Baby Siqueira Abrão
Correspondente no Oriente Médio do Brasil de Fato
A promotoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) rejeitou na terça-feira, 3 de abril, pedido da Autoridade Nacional Palestina (ANP) para realizar uma investigação sobre os "atos praticados em território palestino" por Israel desde julho de 2002. A solicitação foi feita em janeiro de 2009, ao término do ataque israelense que, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, fez cerca de 1,5 mil vítimas (a maioria, mulheres e crianças), destruiu total ou parcialmente mais de 5 mil imóveis na Faixa de Gaza e deixou 20 mil pessoas sem casa.
A justificativa do promotor Luis Moreno-Ocampo para impedir a apuração dos crimes de Israel contra os palestinos foi uma "artimanha", como a classificou Marek Marczynski, chefe da campanha por justiça da Anistia Internacional. Moreno-Ocampo alegou que a Palestina não tem o direito de recorrer ao Tribunal porque não é membro pleno das Nações Unidas.
Para chegar a essa conclusão, o gabinete do promotor levou três anos, tempo que durou o inquérito preliminar que analisou o pedido da ANP. Mesmo admitindo que 132 países-membros das Nações Unidas já reconhecem a Palestina como Estado, Moreno-Ocampo afirmou que compete a "organismos relevantes da ONU ou à Assembleia dos Estados-membros determinar se, legalmente, a Palestina se qualifica como Estado para o propósito de aceder ao Estatuto de Roma" [o tratado que fundou o TPI].
Em outras palavras, só a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, segundo o promotor, poderão decidir se a Palestina tem o direito de recorrer ao Tribunal Penal Internacional. Caso a ONU negue esse direito ao país árabe, a única alternativa para fazer justiça aos palestinos é algum membro pleno tomar a iniciativa de solicitar a apuração dos crimes cometidos por Israel na Palestina. Se nenhum deles fez isso até agora, porém, nada leva a crer que o fará no futuro.
Decisão sem fundamento legal
Há alguns problemas muito sérios envolvendo as alegações da promotoria do TPI. O primeiro, levantado por Marek Marczynski, da Anistia Internacional, diz respeito à falta de competência de Moreno-Ocampo para tomar esse tipo de decisão. "O Estatuto de Roma deixa claro que casos assim devem ser resolvidos pelos magistrados do Tribunal Penal Internacional, não pelo promotor", denunciou ele.
Brasil de Fato foi conferir e deu razão a Marczynski. De fato, o artigo 42, § 1 do Estatuto de Roma estabelece que a promotoria "encarregar-se-á de receber remissões e informação comprovada sobre crimes da competência do Tribunal, para examiná-las e realizar investigações ou para exercitar a ação penal diante do Tribunal". Em nenhum ponto do texto do Estatuto é dito que cabe à promotoria decidir se um país pode ou não pode recorrer ao Tribunal. O artigo 19, § 3, ao estabelecer que o promotor "poderá pedir ao Tribunal que se pronuncie sobre uma questão de competência ou de admissibilidade", deixa claro que ele não tem poder de decisão nesses casos. Mesmo assim, a "admissibilidade" diz respeito aos fundamentos da investigação, não a uma situação prévia, relativa ao direito de um país solicitar a apuração de fatos criminosos.
O artigo 15, que trata das atribuições do promotor, tampouco lhe dá esse poder de decisão. A ele compete analisar a veracidade das informações que recebeu sobre o crime e, se as julgar procedentes, iniciar as investigações. Mas só pode fazer isso se receber autorização da Sala de Questões Preliminares do TPI. Outro artigo, o 54, também fala das funções e atribuições do promotor, mas apenas no que diz respeito às investigações, não a etapas anteriores a elas.
Parcialidade política
Todos os artigos apontados aqui demonstram que Moreno-Ocampo agiu sem respaldo no Estatuto da instituição a que pertence, e isso é falta gravíssima, que coloca em dúvida a idoneidade de um organismo internacional do porte do TPI. Não à toa, Marek Marczynski, na Anistia Internacional, classificou a decisão do promotor de "perigosa": "Ela expõe o Tribunal a acusações de parcialidade política e não corresponde à independência da instituição", afirmou ele.
Suponhamos, porém, que o Estatuto de Roma concedesse ao promotor Ocampo competência para decidir se um país pode, ou não, apelar ao Tribunal Penal Internacional. Nem assim ele teria como negar esse direito à Palestina, e aqui está o segundo problema sério que envolve o caso. O artigo 12, § 3 do Estatuto prevê que Estados não signatários - aqueles que não são considerados membros do TPI - também podem recorrer ao Tribunal. O parágrafo determina que "dito Estado poderá, mediante declaração depositada em poder do Secretário, consentir em que o Tribunal exerça sua competência em relação ao crime de que se trata".
O artigo 4, § 2, afirma que, por acordo especial, o TPI pode exercer suas "funções e atribuições, em conformidade com o disposto no presente Estatuto, no território de qualquer Estado-parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado".
A declaração exigida no artigo 12 e o acordo especial citado no artigo 4 do Estatuto de Roma existem. Em janeiro de 2009, Ali Khashan, ministro da Justiça da ANP, entregou-os ao Tribunal, aceitando abrir o território palestino para as investigações do TPI.
Por que então Moreno-Ocampo, em oposição a mais essa determinação do Estatuto de Roma, escolheu tomar uma decisão sem nenhum respaldo legal?
A resposta talvez esteja numa reportagem publicada no site de notícias israelense Ynet. Nela, Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores de Israel, afirma que os diplomatas israelenses trabalharam contra o pedido palestino ao Tribunal Penal Internacional. "Poucos entendem quanto esforço dedicamos a esse assunto", declarou Lieberman. "Mantivemos tudo longe da mídia. O ministro agiu de maneira muito profissional, discreta e silenciosa."
Como se vê, Israel atua de maneira ilegal também nos bastidores, e a chamada "comunidade internacional" não move um dedo para impedir essa atitude ou para impor sanções ao país sionista. Quanto aos palestinos, vão desaparecendo, de modo brutal, da face da Terra. Um crime, aliás, previsto no Estatuto de Roma, que lhe dá um nome nada "discreto": genocídio.
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