segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A hora mais escura* no Mali


26/1/2013, Pepe EscobarAsia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Booooooooooooom-dia, Vietnã! [1] Epa! Não, desculpem. O poço de areia movediça & beco-sem-saída agora é outro.

A trilha sonora, daquela vez, foi Hendrix, Jefferson Airplane, Motown e Stax. Agora é Booooooooooooom-dia, Mali! E a trilha sonora bem poderia ser alguma coisa tão transcendental quanto Dounia [2], de Rokia Traore, ou tão deliciosamente psicodélico quando Amadou e Mariam em Dimanche à Bamako. [3] Mas a coisa é muito mais ameaçadora. Algo como – inescapável – Hendrix emMachine Gun[4]

timing – no momento de expansão da Guerra Global ao Terror – é tudo. A vingança contra o que foi feito à Líbia, cuidadosamente coreografada para o Sahel, não poderia ser substituto melhor para a gigantesca bandeira de rendição que a OTAN está levantando no Afeganistão. Não há mais Boooooooooooooooom-dia, Cabul! E começou a triste contagem regressiva para ver o último helicóptero da OTAN fugindo de Bagram ao estilo Saigon-1975.

Kalashnikov AK-104s
The Economist – a voz da City de Londres – já está até promovendo um “Afriganistão”. Claro. Há nuances. No Afeganistão, quem chutou a bunda da OTAN foi grupo sortido de várias facções pashtuns, reunidas como se fossem “os Talibã”. Mas a OTAN “venceu” na Líbia. Como era de prever, a brigada islamista que atacou no complexo de extração de gás em In Amenas no deserto da Argélia, portava Kalashnikov AK-104s, mísseis F5, morteiros 60 mm, tudo distribuído ali pela OTAN. E – um toque a mais à moda CCGOTAN – vestiam os uniformes camuflados “pastilha de chocolate” que o Qatar distribuiu aos rebeldes da OTAN na Líbia (beges, com manchas marrons). O que mais falta? Aparecerem na capa de Uomo Vogue?

Sou o bicho bicho-papão de vocês

Inevitavelmente, o bicho-papão sempre à mão – a al-Qaeda – voltou à moda, com toda a nuvem de grupos e subgrupos de jihadistas salafistas promovidos pelo trio francês-anglo-USAmericano como fonte de todo o mal no norte da África (menos na Líbia, onde eram elogiados como “combatentes da liberdade”).

Mokhtar Belmokhtar
Mokhtar Belmokhtar, um dos membros fundadores da al-Qaeda no Maghreb Islâmico [orig. al-Qaeda in the Islamic Maghreb(AQIM)], é, para todas as finalidades práticas,remix facilmente deglutível de Osama bin Laden. Belmokhtar foi um clássico “afegão árabe” – parte daquela legião multinacional treinada pelo eixo CIA/ISI para combater os soviéticos no Afeganistão dos anos 1980s. Ao voltar à Argélia em 1993, uniu-se à jihad local como parte do Grupo Salafista para Oração e Combate [orig. Salafi Group for Preaching and Combat (GSPC)].

Desde 2007, a AQIM estava muito próxima do Grupo Islâmico Líbio de Combate [orig. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)], cujos combatentes foram também treinados no Afeganistão pela CIA/ISI. E todo o tempo o LIFG foi convenientemente manipulado pela CIA e o MI6 contra o coronel Muammar Gaddafi.

Depois do assassinato premeditado [orig. targeted assassination] de Gaddafi, a AQIM foi devidamente armada pelo LIFG (recebeu também legiões de jihadistas). Portanto, não surpreendentemente, muitos combatentes do LIFG participaram do raid em In Amenas. Além disso, a AQIM é também muito próxima da Frente al-Nusra na Síria, que Washington definiu como organização terrorista (mas nada vê de terrorista na nada coesa “coalizão” que quer derrubar Bashar al-Assad).

O xis da questão é que o Qatar financia todos esses: a AQIM, o grupo dissidente MUJAO, as brigadas de Belmokhtar e o movimento salafista Ansar El-Dine, um bando de apóstatas wahhabistas, que absolutamente nada têm a ver com a tolerante cultura do Mali.

O que sobra é o absolutamente perfeito pretexto para a OTAN entrar na dança no norte da África, depois da humilhante derrota que sofreu no Afeganistão. Mas... esperem! O AFRICOM já está lá! A Argélia – república árabe secular que historicamente sempre apoiou a União Soviética e a revolução cubana – bem fará se repatriar, o mais rapidamente possível, os seus US$50 bilhões de reservas que estão depositadas em bancos ocidentais. Mais dia menos dia, a hidra AFRICOM/OTAN aparece para devorar vocês!

Alguém aí topa um pouco de Islamo-gangsterismo?

Amadou Sanogo
Por hora, temos o espetáculo de Paris envolvida na “limpeza” do Mali, não só contra os islamistas armados – estranhos à cultura do Mali – mas também contra os tuaregues nativos, também armados e que têm demandas legítimas. O plano máster é apoiar o regime absolutamente corrupto em Bamako, que chegou ao poder pela via de um golpe militar comandado pelo capitão Amadou Sanogo, treinado em Fort Benning (EUA).

Esse é o sumo da história dessa nova mission civilisatrice [missão civilizatória, em fr. no orig.], escondida por trás de conveniente cortina de fumaça cortesia da ONU: vários países africanos, todos empobrecidos, que pagaram quase toda a conta – e oferecerão os 5.800 soldados necessários para constituir mais uma dessas siglas inacreditavelmente ridículas que a ONU inventa, AFISMA (African-led International Support Mission in Mali / Força Internacional Africana para Missão de Apoio no Mali). Quem pagará por tudo isso, que por hora não passa de total confusão? Na próxima 3ª-feira haverá uma reunião na Etiópia, dos proverbiais, sempre relutantes, “doadores internacionais”.

Mesmo na França, ninguém sabe quem luta contra quem nem quem, de fato, é aquele pessoal. Leiam (em francês), no blog rue89,[5] o hilário pântano semântico em que se debatem os franceses. O Le Monde acredita ter resolvido o enigma: Paris combate(ria) o “islamo-gangsterismo”.

Nessas Folies de Pigalle no deserto, Washington estará “liderando pela retaguarda”. Bem espertos. Melhor guerra clandestina, que todos assistirem ao afundamento no pântano. Os franceses – com típica grandeur galesa – prosseguirão mergulhados na ilusão de que, em breve, controlarão o deserto do Mali. Verdade é que não conseguirão controlar nem as algas do rio Niger, porque ali se combaterá uma longuíssima guerra nômade. Cresce a possibilidade de muitos Dien Bien Phus, com os franceses atacados também pela areia.

E, no instante em que a população terrivelmente empobrecida do Mali – a qual, por hora, está a favor de o país livrar-se da AQIM, do MUJAO, das gangues de Belmokhtar e dos Ansar al-Dine – pressentir o mais leve indício de ocupação neocolonial, os franceses conhecerão derrota no Mali, igual a que os USAmericanos conheceram no Iraque e no Afeganistão.

É iluminador ver essas coisas do ponto de vista da política externa do governo do presidente Obama 2.0, como apareceu delineada (muito vagamente) no discurso de posse. Obama prometeu por fim às guerras USAmericanas (guerras clandestinas são mais baratas). Prometeu cooperação multilateral com aliados (mas quem manda é Washington), negociação (será do nosso jeito, ou dê o fora) e nenhuma nova guerra no Oriente Médio.

A acreditar-se no que disse o presidente, a tradução é: nada de EUA fazerem guerra à Síria (só do tipo clandestina-suja); nada de Bombardeiem o Irã! (só sanções assassinas); e a França ganha a medalha do Mali. Será que ganha? Esse filme muito vagabundo, atenção, está só começando.



Nota dos tradutores
*Título em português do filme Zero Dark Thirty (2012). Trailer a seguir:  

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Notas de rodapé

[1] Assista  o filme Bom-dia, Vietnã; completo (legendado) a seguir:







[5]  22/1/2013, Rue 89, Zineb Dryef em: Jihadistes, islamistes... ? Comment nommer l’ennemi au Mali

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