do outro um caos espantoso onde ninguém pense sequer em resistir, mas unicamente em sobreviver; uma zona na qual as multinacionais possam extrair as matérias primas, das quais precisam, sem terem que dar satisfações a ninguém.
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Segundo este mapa, extraído de um Powerpoint de Thomas P. M. Barnett durante uma conferência no Pentágono em 2003, todos os Estados da zona rosada devem ser destruídos. Este projeto nada tem a ver nem com a luta de classes, no plano nacional, nem com a exploração dos recursos naturais. Depois do Médio-Oriente Ampliado, os estrategistas dos EUA preparam-se para reduzir a ruínas o Noroeste da América Latina.
Desde o século XVII e a guerra civil britânica, o Ocidente desenvolveu-se entre o medo do caos. Thomas Hobbes ensinou-nos a suportar a “Razão de Estado”, em vez de arriscar reviver esse tormento. A noção de caos só nos voltou a ser trazida com Leo Strauss, após a Segunda Guerra Mundial. Este filósofo, que formou pessoalmente numerosas personalidades do Pentágono, entendia construir uma nova forma de Poder mergulhando uma parte do mundo no inferno.
A experiência do jihadismo no Médio-Oriente Ampliado mostrou-nos o que é o caos.
Tendo reagido como se esperava dele aos acontecimentos de Daraa (março-abril de 2011), enviando o exército para reprimir os jihadistas da mesquita al-Omari, o Presidente al-Assad foi o primeiro a compreender aquilo que se passava. Longe de aumentar os poderes das forças de segurança para reprimir a agressão externa, ele deu ao povo os meios para defender o país.
Primeiro, levantou o estado de emergência, dissolveu os tribunais de exceção, libertou as comunicações de Internet, e proibiu às forças armadas de fazer uso das suas armas quando isso pudesse colocar em risco inocentes.
Estas decisões, que pareciam ir contra a lógica dos fatos, implicavam pesadas consequências. Por exemplo, ao ser atacado, um comboio militar em Banias, os soldados abstiveram-se de usar as suas armas em legítima defesa. Arriscaram ser mutilados pelas bombas dos atacantes, e até morrer, mais do que atirar, pelo risco de ferir os habitantes que os viam ser massacrados sem intervir.
Como muitos, à época, eu pensei que se tratava de um Presidente fraco e de soldados demasiado leais, que a Síria ia ser esmagada. No entanto, seis anos mais tarde, Bashar al-Assad e os exércitos sírios ganharam a sua aposta. Se a princípio, os soldados lutaram sozinhos contra a agressão estrangeira, pouco a pouco, cada um dos cidadãos foi-se envolvendo, cada um em seu posto, afim de defender o país. Os que não puderam ou não quiseram resistir exilaram-se. Claro, os Sírios têm sofrido muito, mas a Síria é o único Estado no mundo, após a guerra doVietnã, a ter resistido até que o imperialismo se cansa e desiste.
Em segundo lugar, face à invasão de uma multidão de jihadistas originários de todas as comunidades muçulmanas, desde Marrocos até à China, o Presidente Assad decidiu abandonar uma parte do território para conseguir salvar o seu Povo.
O Exército Árabe Sírio recuou para a zona da “Síria útil”, quer dizer para as cidades, abandonando as zonas rurais e os desertos aos agressores. Enquanto Damasco velava, sem nenhuma falha, pelo aprovisionamento de alimentos a todas as regiões que controlava. Contrariamente a uma ideia feita no Ocidente, apenas houve fome nas áreas controladas pelos jihadistas e em algumas cidades sitiadas por eles; os «rebeldes estrangeiros» (perdoem o “oxímoro”), aprovisionados pelas associações «humanitárias» ocidentais, utilizaram a distribuição de pacotes de alimentos para controlar as populações que eles próprios submetiam à fome.
O povo sírio constatou por si próprio que apenas a República, e não, os Irmãos Muçulmanos e seus jihadistas, o alimentava e o protegia.
Em terceiro lugar, o Presidente Assad explicou em discurso pronunciado a 12 de Dezembro de 2012, a maneira como ele pensava refazer a unidade política do país.
Ele indicou, nomeadamente, a necessidade de redigir uma nova constituição e de submetê-la à adoção por uma maioria qualificada do Povo, depois proceder à eleição democrática da totalidade dos responsáveis institucionais, neles incluído o Presidente, é claro.
À época, os Ocidentais fizeram troça da pretensão do Presidente Assad em convocar eleições em pleno período de guerra. Hoje em dia, todos os diplomatas envolvidos na resolução do conflito, incluindo os das Nações Unidas, apoiam o plano Assad.
Enquanto os comandos jihadistas circulavam por todo o país, nomeadamente em Damasco, e assassinavam políticos em suas casas com suas famílias, o Presidente Assad encorajava os seus opositores internos a pronunciarem-se. Ele garantiu a segurança do liberal Hassan al-Nouri e do marxista Maher al-Hajjar afim de que assumissem, também, o risco de se apresentarem à eleição presidencial de Junho de 2014. Apesar do apelo ao boicote pelos Irmãos Muçulmanos e pelos governos Ocidentais, apesar do terror jihadista, apesar da presença no exílio, no exterior, de milhões de cidadãos, 73,42% dos eleitores responderam presente.
Identicamente, desde o início da guerra, ele criou um Ministério da Reconciliação Nacional, o que jamais se vira num país em guerra. Ele confiou-o ao presidente de um partido aliado, o PSNS, de Ali Haidar. Este negociou e concluiu mais de um milhar de acordos promovendo a anistia de cidadãos que havia pegado em armas contra a República e a sua integração no seio do Exército Árabe Sírio.
Durante esta guerra,  e apesar do que afirmam aqueles que o acusam injustamente de ter generalizado a tortura, o Presidente Assad jamais  recorreu ao uso da força contra o seu próprio povo. Assim, por exemplo, ele nunca estabeleceu o recrutamento  em massa, o serviço militar obrigatório. É sempre possível a um jovem escapar ao serviço militar. Procedimentos administrativos permitem a qualquer cidadão do sexo masculino escapar ao serviço militar se ele não quiser defender o seu país de armas na mão. Apenas os exilados, que não tiveram a oportunidade de proceder aos tramites podem estar em situação irregular em relação a essa lei.
Durante seis anos, o Presidente Assad não parou de, por um lado, apelar ao seu povo, de lhe conferir responsabilidades e, por outro, de tentar alimentá-lo e protegê-lo tanto quanto podia. Ele assumiu sempre o risco de dar antes de receber. É por isso que, hoje em dia, ele ganhou a confiança do seu Povo e pode contar com seu apoio ativo.
Os fatos provam isso. O imperialismo contemporâneo já não tem a prioridade de aproveitar os recursos naturais. Hoje, ele domina o mundo e o saqueia sem escrúpulos. Agora, ele pretende esmagar os povos e destruir as sociedades das regiões cujos recursos já explora hoje.
http://www.voltairenet.org/article197482.html

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