quinta-feira, 1 de agosto de 2013

NADA SERÁ COMO ANTES? Notícias da “Intifada” brasileira.

Notícias da “Intifada” brasileira. 


                                                                    * Por Maristela R. dos Santos Pinheiro   e Bárbara C Galvão



22/07/2013 - Passeata até o Palácio do Governo- RJ
(Intifada em árabe significa lutar com pedras)

No dia 22 de julho, o Rio de Janeiro foi palco de mais uma manifestação. Desta vez, aproveitamos a presença do Papa, da Dilma e do governador em nosso território e fomos para as ruas com nossas numerosas pautas e indignações.

Nenhuma manifestação tem sido  exatamente igual à outra. Grosso modo, tudo começou com a passeata organizada pelo Passe Livre e o Movimento estudantil com participação expressiva das organizações sociais e  dos partidos de esquerda. A seguinte, uma das maiores até aquele dia, estava infestada de agentes provocadores, que  estimulavam a massa de jovens  à rejeição aos partidos de esquerda. Neste ínterim, a internet - em especial o Facebook - era, sem dúvida o organizador coletivo da massa, materializando, na seguinte, uma aglomeração gigantesca, de onde eclodia preocupantes sinais: a despolitização total da massa, a reprodução de uma pauta fabricada pelos meios de comunicação, a nítida rejeição aos partidos, chegando ao limite de grupos nazistas partirem para agressão contra a coluna dos partidos de esquerda,  que obviamente enfrentaram estes para garantir a integridade física da coluna. Na manifestação seguinte houve  adesão, pelo menos formal, das Centrais Sindicais, e esta transcorreu tranquila, sendo dissolvida pela ação da PM com balas de borracha e gás .

Apesar da dinâmica hiperativa das manifestações, é possível observar alguns elementos em processo de  cristalização, obviamente nada que a ação política organizada não possa tentar mudar. Falo em particular  de três perspectivas que mantêm entre elas uma intensa relação de interdependência: Em primeiro lugar, a influência do discurso pós-moderno que desestimula e nega a organização política, prima pelo inidvidualismo e com isso,  pela fragmentação   e se limita à  pautas negativas, do tipo “contra...”,  “fora...”; em segundo, sobre o  sequestro da pauta do movimento pelos aparelhos ideológicos do capital e a imposição de uma nova agenda pela institucionalidade.

Na verdade, essas duas tendências não são novas. Historicamente já foram verificadas na luta de classes no Brasil e no mundo e, atualmente, marcam a trajetória de mobilizações na Turquia e no Egito.

Finalmente, a terceira começa por uma ausência profundamente sentida nas mobilizações que sacodem o país: a das classes trabalhadores e a ocorrência, não menos sentida, nas últimas manifestações, de um “ certo distanciamento” entre setores do movimento estudantil e as tradicionais organizações  políticas e sociais, a ponto destas últimas  não acompanharem, pelo menos com suas  bandeiras,  o trajeto inteiro das manifestações e os primeiros não participarem do ato no Largo do Machado, antes da passeata.

A primeira coisa que salta aos olhos é que esse grandioso movimento que se inicia contra os aumentos das passagens,  se apoia, principalmente, numa juventude aguerrida, na sua maioria estudantes que se encontram em um momento de negação do sistema, da própria democracia burguesa e tudo que ela representa. De uma forma cheia de contradições e de uma maneira multiforme tentam  expressar essa negação; daí o sentimento legítimo, que marca o início das manifestações de destruir as Assembleias Legislativas, pichar  os  bancos e todas as instituições que representam ou são os sujeitos da opressão de classe no dia a dia.

Somos testemunhos do nascimento de uma juventude destemida, que enfrenta seus medos e fobias e não fogem do confronto com o Estado capitalista e opressor; que está  introduzindo  formas de manifestação mais audazes e defensivas, do tipo “intifada palestina”, que odeia a polícia militar, por tudo que esses facínoras representam  para o povo, em particular, das favelas e da zona oeste da cidade, onde moram os trabalhadores mais simples.  Sua situação de classe é bem diversificada, mas o grosso da base social que está nas ruas não é difícil de reconhecer, são filhos da classe média pauperizada.

Na passeata até o Palácio do Governo, neste dia, vimos muitas bandeiras vermelhas e pretas dos camaradas anarquistas e vermelhas de movimentos novos que surgem deste processo. Talvez este seja um sinal de que há a preocupação de dar forma organizativa à juventude que se aproxima. Isso, saberemos com o tempo.

Mas, nem tudo são flores, há ainda a generalização do velho, surrado e pós-moderno discurso “tipo novo” de que não há necessidade de lideranças, de organizações, de partidos, de revoluções, de que as ONGs nos bastam, de que a internet é nosso espaço privilegiado de discussão, de convocação e de que a  pauta, ou melhor, as pautas são individuais e identitárias, ou seja  o importante é a pauta específica  do grupo e cada um que tenha a sua.

Esses discursos implicam na total omissão e no abandono da discussão sobre os projetos políticos sociais reais que estão, agorinha mesmo, em disputa na nossa sociedade e no mundo. Se quer saber, essa postura, de fato, fortalece o projeto político social do status quo, ou seja, dos empresários, da burguesia, das multinacionais. Projetos que tomam a forma de ataques diretos aos direitos históricos dos trabalhadores, como, por exemplo, o da previdência, ou os  que implicam uma maior precariedade como a terceirização, a privatização da saúde,  da educação e por aí vai.

Eles, os discursos pós-modernos, embotam, ao invés de expandir,  a consciência política e social das pessoas, escondendo e omitindo a polarização política e ideológica do mundo em que vivemos.
São discursos que não ajudam na reflexão sobre o quanto o sistema capitalista está na origem de todas as desgraças, mazelas, misérias, guerras e atrocidades contra os povos. E que, portanto, é necessário e imprescindível estarmos prontos para travar essa batalha contra esse sistema social.

Estes discursos focados no asfixiante momento e no (mesquinho) individualismo ajudam a fortalecer a lógica naturalizada no inconsciente sobre a propriedade privada e a exploração do homem pelo homem. Não há dúvidas que isso fortalece a organização do capital e a ideologia deles contra os povos.

Esses grupos pós-modernos refletem o dilema histórico da classe média que, ao não ter um projeto para a sociedade, se inclinam  para o projeto do capital, se este a inclui em seus planos, então lutam  mas não querem , ou melhor, não precisam mudar nada. Lutam  até o limite do status quo por aquilo que o sistema pode absorver.

Cá entre nós,  os atuais donos das riquezas têm um mundo e todos os sistemas, legal, social e político , organizados a serviço deles, a sociedade é o espelho deles; mas nós, os trabalhadores, os camponeses, os índios e os estudantes, nós que estamos nas ruas não temos um mundo organizado a nossa semelhança ao contrário e, por isso, nosso povo sofre o que sofre.

Precisamos não só nos organizar em organismos vivos e democráticos para construir a ação política, como precisamos a partir daí construir uma pauta universal ou se preferirem, um programa alternativo que seja nossa cara, a cara do povo trabalhador, dos índios, dos estudantes e dos camponeses sem terra, enfim, o poder popular.

Todos nós vimos a facilidade com que  a grande mídia, a principal máquina ideológica do sistema, sequestrou o movimento e passou a pautar as ruas na maior cara de pau. A corrupção e a Reforma Política foram agendadas como a pauta das manifestações e algumas organizações sociais, lamentavelmente, foram cooptadas para esta discussão. Vemos diariamente como  mentem e manipulam, como nos dividem entre vândalos, baderneiros, marginais e os pacíficos.

A facilidade com que aqueles, contra os quais nos manifestamos, passaram a pautar e legitimar, de seu ponto de vista, nosso movimento, está estreitamente relacionada com a influência “pós-moderna” onde os “não-organização”, os “não-revolução”, os “não-partidos” tentam caracterizar o movimento como uma reação sem participação de movimentos políticos e sem pauta definida.

Não é a toa que no dia seguinte da manifestação do papa, no Largo do Machado,  a foca do capital, o Arnaldo Jabour, publica no segundo caderno do O Globo um texto no qual se diz encantado com o fato de “ os jovens do Movimento que começou em junho trazem para o país um novo estilo de contestação, típica do séc XXI, uma contestação pontual, sem projeto  de nação ou de sociedade. É isso” e segue dizendo que “as manifestações não querem explicar a complexidade do mundo com umas poucas causas em que trancam os fatos” Esse senhor  captou apenas o que mais lhe interessava registrar de nossas manifestações. Na verdade, o que mais interessa ao sistema do qual é porta voz.

E, por fim, o fato de a classe trabalhadora não ter irrompido o terreno, nos leva a observar que, mesmo considerando a mudança significativa de romper com as ilusões alimentadas desde as eleição do Lula em 2002, o fato é que, não podemos considerar ainda que haja uma mudança de conjuntura tal que vislumbre imediatamente, ou a médio prazo, alteração na correlação de forças atuais. Nada será como antes, é verdade, mas não há, até o momento, indícios de crise política no seio da elite dominante e não há indícios de mobilizações da classe trabalhadora. Oxalá esteja cega!

A  militância  das expressões políticas e sociais organizadas da classe, em outras palavras, dos partidos de esquerda e das organizações sociais e estudantis foi , inegavelmente, a base que deu origem a explosão fabulosa da juventude. Lá estão suas impressões digitais, seu DNA. São homens, mulheres, trabalhadores, jovens e estudantes que não desistiram de tentar organizar para o rompimento com um sistema social que nos embrutece, nos desumaniza, de promover as ideias revolucionárias,  de construir a revolução no trabalho de formiguinha, em momentos conjunturais difíceis, quando os ideais revolucionários concorriam com as ilusões das promessas reformistas do Lula.

Neste dia 22 de junho, a passeata seguiu do Largo do Machado até bem próximo ao Palácio Guanabara. Depois do ato promovido pela esquerda no Largo do Machado e de uma rápida manifestação, aderida por todos, promovida por diversos grupos em frente da Igreja na mesma Praça, os estudantes da UFRJ juntamente com jovens organizações seguiram rumo ao Palácio do Governo sem as tradicionais bandeiras da esquerda; como aconteceu durante  a passeata decidida até a Fetranspor.

É claro e óbvio que estamos diante de uma certa diferença na forma de compreender o momento histórico da luta de classes. É claro que estamos diante da perplexidade dos novos métodos trazidos pela juventude. É claro que estamos diante da total falta de diálogo das organizações que são os sujeitos principais desta luta do povo brasileiro. E é desejável que essa discussão seja pautada o quanto antes, sob pena do movimento ser absolutamente sequestrado pelos grupos pós-modernos, preocupados com as pautas de seu grupo e corroborando para manter o sistema intacto. Ou seja, não podemos permitir que o velho anticomunismo, o velho estigma  antirevolução sobreviva à juventude das ruas,  às mudanças radicais, à luta pelo fim do velho capitalismo decrépito e imoral. Não podemos cair nessa rede!

No curso do rio ainda não sabemos onde iremos desaguar mas, que essa luta travada pela juventude, talvez ainda, como disse o Jabour, sem um projeto para uma nova sociedade, possa despertar algo maior, não  por democracia eleitoral ou pelo fim da corrupção, coisa que sabemos impossíveis para a sociedade espelho do Capital, mas por uma projeto de mudanças radicais na sociedade, onde não haja exploração e onde o homem se realize plenamente.

Mas a construção desta sociedade somente terá início se as organizações políticas da classe trabalhadora e  da juventude estiverem ombro a ombro com a vontade de construir juntos a luta de todos, sem sequestros, sem hegemonias, discutindo as suas ideias revolucionárias e um projeto alternativo para o futuro; ajudando a juventude a encarar o trauma que o PT deixou em suas esperanças; unindo as organizações em uma verdadeira Frente de Esquerda para lutar. Passo a passo construindo  todo percurso, levantando alto as bandeiras históricas que o capital, que se apresenta ora “democrático”, ora fascista, nunca conseguiu tirar das ruas, junto com essa juventude que não foge da raia,  muito bem retratada na música do Gonzaguinha:


* Por Maristela R. dos Santos Pinheiro  – Cientista Social, mestranda em História /UFF, militante internacionalista do Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino e da Agenda Colômbia. Militante do PCB

Bárbara C Galvão – Produtora Cultural, mestranda em Comunicação Social /UFRJ


 ACREDITO NA RAPAZIADA

Eu acredito

É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão
Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
À troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada..


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