sábado, 11 de fevereiro de 2012

EGITO: O fim de uma revolução inacabada



Um ano após o início das revoltas na Praça Tahir, país vive momento de frustração das forças de esquerda
Achille Lollo
de Roma (Itália) para o Brasil de Fato

Na véspera do primeiro aniversário da revolta da Praça Tahir – comemorado no dia 25 de janeiro – foram divulgados os resultados das eleições legislativas que legitimaram a vitória dos dois partidos islâmicos, o moderado e o fundamentalista. Por isso, o Comando Supremo das Forças Armadas libertou 1.959 jovens presos durantes as últimas manifestações, além de indultar o blogueiro Maikel Nabil, de religião copta, que havia sido condenado a três anos de prisão por ultraje às Forças Armadas. Assim os militares fecharam com beleza o ciclo revolucionário da Praça Tahir iludindo os egípcios de que o país havia iniciado um novo curso político.

A sinergia política entre os militares e os líderes dos partidos islâmicos, o Justiça e Liberdade (FJP), braço político da Irmandade Muçulmana e o Partido da Luz (Al-Nour), a agremiação do fundamentalismo salafita, alcançou seus objetivos estratégicos: congelar com um longo e complexo processo eleitoral o movimento revolucionário iniciado com a revolta na Praça Tahir; reformular as reivindicações por uma nova Constituição revolucionária; isolar politicamente a esquerda, os sindicatos e os grupos feministas que promoveram e lideraram a revolta popular contra o regime de Hosni Moubarak.

As eleições pela Câmera Baixa (Al-Sha´ab) duraram quase três meses e os resultados finais, divulgados no dia 21 de janeiro, confirmaram a vitória do partido Justiça e Liberdade que elegeu no total 235 deputados (47,18%), dos quais 127 com uma lista eleita pelo sistema proporcional e 108 com seus candidatos eleitos com o voto majoritário nas respectivas circunscrições.

A grande surpresa foi o segundo lugar alcançado pelo jovem partido dos fundamentalistas salafitas, Al Nour, que elegeu 121 deputados (24%) e que já confirmou sua aliança com o FJP da Irmandade Muçulmana para fazer “um governo islâmico”, que, por sua parte, receberá o apoio dos dez deputados que o Conselho Superior das Forças Armadas exigiu ter na futura Assembleia do Povo.

Desta forma, a oposição (22%), formada pelos deputados liberais, democratas, leigos coptos, social-democratas e da esquerda sindicalista não terá nenhuma possibilidade de influenciar os trabalhos dos 109 deputados que serão escolhidos para integrar a Assembleia Constituinte.

Além disso, os financiamentos ocultos da Arábia Saudita, Qatar, Emirados Unidos, Jordânia, Marrocos e Líbia permitiram às maquinas eleitorais da Irmandade Muçulmana e dos fundamentalistas salafitas, invadir as ruas das cidades egípcias e monopolizar a campanha eleitoral para a eleição dos membros à Câmara Alta (Al Shura), cuja conclusão está prevista para 22 de fevereiro. Após esta iniciar outra campanha para a eleição do presidente da república em 30 de junho.

Pragmatismo

Logo após a confirmação da vitória da partido da Irmandade Muçulmana, a Secretaria do Departamento de Estado dos EUA, Hillary Clinton mandou o embaixador estadunidense, Ann Peterson, encontrar no Cairo o líder máximo da irmandade, Mohammed Badié, visando estabelecer com o novo poder legislativo um relacionamento político de novo tipo, equivalente ao “dialogo constante” que o Conselho Superior das Forças Armadas mantém com o Pentágono e com a própria Casa Branca.

Na prática, o embaixador Petterson foi sancionar um importante acordo político com a Irmandade que durante quase 40 anos foi o inimigo número um dos presidentes egípcios Awar Sadat e Hosni Moubarak que transformaram o Egito no principal aliado da estratégia imperialista no Oriente Médio.

Um acordo que foi costurado por Mohammed Saad Al-Katatany quando era secretário-geral do Partido Justiça e Liberdade (FJP), e que com a sua nomeação a presidente da Assembleia do Povo irá influenciar a reaproximação política e estratégica entre o novo governo do Egito e os EUA.

Por outro lado, a necessidade de formular uma nova abordagem política e diplomática em relação ao presidente Obama e o governo estadunidense foi o argumento principal das negociações que Mohammed Saad Al-Katatany manteve com os oficiais superiores das Forças Armadas e consequentemente com os representantes dos países árabes conservadores, em particular a Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, sem os quais a Irmandade nunca teria tido meios financeiros suficientes para realizar uma milionária campanha eleitoral durante quase seis meses. Negociações que ocorreram sem grandes dificuldades porque Mohammed Saad Al-Katatany havia conseguido convencer as principais lideranças da Irmandade Muçulmana, e em particular o ideólogo do movimento, Mohammed Badié, de que o novo contexto político do Egito após a queda de Moubarak obrigava a Irmandade a recorrer a um inusitado pragmatismo político, sem o qual seria impossível ganhar as eleições e impedir que os anseios e as propostas revolucionárias dos líderes dos 56 grupos da Praça Tahir ganhassem espaço no pleito eleitoral.

A postura moderada das lideranças da Irmandade Muçulmana, o dialogo que sempre manteve com os oficiais superiores das Forças Armadas e o cauteloso relacionamento com os líderes da Praça Tahir, em muitos casos julgado oportunista e trapaceiro, favoreceu a recuperação de alguns setores importante do eleitorado do partido PND de Moubarak representados pelos comerciantes, a burguesia urbana ligada ao aparelho estatal e o proletariado das grandes cidades. De fato, se a necessidade de uma nova estabilidade política e econômica foi o compromisso que a Irmandade Muçulmana assumiu com as classes abastadas em troca de seu voto, com os pobres foi suficiente para encher as mesquitas de produtos alimentares para serem distribuídos gratuitamente às famílias mais pobres e, assim, comprar, sem muitas dificuldades, o voto dessas multidões.

Silêncio na Tahir

A nova estrutura institucional do estado egípcio que os militares e a Irmandade Muçulmana pretendem construir é uma versão do modelo turco, onde o cargo de presidente da República é uma mera representação institucional, enquanto o poder está todo nas mãos do primeiro ministro, nomeado pelo partido islâmico moderado que é capaz de garantir o controle social no âmbito de um regime de democracia islamizada. De fato na Turquia os militares oficialmente voltaram aos quartéis, mas, na realidade, permanecem os fiéis guardiões deste modelo democrático, que deve cumprir uma agenda política elaborada nos quartéis.

El Baradei, ex-chefe da Agência Internacional da Energia Atômica (Aiea) e prêmio Nobel pela Paz que desde os primeiros dias da revolta contra Moubarak foi apontado pelos revolucionários da Praça Tahir como o futuro presidente do Egito não aceitou ser o capacho da Irmandade Muçulmana e, por isso declarou que retirava sua candidatura à presidência.

Uma decisão que atrapalhou bastante os liberais, os moderados leigos e os próprios revolucionários da Praça Tahir que apostavam em El Baradei para enfrentar na Assembleia do Povo o novo bloco majoritário formado pelos deputados da Irmandade Muçulmana e pelos fundamentalistas salafitas. Mesmo assim El Baradei não voltou atrás e declarou: “Minha consciência me impede de participar em uma corrida para a eleição presidencial porque tenho a sensação de que o antigo regime ainda não acabou. Aliás tenho a sensação de que nunca houve no Egito uma verdadeira Revolução. Avaliei todas as possibilidades de servir, em forma oficial, o Egito, porém não encontrei nenhuma que correspondesse, inclusive com o cargo de presidente, porque o país permanece nas mãos de um Conselho Militar que continua fazendo uso da violência e recorre à brutalidade da policia de choque, além de legitimar uma péssima gestão econômica que fica cada vez mais longe dos objetivos traçados pela Revolução...”

Uma acusação que denuncia o projeto de restauração institucional dos militares cuja complexidade e lentidão política provocou, em 24 de novembro do ano passado, o rebaixamento em nível B pela agencia de rating Standard & Poor, dos títulos da divida egípcia. Um acontecimento que, segundo El Baradei, se tornou ainda mais dramático quando os chefes do Conselho Supremo Militar decidiram usar as reservas estratégicas monetárias do Banco Central do Egito que em apenas três meses baixaram de 36 bilhões de dólares para 22, abrindo, assim, um perigoso buraco no futuro da economia egípcia.

Um contexto que poderá ser sanado com muitos sacrifícios e, sobretudo com a ajuda financeira dos países árabes conservadores que em troca pedem o retorno da estabilidade, o fim das mobilizações na Praça Tahir e o silêncio sobre o programa revolucionário que apontava não só pela ruptura institucional contra o regime de Moubarack mas, antes de tudo, queria construir rupturas socioeconômicas para formular um novo modelo de sociedade.

Os erros da oposição

A revolta que a partir da Praça Tahir incendiou o Egito tornando-se um exemplo de luta para todos os povos do Oriente Médio não soube capitalizar sua força junto do povo e, por outro lado foi liderada por lutadores sociais extremamente jovens em termos organizativos e até ingênuos no que diz respeito a estratégia política do próprio movimento rebelde.

De fato, o liderismo, alimentado “ad hoc” e com muito oportunismo pela novas centrais do network e pela mídia árabe, em particular a televisão Aljazira, fez com que, em breve tempo, o movimento da Praça Tahir ficasse desarticulado uma vez que seus lideres procuravam mais disputar a liderança absoluta do movimento no lugar do criar a união entre a praça e o povo em geral. Quem se preocupou de sair da Praça para se apropriar das suas lutas e ir aos bairros mais pobres, nas lojas e nas escolas dizendo que “Eles estavam lutando contra o regime corrupto de Moubarack” foram os membros da Irmandade Muçulmana e em um segundo tempo também os fundamentalistas salafitas.

Os sindicalistas de esquerda tentaram denunciar o que estava acontecendo, porém os grupos social-democratas, liberais e também as mulheres nunca se preocuparam, seriamente, no que os homens da Irmandade e do fundamentalismo salafita estavam fazendo. Muitas vezes os grupos de esquerda que denunciavam o oportunismo traiçoeiro da Irmandade Muçulmana foram severamente criticados por “falta de democracia”.

Assim, quando o Conselho Militar fixou a data para as eleições o movimento da Praça Tahir estava dividido em 56 grupos políticos, cada um achando ser o verdadeiro partido guia da revolução que não precisava disputar o pleito eleitoral por ter o poder de chamar o povo a decidir do futuro do país em qualquer momento.

Em seguida, os ditos “revolucionários moderados” saíram da Praça Tahir para se juntaram ao Partido Social-democrata e ao Partido dos Egípcio Livres de Amr Hamzawy, para formar o “Bloco Egípcio” que obteve 9% dos sufrágios, enquanto os liberais do antigo partido Al-Wafd, que fez oposição a Anwar Sadat e Moubarack, alcançou somente 7%. O restantes 6% dos sufrágios premiou outras dezenas de pequenos partidos da oposição que unida vai somar 22% por um total de 109 deputados contra um bloco governamental dos partidos islâmicos formado por 362 deputados a quem se vão juntar os 10 deputados que representam os militares.

Neste contexto o aspecto mais preocupante é que em poucos meses o establishement voltou no Norte da África visto que os partidos islâmicos, moderados ou fundamentalistas, hoje governam Marrocos, Tunísia, Líbia, e Egito reverenciando o Ocidente e, sobretudo, as multinacionais do imperialismo estadunidense. É claro que nesses governos haverá sempre quem proclama de lutar contra o sionismo de Israel, mas isso faz parte do folclore político monitorado pela TV Aljazira.

Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo

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