segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O fórum dos palestinos


Por Soraya Misleh


Realizado de 27 de janeiro a 1º de fevereiro, o Fórum Social Mundial desta vez foi dos indígenas, dos quilombolas, dos defensores da Amazônia, mas também dos palestinos. Organizações de mulheres, de trabalhadores, dos sem-terra e muitas outras incluíram a questão palestina em suas atividades. A despeito de dificuldades estruturais enfrentadas durante o fórum e da desconexão entre as iniciativas, os defensores dessa causa universal buscaram dar a essa luta o caráter amplo que tem, emplacando o lema "Somos todos palestinos".

Reunindo, conforme divulgado pelos organizadores, 135 mil participantes de diversas partes do mundo, o FSM tentou desta vez responder a antigo questionamento acerca de seu papel: firmado como um espaço de convergência e debates das lutas, não deveria, contudo, definir e extrair propostas concretas? Com esse mote, além de importante ponto de encontro da diversidade global, procurou concentrar no último dia os resultados das plenárias e reuniões específicas realizadas pelos vários movimentos em uma grande assembléia geral. Em favor dos palestinos, saíram algumas resoluções e linhas de ação. A principal delas é a definição do 30 de março como dia de solidariedade a esse povo que vive sob ocupação israelense há mais de 60 anos. A data integra calendário da Jornada Mundial de Luta contra a Crise e contra as Guerras, que ocorrerá de 28 de março a 4 de abril – conforme decisão dos participantes do FSM. Além de o período incluir o Dia da Terra palestino (30), dois outros fatos foram determinantes para sua escolha: a realização em Londres da reunião do G-20 – grupo das 20 principais economias mundiais – no dia 2 de abril, em que se discutirá o sistema financeiro internacional; e a passagem dos 60 anos de fundação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 4 do mesmo mês. Criada em 1949, no início da Guerra Fria, sempre teve sua trajetória marcada por forte influência estadunidense. Na história recente, preocupa a ampliação de suas ações militaristas em especial no Afeganistão e no Iraque. Três datas, portanto, dignas dos protestos mundiais que os movimentos sociais querem gestar a partir do FSM.

Campanha por BDSN

O dia 30, além de botar o "bloco na rua", os ativistas terão a responsabilidade de lançar e fortalecer as campanhas pelo julgamento de Israel por crimes contra a humanidade e por BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) à potência ocupante. E, no caso brasileiro, contra a ratificação pelo Congresso Nacional do TLC (Tratado de Livre Comércio) entre o Estado sionista e o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Esse acordo já foi assinado pelos países integrantes desse bloco e chegou ao Parlamento brasileiro em 24 de outubro último. A luta agora é para barrar sua aprovação nesse espaço. Tal aval legitimaria a ocupação em curso. Inclusive porque o TLC abrangeria produtos de assentamentos ilegalmente instalados em territórios palestinos. Também não se pode admitir que qualquer governo firme tratado com um estado que desrespeita os direitos humanos e todas as convenções e leis internacionais, como é o caso de Israel, destacaram durante o FSM ativistas como Jamal Juma, do Stop the Wall. Segundo ele, desde as décadas de 70 e 80, a América Latina é das que mais dão apoio à luta pela independência dos palestinos. "Não dá para imaginar o Mercosul assinando esse TLC", complementou.

Quanto à campanha por BDS, atende a apelo feito pela sociedade civil palestina inicialmente em 2005, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. O primeiro chamado, disse o ativista, resultou na adesão de 171 representantes de todos os partidos e forças políticas palestinas, além de cidadãos na diáspora. Reafirmado nos anos seguintes, culminou com a formação de um comitê nacional, intitulado BNC (Palestinian Boycott, Divestment and Sanctions National Committee). Esse é composto, de acordo com Juma, por 17 entidades representativas que atuam na Palestina. Portanto, constitui-se em espaço amplo de unidade no território ocupado da Cisjordânia. Assim, tem se tornado referência às lutas dos movimentos sociais ao redor do mundo. A campanha inclui, como explicou Juma, o boicote a produtos israelenses; o desinvestimento por parte de governos e instituições diversas, com o rompimento de contratos e acordos com empresas e mesmo universidades que apoiem a investida sionista; e sanções aos crimes contra a humanidade cometidos pela ocupação, a exemplo dos massacres ocorridos recentemente em Gaza.

Boicotar produtos de Israel, para os palestinos, não é novidade. A iniciativa antecede a nakba (catástrofe), como é designada a criação do Estado de Israel em 1948 por esses árabes. Juma especificou: "Começou na mesma época que na Índia (a partir dos anos 20, quando o líder Gandhi, na luta pela independência daquele país, iniciou uma campanha contra produtos ingleses, a qual inspirou ação semelhante que pôs fim à apartheid na África do Sul)." Agora, a expectativa é que ganhe o mundo. Afinal, como denunciou Juma, a segregação não foi deixada de lado no século XXI. Pelo contrário. Na Palestina, afirmou, esse sistema continua a se expandir. "Além dos assentamentos, de estradas exclusivas israelenses, o muro da apartheid (no território ocupado da Cisjordânia) é três vezes maior do que o de Berlim. Tem nove metros de altura e 700km de extensão." Nessa luta, o desafio será ainda vencer a guerra no campo midiático, que tem garantido aprovação da imensa maioria da população de Israel – 96% – às investidas criminosas do exército sionista, como a recente em Gaza.O Dia da TerraA data marca homenagem à resistência de palestinos que protestavam contra a ocupação de suas terras por Israel na Galiléia, no dia 30 de março de 1976. O exército israelense reprimiu violentamente a manifestação, atingindo de forma indiscriminada homens, mulheres e crianças. Como resultado, seis palestinos foram assassinados e centenas deles ficaram feridos ou foram presos.O Dia da Terra é simbolizado pela oliveira, árvore típica da costa mediterrânea, onde se situa o território ocupado. Por ocasião da sua passagem, neste ano, ativistas de todo o mundo ecoarão as vozes dos palestinos, por justiça.

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