segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Os agressores, são agora os responsáveis pela “soberania” da Líbia

 
Na Conferência de Berlim, o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, pediu “o fim da interferência estrangeira na Líbia, o embargo de armas e um cessar-fogo duradouro”. O mesmo fizeram a França, o Reino Unido e a Itália, os mesmos países que há nove anos formavam, juntamente, com os Estados Unidos,  a ponta de lança da guerra OTAN contra a Líbia.
Antes tinham armado contra o governo de Trípoli, setores tribais e grupos islâmicos, e infiltrado forças especiais entre as quais, milhares de comandos do Catar. Em seguida, declarando que queriam imobilizar Kadafi, o “carrasco do seu povo”, foi lançada a operação de guerra sob comando dos Estados Unidos. Em sete meses, a aviação da OTAN efetuou 30 mil missões, das quais 10 mil de ataque com mais de 40 mil bombas e mísseis. A Itália colocou à disposição da OTAN, 7 bases aéreas e empreendeu com os seus caça-bombardeiros, mais de 1.000 missões na Líbia.
Foi demolido, assim, aquele Estado que, na costa sul do Mediterrâneo, registava “níveis elevados de crescimento econômico e indícios avultados de desenvolvimento humano” (como documentado em 2010 pelo próprio Banco Mundial), onde encontravam trabalho cerca de dois milhões de imigrantes africanos.     Assim, foi demolido o projeto da Líbia de criar, com os seus fundos soberanos, organismos econômicos independentes da União Africana.
Os EUA e a França concordaram em bloquear com a guerra o plano líbio de criar uma moeda africana, em alternativa ao dólar e ao franco CFA imposto a 14 antigas colônias africanas: provam-no os emails da Secretária de Estado, Hillary Clinton, trazidos à luz pelo WikiLeaks ( “Crime” pelo qual Julian Assange está detido numa prisão britânica e arrisca, se for extraditado para os EUA, desde a prisão perpétua até à pena de morte).
Os fundos soberanos, cerca de 150 bilhões de dólares investidos no estranjeiro pelo Estado líbio e “congelados” na véspera da guerra, estão em grande parte desaparecidos. Dos 16 bilhões de euros líbios bloqueados pelo Euroclear Bank, desapareceram 10 bilhões e o mesmo aconteceu noutros bancos da União Europeia (UE).
Agora, a UE, como declarou na Conferência de Berlim, está empenhada em dotar a Líbia da “capacidade de construir instituições nacionais, como a Companhia Petrolífera, o Banco Central e a Autoridade para os Investimentos”. Tudo no âmbito das “reformas econômicas estruturais”, ou seja, da privatização das empresas públicas. Dessa forma, pretende-se legalizar o sistema atual, segundo o qual as entradas da exportação de energia, estimadas em mais de 20 bilhões de dólares em 2019, são divididas entre grupos de poder e multinacionais. Além das reservas petrolíferas (a maior da África) e do gás natural, existe o imenso aquífero núbio de água fóssil, em perspectiva mais preciosa do que o petróleo, que o Estado líbio começou a usar transportando água através de condutas de 1.300 poços no deserto, para as cidades costeiras.
Está em jogo o controle do mesmo território líbio de grande importância geoestratégica: recorde-se que, em 1954, os EUA instalaram a Wheelus Field nos arredores de Trípoli, a sua principal base aérea no Mediterrâneo, com caça-bombardeiros também armados com bombas nucleares.
Um dos principais objetivos da política russa de hoje é, certamente, impedir a instalação de bases militares USA/OTAN na Líbia. De qualquer forma, a OTAN, convidada de pedra na Conferência de Berlim, continuará a desempenhar um papel de primeiro plano na situação da Líbia, em particular através da base de Sigonella. Uma eventual “missão de paz” da União Europeia na Líbia, veria a participação dos países da OTAN, que usariam, de fato, os serviços secretos/inteligência, a rede de telecomunicações e o apoio logístico da Aliança, sob comando USA. No entanto, existe a  máxima garantia: em Berlim, os USA e a União Europeia comprometeram-se, solenemente, a “continuar a apoiar fortemente a soberania da Líbia”.
Manlio Dinucci

Artigo original em italiano :
il manifesto, 21 de Janeiro de 2020
Tradutora : Maria Luísa de Vasconcellos

Nenhum comentário:

Postar um comentário