sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A excepcionalidade às avessas de Israel

por Shahid Alam M. Shahid Alam, Dissident Voice, 10/2/2009

M. Shahid Alam é professor de Economia na Northeastern University.

É autor de Challenging the New Orientalism (2007). Recebe e-mails em alqalam02760@yahoo.com


Os que criticam o sionismo e Israel – inclusive alguns israelenses – têm chamado atenção para o conceito de excepcionalismo às avessas, que ajuda a ver uma Israel aberrante, que viola normas e leis internacionais e continua praticamente impune; que pratica abuso sistemático de Direitos Humanos; que inventa guerras quando bem entende; e que expandiu seu território mediante guerra de conquista. Não cabe aqui uma lista exaustiva desses traços da excepcionalidade às avessas de Israel, mas podem-se anotar alguns, que mais chamam atenção.

Como poder colonizador, Israel não é única, na história da expansão européia além-mar: mas é única, sim, nos séculos 20 e 21. Desde o século 16, os europeus implantam colônias de exclusão na América, Austrália, Nova Zelândia – dentre outros locais –, onde colonos brancos deslocaram e em vários casos exterminaram populações nativas, para recriar sociedades à imagem do mundo europeu que os colonizadores abandonaram. Ao final do século 19, contudo, esse expansionismo europeu genocida já estava perdendo força, em grande parte porque restavam no planeta poucas sociedades neolíticas sobreviventes, que os colonos brancos pudessem exterminar facilmente. Na África e na Ásia tropicais, o clima e os agentes patogênicos não pareceram atraentes aos colonos europeus.

A decisão dos sionistas, em 1897, de estabelecer um Estado colonial de exclusão na Palestina, foi uma excepcionalidade, na direção oposta àquela tendência histórica. Em 1948, cerca de 50 anos depois, judeus europeus colonizadores criariam ainda o único Estado, no século 20, constituído por princípios de conquista e limpeza étnica. Israel também é o único Estado colonial de exclusão que europeus modernos instalaram, não no novo, mas no Velho Mundo.

Em Israel, além do mais, o colonialismo de exclusão não tem qualquer raiz histórica no passado dos judeus. Depois da vitória na guerra de junho de 1967, os israelenses decidiram ampliar seu projeto colonial e acrescentar os territórios da Cisjordânia, de Gaza, do Sinai e as colinas de Golan. Em tempos mais recentes, o ímpeto de limpeza étnica massiva contra os palestinos nativos dos 'Territórios Ocupados' – e também dentro da fronteiras israelenses de antes de 1967 – extrapolou os setores extremistas da direita israelense e passou a ser tendência dominante na política de Israel.

Muito provavelmente, Israel é o único Estado, no planeta, que insiste em definir a cidadania sem qualquer referência ao território e à geografia.

Por um lado, Israel continua a negar aos refugiados o direito de retornarem – e nega, portanto, direitos de cidadania a milhões de palestinos, os quais (os que vivam hoje e seus pais e avós e parentes mortos) foram expulsos de seus territórios nativos em duas grandes ondas de limpeza étnica, desde 1948. Ao mesmo tempo, por efeito da "Lei do Retorno", Israel garante cidadania instantânea e automática a judeus, filhos de judeus e judeus conversos.

Nos termos dessa lei, como resume Mazin Qumsiyeh, "nenhum judeu 'emigra' para Israel: os judeus (inclusive os conversos) 'retornam' (o que explica o nome da lei)." Não bastasse, os judeus 'retornados' recebem apoio generoso do Estado, a partir do momento em que pisam em Israel. Em palavras claras, Israel inverteu os direitos de residência e cidadania internacionalmente reconhecidos; e nega esses direitos aos que os têm por nascimento e territorialidade, ao mesmo tempo em que os dá generosamente a quem os reclame baseado em mitos religiosos.

Nos anos recentes, cada vez mais se ouvem denúncias contra Israel por praticar discriminação legal contra os palestinos. Essa discriminação é ampla, geral e irrestrita nos 'Territórios Ocupados' nos quais Israel constrói colônias só para judeus, interligadas com o território israelense de antes de 1967 por estradas segregacionistas exclusivas para judeus.

Desde junho de 1967, os palestinos que vivem nesses territórios têm sofrido sob regime de ocupação militar, que dá menos atenção aos direitos humanos que o regime do apartheid sul-africano.

Recentemente, um ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, teve a coragem de denunciar o regime de apartheid nos 'Territórios Ocupados' no título de livro, Palestine: Peace not apartheid. Imediatamente a mídia dominante nos EUA – controlada por censores sionistas – pôs-se a atacar selvagemente o presidente Carter por ter pronunciado a palavra impronunciável. Não poucas carreiras políticas e acadêmicas, nos EUA, tiveram vida curta e fim rápido por menos que isso. Mas Jimmy Carter, ex-presidente e octogenário, tinha pouco a perder e nada perdeu.

Mas também dentro das fronteiras de 1967, Israel alocou direitos por critérios raciais e étnicos. Antes de 1966, os palestinos em Israel eram governados por lei marcial, que limitava gravemente seus direitos civis e políticos, inclusive o direito de ir e vir, de ter jornais, de organizar manifestações públicas e de constituir partidos políticos.

Desde a fundação, Israel mantém atrelados os critérios de etnicidade e de políticas para migrantes. Pela lei israelense, a terra é propriedade do povo judeu; o direito de propriedade é gerido, em nome do povo judeu, por um "Jewish National Fund" (JNF), organização para-governamental. Israel nacionalizou todas as terras dos palestinos expulsos em 1948 e, dali em diante, continua a expropriar propriedade dos palestinos mediante várias medidas arbitrárias. Resultado disso, o JNF é proprietário, hoje, de 93% de toda a terra de Israel conforme a lei de antes de 1967. Pois mesmo assim, apesar da ousadia, o presidente Carter não se atreveu a denunciar o regime de apartheid também na Israel de antes de 1967.

Israel é o único país do mundo que se recusa a demarcar as próprias fronteiras. As fronteiras de facto andam de um lado para outro com frequência impressionante. Primeiro, a linha do armistício de 1948 demarcou as fronteiras de Israel; mas depois a fronteira foi 'empurrada' para adiante, em 1956, 1967 e 1982 – sempre por ação de guerra, conquista e ocupação. Raras vezes Israel teve de retirar-se de território ocupado militarmente: retirou-se do Sinai em 1957, outra vez do Sinai em 1978, do sul do Líbano em maio de 2000 e outra vez do sul do Líbano em agosto de 2006. Além disso, desde o Acordo de Oslo de 1993, Israel demarcou um novo conjunto de 'fronteiras' internas, dentro da Cisjordânia, para conter e neutralizar a resistência palestina, num conjunto regulado de bantustões.

Se Israel ainda não alcançou nem ultrapassou as fronteiras do mítico reino de Davi, não foi por falta de ambição. A barreira é demográfica. Para avançar além das fronteiras atuais, Israel precisa de maior número de colonos judeus interessados em correr os riscos da colonização. Felizmente para os árabes, não há grande oferta de colonos hoje no mundo – o suprimento é hoje tão pequeno quanto já foi, antes da ascensão dos nazistas na Alemanha.

Se Israel tivesse conseguido atrair 5 milhões de colonos judeus depois de 1967, o Sinai estaria até hoje sob ocupação; e as fronteiras israelenses teriam avançado, no norte, até o rio Litani e, rumo leste, teriam ultrapassado o rio Jordão. Sorte dos árabes. O expansionismo israelense foi contido pelos baixos números da demografia dos judeus. Isso pode mudar depressa, contudo, se Israel decidir suavizar as exigências para a conversão ao judaísmo. Milhões de judeus conversos, de todos os países pobres do mundo, atraídos pela promessa de uma 'vida melhor', poderiam, então criar ondas gigantescas de migração, interessados nas vantagens da "Lei do Retorno".

Artigo original, em inglês, em:

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