Foto: Em 2008, uma mulher iraquiana passa ao lado de um soldado britânico e de um veículo militar com um cartaz com um dólar impresso em que está escrito em árabe “Podes conseguir algum dinheiro em troca de alguma informação”. Foto de Essam al-Sudani/AFP/Getty Images.
Uma década depois da invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos, a destruição causada pela ocupação estrangeira e pelo regime resultante teve um impacto amplo sobre o cotidiano dos iraquianos – o exemplo mais alarmante disto é a violência contra as mulheres. Ao mesmo tempo, a política do regime sectário em vestes religiosas está a levar as mulheres a perderem os seus direitos que tinham ganho com muito esforço: o emprego, a liberdade de movimento, o casamento civil, os benefícios sociais e o direito à educação e à saúde.
Apesar disto, as mulheres tentam sobreviver e procuram proteção para si e para as suas famílias. Mas, para muitas mulheres, a violência que enfrentam provem da mesma instituição que deveria garantir a sua segurança – o Governo. Os altos funcionários do regime iraquiano fazem eco das mesmas negações que as autoridades de ocupação britânicas e americanas, afirmam que existem muito poucas mulheres iraquianas detidas ou nenhuma mesmo. Uma quantidade cada vez maior de organizações de direitos humanos internacionais e iraquianas dão conta de uma realidade bem diferente.
A difícil situação que as mulheres iraquianas detidas atravessam foi o ponto de partida para os protestos generalizados que se fizeram sentir em muitas províncias iraquianas desde 25 de dezembro de 2012. O tratamento que as mulheres receberam por parte das forças de segurança é uma ferida aberta que permanece rodeada de secretismo, especialmente desde 2003. Têm ocorrido detenções rotineiras de mulheres como reféns – uma tática para obrigar os seus homens a se renderem às forças de segurança, ou a confessarem crimes que lhes são imputados. Nos cartazes e painéis levados por milhares de manifestantes vêm-se as fotografias de mulheres encarceradas que pedem justiça.
Segundo o deputado iraquiano Mohamed al-Dainy, entre 2003 e 2007 ocorreram 1053 casos de violações documentadas, cometidas por soldados da coligação e forças iraquianas. Os advogados que defenderam as mulheres detidas afirmam que as práticas de detenção britânicas entre 2003 e 2008 incluíram assassínios ilegais, agressões, dissimulações, privação do sono, nudez forçada e a humilhações sexuais que em muitos casos afetaram mulheres e crianças. Os advogados das detidas afirmam que os abusos eram endêmicos decorrentes do “sistema, controlo, cultura e treino” do exército britânico
Estas mesmas forças de ocupação deram instrução às forças iraquianas. Muitas vezes ocorreram abusos sob a supervisão de comandantes norte-americanos que não estavam dispostos a intervir, como anunciou o Washington Post:
“De todo o derramamento de sangue no Iraque, nada pode ser mais perturbador que a campanha de tortura e assassinato levada a cabo pelas forças de polícia treinadas pelos Estados Unidos da América”
No período que se seguiu a Abu Ghraib os prisioneiros foram entregues às forças iraquianas. Isto permitiu-lhes torturá-los, enquanto as forças de coligação poderiam negar qualquer responsabilidade.
Hoje o Iraque pode orgulhar-se de ter uma das mais altas taxas de execução de sentença de morte do mundo. Num único dia, 19 de janeiro de 2012, 34 pessoas foram executadas, incluindo duas mulheres.
O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, [1] considerou esse acontecimento como chocante:“Dada a falta de transparência nos processos judiciais, as principais preocupações sobre o processo e a justiça dos julgamentos, e a ampla gama de crimes para os quais a pena de morte pode ser imposta no Iraque.”
Não é de estranhar que dez anos depois da invasão a organização sediada nos EUA, Humans Rights Watch, tenha acusado as autoridades iraquianas de “violar com impunidade os direitos dos cidadãos iraquianos mais vulneráveis, especialmente as mulheres e os presos”. Este parecer da HRW é confirmado pelo comité de direitos humanos e da mulher, família e crianças do próprio parlamento iraquiano que concluiu que existem 1030 mulheres iraquianas detidas que estão sujeitas a abusos generalizados, entres eles ameaças de violação.
Em resposta a estas acusações o Primeiro-ministro Nouri al-Maliki ameaçou “deter aqueles membros do parlamento que tenham falado de violência contra as mulheres detidas”. Entretanto, o vice-Primeiro Ministro Hussain al-Shahristani reconheceu que existem 13000 presos sob custódia por ofensas terroristas, porém só de passagem fez menção às mulheres detidas:
“Transferimos todas as detidas para prisões nas suas províncias de origem”.
Estas declarações de Al-Shahristani são apenas mais uma na longa lista de declarações contraditórias e equivocadas feitas pelos mais altos dirigentes do regime, desde a declaração de al-Maliki, que afirmou que “há apenas um punhado de mulheres terroristas”, desde a sua promessa contraditório de que iria perdoar todas as “prisioneiras detidas sem mandado judicial ou em vez de um parente do sexo masculino que tinha cometido um crime”. A esta declaração seguiu-se um desfile de nove mulheres vestidas de preto, dos pés à cabeça, no canal oficial do Estado, al-Iraqiya, como um gesto da “boa vontade” do regime.
Os ativistas e as organizações de direitos humanos iraquianas calculam que existam cerca de 5 000 mulheres encarceradas. A verdade vai-se sabendo pouco a pouco. Há umas semanas foram libertadas 168 presas e foi prometido que seriam libertadas mais 32. Porém ninguém foi levado à justiça com acusação de tortura, violação ou de abusos.
Era suposto isto tudo não ser assim. Foi o que prometeram às mulheres iraquianas.
Depois da invasão do Iraque criou-se um sistema de cotas para garantir que pelo menos 25 % dos membros do Parlamento eram mulheres. Na altura esta medida foi aplaudida como uma grande conquista do “Novo Iraque”, pois no regime do partido Baas a representação feminina era de apenas 8%. Porém esta estatística simbólica tem servido com frequência para encobrir os crimes do regime contra as mulheres.
Na realidade desde que a lei de cotas foi aprovada o Governo de al-Maliki tem renunciado a cota estabelecida para os postos do Governo: dos 44 ministérios só há uma ministra. Mas mesmo esta nomeação contém uma ironia cruel: o ministra dos Assuntos das Mulheres, al-Zaidi Ibtihal não hesita em afirmar:
“Sou contra a igualdade entre homens e mulheres. Se as mulheres fossem iguais aos homens, elas iriam perder muito”
O que talvez seja menos surpreendente é o facto de muitas organizações de mulheres tenham pedido o fim do ministério para os Assuntos das Mulheres depois da ministra ter adotado uma postura contra os direitos das mulheres em vez de se debater em favor destes.
Os direitos humanos, incluindo os das mulheres, são a prova decisiva da democracia. As declarações dos altos cargos iraquianos, incluindo as do Primeiro-ministro, demonstram que – contrariamente ao que muitos iraquianos haviam esperado – na realidade os “libertadores” estabeleceram as condições para que a injustiça continue. E isto, por sua vez, dá origem ao extremismo.
[1] Ver “O Iraque anunciou 21 execuções num só dia”, http://www.rebelion.org/noticia.php?id=163404
De: Haifa Zangana
http://www.globalresearch.ca/para-as-mulheres-iraquianas-a-promessa-dos-eua-de-democracia-e-tudo-menos-liberdade/5327273
Traduzido para Global Research por Filipe T. Moreira
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