Notícias da “Intifada” brasileira.
* Por Maristela R. dos Santos Pinheiro e Bárbara C Galvão
(Intifada em árabe
significa lutar com pedras)
No dia 22 de julho,
o Rio de Janeiro foi palco de mais uma manifestação. Desta vez, aproveitamos a
presença do Papa, da Dilma e do governador em nosso território e fomos para as
ruas com nossas numerosas pautas e indignações.
Nenhuma
manifestação tem sido exatamente igual à outra. Grosso modo, tudo começou
com a passeata organizada pelo Passe Livre e o Movimento estudantil com
participação expressiva das organizações sociais e dos partidos de
esquerda. A seguinte, uma das maiores até aquele dia, estava infestada de
agentes provocadores, que estimulavam a massa de jovens à rejeição
aos partidos de esquerda. Neste ínterim, a internet - em especial o Facebook -
era, sem dúvida o organizador coletivo da massa, materializando, na seguinte,
uma aglomeração gigantesca, de onde eclodia preocupantes sinais: a despolitização
total da massa, a reprodução de uma pauta fabricada pelos meios de comunicação,
a nítida rejeição aos partidos, chegando ao limite de grupos nazistas partirem
para agressão contra a coluna dos partidos de esquerda, que obviamente enfrentaram estes para garantir
a integridade física da coluna. Na manifestação seguinte houve adesão,
pelo menos formal, das Centrais Sindicais, e esta transcorreu tranquila, sendo
dissolvida pela ação da PM com balas de borracha e gás .
Apesar da dinâmica
hiperativa das manifestações, é possível observar alguns elementos em processo
de cristalização, obviamente nada que a
ação política organizada não possa tentar mudar. Falo em particular de
três perspectivas que mantêm entre elas uma intensa relação de
interdependência: Em primeiro lugar, a influência do discurso pós-moderno que
desestimula e nega a organização política, prima pelo inidvidualismo e com
isso, pela fragmentação e
se limita à pautas negativas, do tipo “contra...”, “fora...”; em segundo, sobre o
sequestro da pauta do movimento pelos aparelhos ideológicos do capital e
a imposição de uma nova agenda pela institucionalidade.
Na verdade, essas
duas tendências não são novas. Historicamente já foram verificadas na luta de
classes no Brasil e no mundo e, atualmente, marcam a trajetória de mobilizações
na Turquia e no Egito.
Finalmente, a
terceira começa por uma ausência profundamente sentida nas mobilizações que
sacodem o país: a das classes trabalhadores e a ocorrência, não menos sentida,
nas últimas manifestações, de um “ certo distanciamento” entre setores do
movimento estudantil e as tradicionais organizações políticas e sociais,
a ponto destas últimas não acompanharem, pelo menos com suas
bandeiras, o trajeto inteiro das manifestações e os primeiros não
participarem do ato no Largo do Machado, antes da passeata.
A primeira coisa
que salta aos olhos é que esse grandioso movimento que se inicia contra os
aumentos das passagens, se apoia, principalmente, numa juventude
aguerrida, na sua maioria estudantes que se encontram em um momento de negação
do sistema, da própria democracia burguesa e tudo que ela representa. De uma
forma cheia de contradições e de uma maneira multiforme tentam expressar
essa negação; daí o sentimento legítimo, que marca o início das manifestações
de destruir as Assembleias Legislativas, pichar os bancos e todas
as instituições que representam ou são os sujeitos da opressão de classe no dia
a dia.
Somos testemunhos
do nascimento de uma juventude destemida, que enfrenta seus medos e fobias e
não fogem do confronto com o Estado capitalista e opressor; que está
introduzindo formas de manifestação mais audazes e defensivas, do tipo
“intifada palestina”, que odeia a polícia militar, por tudo que esses
facínoras representam para o povo, em particular, das favelas e da zona
oeste da cidade, onde moram os trabalhadores mais simples. Sua situação
de classe é bem diversificada, mas o grosso da base social que está nas
ruas não é difícil de reconhecer, são filhos da classe média pauperizada.
Na passeata até o
Palácio do Governo, neste dia, vimos muitas bandeiras vermelhas e pretas dos
camaradas anarquistas e vermelhas de movimentos novos que surgem deste
processo. Talvez este seja um sinal de que há a preocupação de dar forma
organizativa à juventude que se aproxima. Isso, saberemos com o tempo.
Mas, nem tudo são
flores, há ainda a generalização do velho, surrado e pós-moderno discurso “tipo
novo” de que não há necessidade de lideranças, de organizações, de partidos, de
revoluções, de que as ONGs nos bastam, de que a internet é nosso espaço
privilegiado de discussão, de convocação e de que a pauta, ou melhor, as
pautas são individuais e identitárias, ou seja
o importante é a pauta específica
do grupo e cada um que tenha a sua.
Esses discursos
implicam na total omissão e no abandono da discussão sobre os projetos
políticos sociais reais que estão, agorinha mesmo, em disputa na nossa
sociedade e no mundo. Se quer saber, essa postura, de fato, fortalece o projeto
político social do status quo, ou seja, dos empresários, da burguesia, das
multinacionais. Projetos que tomam a forma de ataques diretos aos direitos
históricos dos trabalhadores, como, por exemplo, o da previdência, ou os
que implicam uma maior precariedade como a terceirização, a privatização
da saúde, da educação e por aí vai.
Eles, os discursos
pós-modernos, embotam, ao invés de expandir, a consciência política e
social das pessoas, escondendo e omitindo a polarização política e ideológica
do mundo em que vivemos.
São discursos que
não ajudam na reflexão sobre o quanto o sistema capitalista está na origem de
todas as desgraças, mazelas, misérias, guerras e atrocidades contra os povos. E
que, portanto, é necessário e imprescindível estarmos prontos para travar essa
batalha contra esse sistema social.
Estes discursos
focados no asfixiante momento e no (mesquinho) individualismo ajudam a
fortalecer a lógica naturalizada no inconsciente sobre a propriedade privada e
a exploração do homem pelo homem. Não há dúvidas que isso fortalece a
organização do capital e a ideologia deles contra os povos.
Esses grupos
pós-modernos refletem o dilema histórico da classe média que, ao não ter um
projeto para a sociedade, se inclinam
para o projeto do capital, se este a inclui em seus planos, então
lutam mas não querem , ou melhor, não precisam mudar nada. Lutam até o limite do status quo por aquilo que o
sistema pode absorver.
Cá entre
nós, os atuais donos das riquezas têm um mundo e todos os sistemas,
legal, social e político , organizados a serviço deles, a sociedade é o
espelho deles; mas nós, os trabalhadores, os camponeses, os índios e os
estudantes, nós que estamos nas ruas não temos um mundo organizado a nossa
semelhança ao contrário e, por isso, nosso povo sofre o que sofre.
Precisamos não só
nos organizar em organismos vivos e democráticos para construir a ação
política, como precisamos a partir daí construir uma pauta universal ou se
preferirem, um programa alternativo que seja nossa cara, a cara do povo
trabalhador, dos índios, dos estudantes e dos camponeses sem terra, enfim, o
poder popular.
Todos nós vimos a
facilidade com que a grande mídia, a principal máquina ideológica do
sistema, sequestrou o movimento e passou a pautar as ruas na maior cara de pau.
A corrupção e a Reforma Política foram agendadas como a pauta das
manifestações e algumas organizações sociais, lamentavelmente, foram cooptadas
para esta discussão. Vemos diariamente como
mentem e manipulam, como nos dividem entre vândalos, baderneiros,
marginais e os pacíficos.
A facilidade com
que aqueles, contra os quais nos manifestamos, passaram a pautar e legitimar,
de seu ponto de vista, nosso movimento, está estreitamente relacionada com a
influência “pós-moderna” onde os “não-organização”, os “não-revolução”, os “não-partidos”
tentam caracterizar o movimento como uma reação sem participação de movimentos
políticos e sem pauta definida.
Não é a toa que no
dia seguinte da manifestação do papa, no Largo do Machado, a foca do capital, o Arnaldo Jabour, publica
no segundo caderno do O Globo um texto no qual se diz encantado com o fato
de “ os jovens do Movimento que começou em junho trazem para o país
um novo estilo de contestação, típica do séc XXI, uma contestação pontual, sem
projeto de nação ou de sociedade. É isso” e segue dizendo
que “as manifestações não querem explicar a complexidade do mundo
com umas poucas causas em que trancam os fatos” Esse senhor captou apenas o que mais lhe interessava
registrar de nossas manifestações. Na verdade, o que mais interessa ao sistema
do qual é porta voz.
E, por fim, o fato
de a classe trabalhadora não ter irrompido o terreno, nos leva a observar que,
mesmo considerando a mudança significativa de romper com as ilusões alimentadas
desde as eleição do Lula em 2002, o fato é que, não podemos considerar
ainda que haja uma mudança de conjuntura tal que vislumbre imediatamente, ou a
médio prazo, alteração na correlação de forças atuais. Nada será como antes, é
verdade, mas não há, até o momento, indícios de crise política no seio da elite
dominante e não há indícios de mobilizações da classe trabalhadora. Oxalá
esteja cega!
A
militância das expressões políticas e sociais organizadas da classe, em
outras palavras, dos partidos de esquerda e das organizações sociais e
estudantis foi , inegavelmente, a base que deu origem a explosão fabulosa da
juventude. Lá estão suas impressões digitais, seu DNA. São homens, mulheres,
trabalhadores, jovens e estudantes que não desistiram de tentar organizar
para o rompimento com um sistema social que nos embrutece, nos desumaniza, de
promover as ideias revolucionárias, de construir a revolução no trabalho
de formiguinha, em momentos conjunturais difíceis, quando os ideais
revolucionários concorriam com as ilusões das promessas reformistas do Lula.
Neste dia 22 de
junho, a passeata seguiu do Largo do Machado até bem próximo ao Palácio
Guanabara. Depois do ato promovido pela esquerda no Largo do Machado e de uma
rápida manifestação, aderida por todos, promovida por diversos grupos em frente
da Igreja na mesma Praça, os estudantes da UFRJ juntamente com jovens
organizações seguiram rumo ao Palácio do Governo sem as tradicionais bandeiras
da esquerda; como aconteceu durante a passeata decidida até a Fetranspor.
É claro e óbvio que
estamos diante de uma certa diferença na forma de compreender o momento
histórico da luta de classes. É claro que estamos diante da perplexidade dos
novos métodos trazidos pela juventude. É claro que estamos diante da total
falta de diálogo das organizações que são os sujeitos principais desta luta do
povo brasileiro. E é desejável que essa discussão seja pautada o quanto antes,
sob pena do movimento ser absolutamente sequestrado pelos grupos pós-modernos,
preocupados com as pautas de seu grupo e corroborando para manter o sistema
intacto. Ou seja, não podemos permitir que o velho anticomunismo, o velho
estigma antirevolução sobreviva à juventude das ruas, às mudanças radicais, à luta pelo fim do
velho capitalismo decrépito e imoral. Não podemos cair nessa rede!
No curso do rio
ainda não sabemos onde iremos desaguar mas, que essa luta travada pela
juventude, talvez ainda, como disse o Jabour, sem um projeto para uma nova
sociedade, possa despertar algo maior, não por democracia eleitoral ou
pelo fim da corrupção, coisa que sabemos impossíveis para a sociedade espelho
do Capital, mas por uma projeto de mudanças radicais na sociedade, onde não
haja exploração e onde o homem se realize plenamente.
Mas a construção
desta sociedade somente terá início se as organizações políticas da classe
trabalhadora e da juventude estiverem ombro a ombro com a vontade de
construir juntos a luta de todos, sem sequestros, sem hegemonias, discutindo as
suas ideias revolucionárias e um projeto alternativo para o futuro; ajudando a
juventude a encarar o trauma que o PT deixou em suas esperanças; unindo as
organizações em uma verdadeira Frente de Esquerda para lutar. Passo a passo
construindo todo percurso, levantando alto as bandeiras históricas que o
capital, que se apresenta ora “democrático”, ora fascista, nunca conseguiu
tirar das ruas, junto com essa juventude que não foge da raia, muito bem
retratada na música do Gonzaguinha:
* Por Maristela R. dos Santos Pinheiro – Cientista Social, mestranda em História
/UFF, militante internacionalista do Comitê de Solidariedade à Luta do Povo
Palestino e da Agenda Colômbia. Militante do PCB
Bárbara C Galvão – Produtora Cultural, mestranda em Comunicação Social /UFRJ
ACREDITO NA RAPAZIADA
Eu acredito
É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão
Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
À troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada..
Nenhum comentário:
Postar um comentário