segunda-feira, 11 de maio de 2009

A outra crise em Gaza


por Michelle Amaral da Silva
7/05/2009

Inúmeras plantações de frutas desapareceram da faixa de Gaza, e fazendas inteiras foram destruídas.
Os restos das milhares de casas destruídas espalham amianto no ar, enquanto a infra-estrutura dilapidada lança esgoto no mar Mediterrâneo. A profunda crise ambiental que a Gaza sitiada já sofria foi agravada pela última guerra. Ao longo de toda a Operação Chumbo Derretido, que durou três semanas, Israel atacou quase toda a infra-estrutura deste território costeiro. Casas, comércios, fábricas, redes elétricas, sistemas de distribuição de água e unidades de tratamento de esgoto foram reduzidos a montanhas de escombro.
Uma avaliação preliminar do dano ambiental e da infra-estrutura, elaborada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) indica que o ataque israelense, além de exarcebar as dificuldades já existentes em Gaza, criou novas ao contaminar tanto a terra como os ambientes urbanos, deixando uma pilha de escombros sem precedentes. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) anunciou no mês passado que enviaria uma equipe de especialistas à faixa de Gaza neste mês para avaliar as principais ameaças à população.
Antes da guerra, a infra-estrutura local estava paralisada devido a três anos de sanções e mais 18 meses de bloqueio conjunto egípicio-israelense que proibia a importação de todos os bens “essenciais”. Muitas áreas de Gaza, particularmente os crescentes acampamentos de refugiados, careciam de sistemas de saneamento. Onde existiam, não havia geradores ou eletricidade relacionada. A proibição de importar materiais para sua manutenção, como cimento, aço e tubulações, os condenava ao mau estado perpétuo.
Um informe divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários apenas 10 dias antes do início da Operação Chumbo Derretido indicava que pelo menos 80% da água fornecida em Gaza “não atendia aos padrões da Organização Mundial da Saúde para ser bebida”. A “muito necessária manutenção é impedida por falta de tubulações, peças e materiais de construção. A degradação resultante do sistema impõe um grande risco sanitário público”, diz o documento.
As restrições aos bens e aos materiais deixaram pelo menos 70% da terra agrícola de Gaza sem irrigação, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), enquanto as autoridades foram obrigadas a lançar aproximadamente 70 milhões de litros de esgoto ao mar diariamente. A escassez de combustível faz com que a coleta de lixo não seja freqüente, no melhor dos casos.
Durante o ataque, os projeteis israelenses afetaram os já frágeis sistemas de saneamento e tratamento de água, fazendo com que a água potável e a contaminada se misturassem nas áreas mais populosas de Gaza. Os tanques israelenses prejudicaram a maior estação de tratamento de água da região, na área de Sheikh Aljeen, fazendo com que o esgoto agora seja lançado diretamente na vizinhança, em fazendas e no mar. Quarenta por cento dos tanques de água nos tetos das casas de Kahn Younis foram danificados ou destruídos, e quatro poços ficaram completamente arruinados na cidade de Gaza, em Beit Hanoun e em Jabaliya, segundo o grupo Água, Saneamento e Higiene (Wash), que trabalha vinculado ao Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas.
“Depois da guerra, o maior impacto se sente nas áreas setentrionais de Gaza, onde a maioria das redes de água foi destruída”, disse Najla Shawa, a chefe de informação da Wash. “Em Kahn Younis também, onde apenas 30% contam como rede de saneamento”, acrescentou. Dez milhões de litros de esgoto são lançados mais do que antes da guerra no mar Mediterrâneo, afirmou Wash, ameaçando a vida marinha na costa de Gaza. Os mísseis israelenses também afetaram fábricas em áreas urbanas residenciais e rurais, liberando substâncias químicas potencialmente tóxicas tanto no ar quanto no solo. As pilhas de escombros que continuam marcando a paisagem de Gaza conteriam grandes quantidades de amianto, uma fibra mineral cancerígena usada comumente na construção civil.
“O lixo da demolição criada pelas últimas hostilidades contêm potenciais materiais de risco, como o amianto”, disse à IPS em conversa telefônica desde Genebra um representante do escritório de Pós-conflito e Administração de Desastres do Pnuma. “Os altos níveis de exposição ao amianto estão vinculados com o câncer de pulmão”, afirmou. Mais de 20 mil edifícios e cinco mil casas foram destruídos, segundo autoridades locais. Aproximadamente 600 mil toneladas métricas de escombros ainda devem ser retiradas.
Em fevereiro, estudos sobre mostras do solo de Gaza concluíram que havia fósforo branco. A pesquisa foi feita pela Universidade Técnica Yildiz, de Istambul, na Turquia. O solo de Gaza será afetado no longo prazo pelo uso por parte de Israel de fósforo branco na guerra, disse Sameera Rifai, representante da União Internacional para a Conservação da Natureza nos Territórios Palestinos Ocupados. “O solo da terra agrícola agora está contaminado pelas armas israelenses, particularmente o fósforo branco”, disse Rifai à IPS. Esta substância é um agente químico incendiário, e pode permanecer inalterado nos sedimentos do solo e nos corpos dos peixes por muitos anos, segundo a Agência para o Registro de Enfermidades e Substancias Tóxicas dos Estados Unidos. IPS/Envolverde
* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org/).

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