Por Jonathan Cook, The Electronic Intifada, 30 de Junho de 2009
A equipe de vigilância da ética médica de Israel não conseguiu investigar a evidência de que médicos que trabalham em casas de detenção naquele país estejam fazendo " vista grossa " a casos de tortura, de acordo com grupos de direitos humanos israelenses. A Associação Médica Israelense ( IMA ) ignorou as repetidas solicitações para que examinasse tal evidência, dizem os grupos de direitos humanos, muito embora tenham sido apresentados exemplos concretos de médicos israelenses que violaram seu dever ético e legal em relação a pacientes palestinos sob seus cuidados. As acusações representarão mais lenha na fogueira acesa por uma campanha levada adiante por centenas de médicos em todo o mundo, com o intuito de obrigar Yoram Blachar, que dirige a IMA, a abandonar seu posto, recém assumido, de presidente da Associação Médica Mundial (WMA ). Mais de 700 médicos assinaram uma petição afirmando que o Dr. Blachar não tem mais legitimidade para permanecer no comando da WMA, a entidade ética que regula a profissão, face à sua comprovada aquiescência à tortura em Israel.
A campanha contra o Dr. Blachar se intensificou após sua nomeação como presidente da entidade em Novembro. Os críticos afirmam que sua alegada cumplicidade com o uso da tortura em prisões israelenses remonta a 1995, quando se tornou dirigente da IMA. Até 1999, quando a alta corte de Israel passou a fazer restrições à tortura, médicos israelenses rotineiramentesupervisionavam o tratamento médico de prisioneiros torturados, em sua maioria palestinos dos territórios ocupados. Durante aquele período, o Dr. Blachar surpreendeu muitos colegas ao expressar, em carta ao The Lancet, jornal médico britânico, sua concordância com o uso de "pressão física moderada" por interrogadores israelenses. A expressão cobre um amplo espectro de práticas, que vão desde espancamentos até a manutenção de prisioneiros amarrados em posições dolorosas como meio de impedir que durmam. É considerada, pelas organizações de direitos humanos, como um eufemismo para a tortura. Apesar da decisão judicial de 1999, uma coalizão de 14 grupos humanos israelenses conhecidos como " Unidos Contra a Tortura " concluiu, em seu último relatório anual, em Novembro passado, que os órgãos de detenção israelenses continuam usando a tortura sistematicamente. Médicos israelenses também continuam a tratar dos ferimentos resultantes dessa prática.
Semana passada, os Médicos pelos Direitos Humanos - Israel (PHR-I) e o Comitê Público contra a Tortura em Israel (PCATI) publicaram um relatório conjunto em que examinaram centenas de casos de detenções nos quais palestinos eram amarrados em posições "contorcidas e desnaturadas", de forma a provocar "dor e humilhação" que se assemelham a tortura. O relatório aponta, ainda, situações em que prisioneiros, incluindo uma mulher grávida e um homem em fase terminal, foram algemados enquanto médicos efetuavam procedimentos de emergência em um hospital. De acordo com o relatório, os médicos violaram a Declaração de Tókio, o código máximo de ética médica adotado pela WMA em 1975, que estabelece o banimento do tratamento desumano, cruel ou humilhante por médicos. Ishai Menuchin, presidente do PCATI, disse que seu grupo vem fazendo uma campanha intensiva contra a cumplicidade de médicos israelenses com a tortura desde 2007, quando o grupo pôs em circulação um relatório denominado "Ticking Bombs", no qual sustentavam que a tortura era rotina em Israel. O PCATI ressaltou o depoimento de 9 palestinos que haviam sido torturados por investigadores. O relatório também informava que, na maioria dos casos, os médicos que cuidavam dos detentos torturados "os enviam de volta para mais rodadas de tortura e permanecem calados". Em Junho do ano passado, o PHR-I exigiu a atenção da IMA para dois casos em que o médico atendente deixou de comunicar sinais de tortura em um palestino. Anat Litvin do PHR-I disse à IMA: " Acreditamos que os médicos são usados pelos torturadores como uma rede de segurança -- retire-os do sistema e se tornará muito mais difícil continuar a torturar." Os grupos intensificaram sua pressão em Fevereiro, ao escreverem para Avinoam Reches, presidente do comitê de ética da IMA, exigindo que sua associação investigasse seis casos de médicos que deixaram de relatar sinais de torturas em pacientes. Em um dos casos, um médico da prisão, sob pressão dos interrogadores, concordou em voltar atrás e desfazer uma recomendação por escrito para que um detento fosse imediatamente hospitalizado para tratamento emergencial.
Reches prometeu instaurar um inquérito mas, no mês passado, os dois grupos de direitos humanos o criticaram por fracassar na investigação de suas reivindicações, acusando-o de ter, simplesmente, mantido conversas "amigáveis e não oficiais", por telefone, com alguns dos médicos envolvidos. "Enviamos`a IMA muitos depoimentos de vítimas de tortura que foram encaminhadas a esses médicos para serem tratados," disse o Dr. Menuchin, "mas a IMA ainda não fez nada a respeito!" Um número significativo de médicos em Israel, de casas de detenção e hospitais públicos, sabem que a tortura continua acontecendo, mas optam por se fazerem de cegos. "Este mês, o Defense for Children International - Palestine Section - emitiu um relatório sobre tortura de crianças palestinas, informando que, em vários casos notificados, médicos israelenses " fecharam os olhos " diante dessas situações. Um menino de 14 anos, que sofreu repetidos golpes em seu braço já quebrado, ao reportar a tortura a um médico, ouviu-o dizer que "não havia nada que eu pudesse fazer a respeito daquilo". O relatório afirma que o grupo não encontrou um único caso em que um adulto, em posição de autoridade, fosse como soldado, médico, oficial do judiciário ou das instituições prisionais, tenha feito qualquer intervenção em defesa de uma criança que fora maltratada.
Os que se manifestam pela destituição do Dr. Blachar da presidência da WMA afirmam que sua inoperância perante a tortura na associação irmã israelense é previsível, dada a posição pública do presidente. Derek Summerfield, do Instituto de Psiquiatria do King's College London, afirmou: " A IMA sob o Dr. Blachar está em conluio com a política de tortura do estado israelense. Seu papel é dar uma face benigna à ocupação. " O Dr. Blachar disse ao "website" israelense Ynet na semana passada que tais críticas foram "caluniosas", afirmando que ele e a IMA denunciaram todas as formas de tortura. A IMA, com nove milhões de membros em mais de 80 países, foi criada em 1947, como resposta às torturas endossadas por médicos alemãs e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Em 2007, a Assembléia Geral da WMA conclamou todos os médicos a documentarem e relatarem todos os casos de suspeita de tortura.
Jonathan Cook é escritor e jornalista baseado em Nazareth, Israel. Seus últimos livros são Israel and the Clash of civilizations: Iraq, Iran and the Plan to Remake the Middle East (Pluto Press) e Disappearing Palestine: Israel's Experiments in Human Despair (Zed Books). Seu "website" é http://www.jkcook.net/. Uma versão deste artigo originalmente surgiu no The National, publicado em Abu Dhabi.
A equipe de vigilância da ética médica de Israel não conseguiu investigar a evidência de que médicos que trabalham em casas de detenção naquele país estejam fazendo " vista grossa " a casos de tortura, de acordo com grupos de direitos humanos israelenses. A Associação Médica Israelense ( IMA ) ignorou as repetidas solicitações para que examinasse tal evidência, dizem os grupos de direitos humanos, muito embora tenham sido apresentados exemplos concretos de médicos israelenses que violaram seu dever ético e legal em relação a pacientes palestinos sob seus cuidados. As acusações representarão mais lenha na fogueira acesa por uma campanha levada adiante por centenas de médicos em todo o mundo, com o intuito de obrigar Yoram Blachar, que dirige a IMA, a abandonar seu posto, recém assumido, de presidente da Associação Médica Mundial (WMA ). Mais de 700 médicos assinaram uma petição afirmando que o Dr. Blachar não tem mais legitimidade para permanecer no comando da WMA, a entidade ética que regula a profissão, face à sua comprovada aquiescência à tortura em Israel.
A campanha contra o Dr. Blachar se intensificou após sua nomeação como presidente da entidade em Novembro. Os críticos afirmam que sua alegada cumplicidade com o uso da tortura em prisões israelenses remonta a 1995, quando se tornou dirigente da IMA. Até 1999, quando a alta corte de Israel passou a fazer restrições à tortura, médicos israelenses rotineiramentesupervisionavam o tratamento médico de prisioneiros torturados, em sua maioria palestinos dos territórios ocupados. Durante aquele período, o Dr. Blachar surpreendeu muitos colegas ao expressar, em carta ao The Lancet, jornal médico britânico, sua concordância com o uso de "pressão física moderada" por interrogadores israelenses. A expressão cobre um amplo espectro de práticas, que vão desde espancamentos até a manutenção de prisioneiros amarrados em posições dolorosas como meio de impedir que durmam. É considerada, pelas organizações de direitos humanos, como um eufemismo para a tortura. Apesar da decisão judicial de 1999, uma coalizão de 14 grupos humanos israelenses conhecidos como " Unidos Contra a Tortura " concluiu, em seu último relatório anual, em Novembro passado, que os órgãos de detenção israelenses continuam usando a tortura sistematicamente. Médicos israelenses também continuam a tratar dos ferimentos resultantes dessa prática.
Semana passada, os Médicos pelos Direitos Humanos - Israel (PHR-I) e o Comitê Público contra a Tortura em Israel (PCATI) publicaram um relatório conjunto em que examinaram centenas de casos de detenções nos quais palestinos eram amarrados em posições "contorcidas e desnaturadas", de forma a provocar "dor e humilhação" que se assemelham a tortura. O relatório aponta, ainda, situações em que prisioneiros, incluindo uma mulher grávida e um homem em fase terminal, foram algemados enquanto médicos efetuavam procedimentos de emergência em um hospital. De acordo com o relatório, os médicos violaram a Declaração de Tókio, o código máximo de ética médica adotado pela WMA em 1975, que estabelece o banimento do tratamento desumano, cruel ou humilhante por médicos. Ishai Menuchin, presidente do PCATI, disse que seu grupo vem fazendo uma campanha intensiva contra a cumplicidade de médicos israelenses com a tortura desde 2007, quando o grupo pôs em circulação um relatório denominado "Ticking Bombs", no qual sustentavam que a tortura era rotina em Israel. O PCATI ressaltou o depoimento de 9 palestinos que haviam sido torturados por investigadores. O relatório também informava que, na maioria dos casos, os médicos que cuidavam dos detentos torturados "os enviam de volta para mais rodadas de tortura e permanecem calados". Em Junho do ano passado, o PHR-I exigiu a atenção da IMA para dois casos em que o médico atendente deixou de comunicar sinais de tortura em um palestino. Anat Litvin do PHR-I disse à IMA: " Acreditamos que os médicos são usados pelos torturadores como uma rede de segurança -- retire-os do sistema e se tornará muito mais difícil continuar a torturar." Os grupos intensificaram sua pressão em Fevereiro, ao escreverem para Avinoam Reches, presidente do comitê de ética da IMA, exigindo que sua associação investigasse seis casos de médicos que deixaram de relatar sinais de torturas em pacientes. Em um dos casos, um médico da prisão, sob pressão dos interrogadores, concordou em voltar atrás e desfazer uma recomendação por escrito para que um detento fosse imediatamente hospitalizado para tratamento emergencial.
Reches prometeu instaurar um inquérito mas, no mês passado, os dois grupos de direitos humanos o criticaram por fracassar na investigação de suas reivindicações, acusando-o de ter, simplesmente, mantido conversas "amigáveis e não oficiais", por telefone, com alguns dos médicos envolvidos. "Enviamos`a IMA muitos depoimentos de vítimas de tortura que foram encaminhadas a esses médicos para serem tratados," disse o Dr. Menuchin, "mas a IMA ainda não fez nada a respeito!" Um número significativo de médicos em Israel, de casas de detenção e hospitais públicos, sabem que a tortura continua acontecendo, mas optam por se fazerem de cegos. "Este mês, o Defense for Children International - Palestine Section - emitiu um relatório sobre tortura de crianças palestinas, informando que, em vários casos notificados, médicos israelenses " fecharam os olhos " diante dessas situações. Um menino de 14 anos, que sofreu repetidos golpes em seu braço já quebrado, ao reportar a tortura a um médico, ouviu-o dizer que "não havia nada que eu pudesse fazer a respeito daquilo". O relatório afirma que o grupo não encontrou um único caso em que um adulto, em posição de autoridade, fosse como soldado, médico, oficial do judiciário ou das instituições prisionais, tenha feito qualquer intervenção em defesa de uma criança que fora maltratada.
Os que se manifestam pela destituição do Dr. Blachar da presidência da WMA afirmam que sua inoperância perante a tortura na associação irmã israelense é previsível, dada a posição pública do presidente. Derek Summerfield, do Instituto de Psiquiatria do King's College London, afirmou: " A IMA sob o Dr. Blachar está em conluio com a política de tortura do estado israelense. Seu papel é dar uma face benigna à ocupação. " O Dr. Blachar disse ao "website" israelense Ynet na semana passada que tais críticas foram "caluniosas", afirmando que ele e a IMA denunciaram todas as formas de tortura. A IMA, com nove milhões de membros em mais de 80 países, foi criada em 1947, como resposta às torturas endossadas por médicos alemãs e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Em 2007, a Assembléia Geral da WMA conclamou todos os médicos a documentarem e relatarem todos os casos de suspeita de tortura.
Jonathan Cook é escritor e jornalista baseado em Nazareth, Israel. Seus últimos livros são Israel and the Clash of civilizations: Iraq, Iran and the Plan to Remake the Middle East (Pluto Press) e Disappearing Palestine: Israel's Experiments in Human Despair (Zed Books). Seu "website" é http://www.jkcook.net/. Uma versão deste artigo originalmente surgiu no The National, publicado em Abu Dhabi.
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