sábado, 20 de julho de 2013

Egito, Brasil, Turquia: Sem política, o protesto está à mercê das elites

2/7/2013, Seumas MilneThe Guardian, UK

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Seumas Milne
Do Egito ao Brasil, a ação nas ruas impulsiona a mudança, mas a organização é essencial, ou a ação será sequestrada ou desarmada.

Dois anos depois que os levantes árabes alimentaram uma onda de protestos e ocupações em todo o mundo, as manifestações de massa voltaram ao cenário original, no Egito. Assim como milhões de pessoas desafiaram repressão brutal em 2011 para derrubar o ditador Hosni Mubarak apoiado pelo ocidente, milhões saem agora às ruas de cidades egípcias, para exigir a saída do primeiro presidente jamais eleito no Egito, Mohamed Mursi.

Como em 2011, a oposição é uma aliança de esquerdas e direitas dominada pela classe média. Mas dessa vez os islamistas estão do outro lado, e partidários do regime de Mubarak estão envolvidos. A polícia, que atacou e matou manifestantes há dois anos, esse ano manteve-se longe, enquanto manifestantes incendiavam escritórios da Irmandade Muçulmana de Mursi. E o exército, que apoiou a ditadura até o último momento antes de constituir uma junta, em 2011, agora apoia com todas as suas forças a oposição.

Egito celebra a queda de Mohamed Mursi e da Irmandade Muçulmana
Se o ultimato do exército ao presidente converter-se em golpe total e acabado, ou se vier uma mudança administrada do governo, nos dois casos o exército – fartamente financiado e treinado pelo governo dos EUA e com pleno controle sobre vários interesses comerciais – voltou a assumir as rédeas. E muitos autoproclamados revolucionários, que antes denunciaram Mursi por render-se aos militares, agora festejam os mesmos militares. Se se considera o que ensina a experiência passada, logo estarão lamentando.

É claro que não faltam aos manifestantes motivos de queixa contra o governo de um ano, de Mursi: desde o estado calamitoso da economia, a islamização constitucional e a tomada do poder institucional, ao fato de que não rompeu com as políticas neoliberais de Mubarak e tudo que fez para satisfazer o poder de EUA e Israel.

Mas fato é que, por muito incompetente que o governo Mursi tenha sido, muitos dos controles cruciais do poder – do aparato judicial e a polícia, até as forças armadas e a imprensa-empresa – continuam como sempre estiveram em mãos das elites do antigo regime. Essas elites veem declaradamente os Irmãos Muçulmanos como intrusos, intrometidos, cujos dirigentes devem voltar à cadeia o mais rapidamente possível.

Essa gente é que, agora, está aliada com forças da oposição que realmente querem que a revolução egípcia alcance, pelo menos, uma conclusão democrática. Se Mursi e a Irmandade Muçulmana estão sendo derrubados do poder, é difícil imaginar que gente desse tipo rompa com a ortodoxia neoliberal ou afirme a independência nacional, como querem a maioria dos egípcios. O mais provável é que os islamistas, também com apoio massivo, resistam contra um movimento que lhes nega o mandato que obtiveram nas urnas, o que lançará o Egito num conflito mais grave.

Manifetantes na Praça Taksim, ao fundo o Parque Gezi, em Istambul - Turquia
A mais recente irrupção no Egito aconteceu imediatamente depois de protestos massivos na Turquia e no Brasil (e de agitação menor na Bulgária e na Indonésia). Nenhuma dessas refletiu a luta generalizada pelo poder no Egito, mesmo que alguns manifestantes na Turquia tenham exigido a saída do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan. Mas ecos significativos destacam tanto o poder como a fragilidade de manifestações relâmpago, como essa, de cólera popular.

No caso da Turquia, o que começou como um protesto contra a remodelação do Parque Gezi de Istambul converteu-se rapidamente em manifestações massivas contra o governo islamista cada vez mais feroz. Uniu nacionalistas turcos e curdos, liberais e esquerdistas, socialistas e defensores do livre mercado. A abrangência foi uma força, mas a natureza díspar das demandas dos manifestantes provavelmente enfraquecerá seu impacto político.

No Brasil, as manifestações massivas contra um aumento dos preços do transporte público converteram-se em protestos mais amplos contra serviços públicos de má qualidade e o custo exorbitante da Copa do Mundo de 2014. Como na Turquia e no Egito, jovens de classe média e despolitizados apareceram à frente e rechaçou-se a participação de partidos políticos, ao mesmo tempo em que grupos e empresas jornalísticas e de televisão tratavam de desviar o sentido da manifestação, afastando qualquer reflexão sobre a desigualdade, e introduzindo demandas por menos impostos e contra a corrupção.

Protestos no Rio de Janeiro em junho/2013

Apesar das diferenças, os três movimentos têm impressionantes traços comuns. Combinam grupos políticos amplamente divergentes e demandas contraditórias, ao lado de gente despolitizada, e não têm qualquer base coerente de organização. Pode até ser vantagem, no caso de campanhas de um só tema, mas pode levar a uma superficialização, de pouca duração, no caso de objetivos mais ambiciosos – destino que parece ter sido o do movimento Occupy.

Todos eles, sem dúvida, foram fortemente influenciados e modelados pelasredes sociais e as redes espontâneas que favorecem e fomentam. Mas há muitos precedentes históricos, de protestos semelhantes de poder popular, e lições importantes de por que, frequentemente, são desbaratados ou levam a resultados muito diferentes dos esperados pelos protagonistas.

Barricadas de La Madelaine - Paris, 1848
Os precedentes mais óbvios são as revoluções europeias de 1848, que também foram dirigidas por reformadores de classe média e traziam a promessa de uma primavera democrática, mas praticamente entraram em colapso em um ano. Imediatamente depois do tumultuoso levante de Paris de 1968, veio uma vitória eleitoral da direita francesa. Os que marcharam pelo socialismo democrático em Berlin Ocidental em 1989 levaram à privatização e a desemprego em massa. As revoluções “coloridas” da década passada, patrocinadas pelo ocidente, usaram os manifestantes para uma encenação, com transferência do poder a oligarcas e elites privilegiadas. 

Os movimentos dos indignados  contra a austeridade na Espanha foram impotentes para impedir a volta da direita e o tombo numa austeridade ainda mais profunda.

Na era do neoliberalismo, quando a elite governante esvaziou a democracia e demonstra que, não importa em quem se vota, o resultado nunca muda, tendem a prosperar movimentos incipientes de protesto. Trazem potências cruciais: podem mudar o estado de ânimo, desfazer políticas e derrubar governos. Mas, sem uma organização enraizada na sociedade e que tenha objetivos políticos claros, podem perder-se e fracassar, ou são muito vulneráveis a sequestros e desvios, pela ação de forças mais arraigadas e mais poderosas.

O mesmo se pode dizer de revoluções, e é o que parece estar acontecendo no Egito. Muitos ativistas entendem que os partidos e movimentos políticos tradicionais seriam supérfluos na era da Internet. Mas esse é argumento para que se criem novas formas de organização política e social. Sem isso, as elites conservarão o controle e o poder, por mais espetaculares que sejam os protestos.

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