sábado, 15 de dezembro de 2012

O golpe da "ameaça" síria com WMDs ( Armas de Destruição em Massa)


O papel conivente dos mídia na propaganda de guerra

Não seremos enganados outra vez?

por David Edwards


Cena da guerra contra a Síria.
Quando se lê acerca de crimes de estado ao longo de muitos anos, é tentador tentar compreender a mentalidade dos líderes políticos. O que se passa realmente nas suas cabeças quando ordenam sanções que matam centenas de milhares de crianças? O que estará nos seus corações quando travam guerras desnecessárias que estilhaçam milhões de vidas? Serão eles desesperadoramente cruéis, descuidadamente estúpidos? Imaginam eles que estão a viver numa espécie de inferno onde atos monstruosos têm de ser cometidos para evitar resultados ainda piores? Serão eles indiferentes, centrados nos seus ganhos políticos e econômicos a curto prazo? Serão eles moralmente resignados, sentindo-se como essencialmente impotentes face a forças políticas e econômicas invencíveis ("Se eu não fizer isto, algum outro o faria".)?

Perguntas semelhantes vêm à mente quando os governos dos EUA e Reino Unidos, mais uma vez, levantam o espectro de "armas de destruição em massa" (WMD) para demonizar um alvo para a "mudança de regime", desta vez na Síria. O que realmente se passa nas mentes de pessoas que sabem exatamente que a mesma trama foi denunciada como uma fraude cínica há apenas uns poucos anos atrás? Será que vêm o público com desprezo? Estarão a rir-se de nós? Estarão a jogar a única carta que consideram disponível para eles; uma carta que sabem que funcionará de modo imperfeito mas que tem de ser jogada?

Nos EUA, a NBC comentou:
"Responsáveis dos EUA contam-nos que os militares sírios estão prontos esta noite a utilizar armas químicas contra o seu próprio povo. E tudo o que precisariam é a ordem final do presidente sírio, Assad".
O observador dos meios de comunicação estado-unidenses Fairness and Accuracy in Reporting (FAIR) perguntou : "Então de onde vem esta nova informação?" A resposta familiar e agourenta: "De responsáveis anônimos do governo a falarem para jornais como o New York Times ". Isto, por exemplo:
"Responsáveis da inteligência ocidental dizem que estão a colher novos sinais de atividade em sítios na Síria que são utilizados para armazenar armas químicas. Os responsáveis estão incertos sobre se as forças sírias podem estar a preparar-se para utilizar as armas num esforço final para salvar o governo ou simplesmente a enviar uma advertência ao Ocidente acerca das implicações de proporcionar mais ajuda aos rebeldes sírios.

"Sob certos aspectos é semelhante ao que fizeram antes", disse um alto responsável americano, falando na condição de anonimato ao discutir questões de inteligência. "Mas eles estão a fazer algumas coisas a sugerir que pretendem utilizar as armas. Não é apenas movimentação. Estas são diferentes espécies de atividade". (Michael Gordon, Eric Schmitt, Tim Arango, 'Flow of arms to Syria through Iraq persists, to US dismay,' New York Times, December 1, 2012)
A FAIR comentou:
"Na ausência de qualquer novo pormenor, isso pareceria um estranho padrão de confirmação... Mas a atitude teatral – imagens de satélite, fontes anônimas  falação acerca de armas de destruição em massa e assim por diante – recorda obviamente a preparação para a Guerra do Iraque".
Assim é, na verdade. Em 26 de Maio de 2004, o New York Times publicou um humilde mea culpa intitulado: "The Times and Iraq". Os editores comentaram então:
"Editores a vários níveis que deveriam ter estado a desafiar repórteres e pressionar por mais cepticismo foram talvez demasiado precipitados ao verterem tudo no jornal".
Em consequência, o jornal publicou uma "Política de fontes confidenciais de notícias" , a qual incluía:
"Em qualquer situação em que citamos fontes anônimas  pelo menos alguns leitores podem suspeitar que o jornal está a ser utilizado para transmitir informação corrompida ou defesas especiais. Se o ímpeto pelo anonimato teve origem na fonte, nova investigação é essencial para satisfazer o repórter e o leitor de que o jornal procurou a notícia completa". (Confidential News Sources, New York Times, February 25, 2004)
Evidentemente, tudo isto foi esquecido.

As mesmas afirmações acerca de WMD sírias foram também despejada nas mídias  do Reino Unido. Um artigo principal em 5 de Dezembro em The Times intitulava-se: "O arsenal de Assad". A primeira linha do editorial:
"O fortificado regime sírio pode estar a preparar-se para utilizar armas químicas. Isso seria uma catástrofe; deve ser impedido, custe o que custar".
Como sempre, os editores de Rupert Murdoch – e, sem dúvida, o patrão espreita sobre os seus ombros – lamentosamente declaravam que a "intervenção" militar ocidental pode vir a ser a única resposta: "também devemos esperar que os EUA e seus aliados tomariam qualquer ação que fosse considerada necessária para impedir o desastre humano e moral que seria causado pelo regime sírio ao tentar a sua saída final numa nuvem de gás mostarda".

A guerra, para o Ocidente, agora é tão normal quanto o ar que respiramos. Obviamente é a tarefa do Ocidente, com o seu historial ensopado em sangue, salvar os povos do mundo de tiranias que acontece estarem a obstruir seus objetivos estratégicos.

Em Novembro de 2002, quando a guerra se avizinhava do Iraque, The Times relatava:
"O presidente Saddam Hussein tem estado a tentar comprar de fornecedores turcos até 1,24 milhão de doses de atropina, um derivado da beladona.

"Este produto tem um vasto campo de aplicações médicas mas também protege o corpo de agentes sobre os nervos que podem paralisar as suas vítimas e matá-las em apenas dois minutos". (Elaine Monaghan, 'Iraq move increases chemical war fear,' The Times, November 13, 2002)
Em 2010, The Times publicou a afirmação de que o Irão pretendia desenvolver um "disparador" para uma arma nuclear. O jornalista de investigação Gareth Porter informou :
"A inteligência dos EUA concluiu que o documento publicado recentemente pelo Times de Londres... é uma fabricação, segundo um antigo responsável da Central Intelligence Agency".
O especialista em contra-terrorismo Porter, comentou Philip Giraldi, tinha em mente:
"A cadeia de Rupert Murdoch tem sido utilizada amplamente para publicar inteligência falsa dos israelenses e ocasionalmente do governo britânico".
Em Abril de 2011, The Times relatou da Líbia:
"Há temores crescentes de que o coronel Kadafi possa utilizar stocks suspeitos de armas químicas contra [Misrata]... Também há temores de que o coronel Kadafi tenha stocks de gás de nervos no deserto ao Sul da cidade de Sabha". (James Hider, 'Amid rigged corpses and chemical weapon threat, city fears for its life,' The Times, April 27, 2011)
Não importa, The Times ainda pode ver uma "intervenção" estilo Líbia na Síria. The Guardian relata esta semana:
"Chefes militares da Grã-Bretanha prepararam planos de contingência para proporcionar aos rebeldes sírios poder marítimos, e possivelmente aéreo, em resposta a um pedido de David Cameron, disseram altas fontes da defesa segunda-feira à noite".
O governo do Reino Unido está a planejar combater com "rebeldes" apesar da prova clara de crimes de guerra e do envolvimento de numerosos mercenários estrangeiros armados e financiados por tiranos regionais. O governo sírio também é acusado de crimes espantosos .

Depósitos enferrujados de destruição em massa – Os especialistas da fantasia 

No Guardian, Matt Williams e Martin Chulov usaram linguagem dramática para relatar afirmações de que "o regime [sírio] está a considerar o desencadeamento de armas químicas sobre forças da oposição".

O artigo do Guardian citava a CNN, a qual por sua vez citava "um responsável anónimo como a fonte da sua reportagem". Williams e Chulov não exprimiram nem uma palavra de cepticismo na sua peça jornalística, acrescentando uma negação do carácter "equilibrado" do muito demonizado "regime" sírio.

Um artigo da BBC fez esta referência ao cepticismo:
"Pressionado na entrevista por Frank Gardner da BBC, ele disse que podia entender porque o público pode estar céptico após os erros grosseiros cometidos dez anos atrás sobre as alegadas armas de destruição em massa do Iraque".
Para seu crédito, Jonathan Marcus da BBC actuou melhor:
"Houve um elemento de manipulação política (political spin) a acompanhar a decisão da NATO de instalar mísseis Patriot na Turquia?

"Fontes contactadas pela BBC dizem que há indicações de actividade em certos sítios de armazenagem de armas químicas.

"Entretanto é certamente impossível determinar se isto é um preliminar para a utilização das armas ou, como acreditam alguns analistas, muito mais provavelmente, o movimento de munições para garantir a sua segurança. Na verdade, tal movimento foi observado no passado".
Apesar da cautela, Marcus promoveu a ideia de que ADMs sírias podem cair nas mãos "erradas" e que os EUA podem precisar intervir para impedir que isto aconteça.

No Independent, Robert Fisk foi muito mais longe, escarnecendo de tais afirmações:
"Quanto maior a mentira mais o povo nela acreditará. Todos nós sabemos quem disso isso – mas ainda funciona. Bashar al-Assad tem armas químicas. Ele pode utilizá-las contra o seu próprio povo. Se ele o fizer, o Ocidente responderá. Ouvimos todo este lixo no ano passado – e o regime de Assad reiteradamente disse que se — se — tivesse armas químicas, nunca as utilizaria contra sírios.

"Mas agora Washington está a trautear a mesma cantilena do gás, mais uma vez. Bashar tem armas químicas. Ele pode utilizá-las contra o seu próprio povo. E se ele o fizer..."
Fisk acrescentou: "durante a semana passada, todos os habituais pseudo-peritos que não conseguem encontrar a Síria num mapa estiveram a advertir-nos outra vez do gás de mostarda, dos agentes químicos, dos agentes biológicos que a Síria pode possuir – e pode utilizar. E as fontes? Os mesmos especialistas da fantasia que não nos advertiram acerca do 11/Set mas que em 2003 insistiram em que Saddam tinha armas de destruição em massa: "fontes de inteligência militar não nomeadas" ... E, sim, Bashar provavelmente tem alguns produtos químicos em latas a enferrujarem algures na Síria".

Se correcto, as "latas ferrugentas" de Fisk tornam asneira a "considerável pressão" sobre "os EUA produzirem planos para garantir as armas sírias em caso de colapso do regime" descrito por Marcus.

Alex Thomson do Channel 4 News escreveu uma peça excelente intitulada: "Síria, uma arma de engano em massa?"
"Sem pretender aprofundar muito no catálogo do Quem... precisamos recordar-nos que no Reino Unido para não serem enganados outra vez".
Thomson apresentou um exemplo de pensamento racional raro nos media de referência:
"Mas só para ser antiquado: qual é a prova de qualquer ameaça? Qual é a base para tudo isto? Do que, em suma, estão todos eles a falar? Sim, sem dúvida, a Síria tem agentes de nervos e químicos. Mas posse não significa ameaça de utilização. Israel não está plausivelmente a ameaçar utilizar armas nucleares contra o Irão, apesar de possuí-las".
Ele observou que "a história construída sobre o nada [tem sido] aceite como um facto global quando não há nada do género" e apresenta o ponto óbvio:
"Após o Iraque e as ADMs, se a CIA ou o MI6 dizem que está frio no Polo Norte, qualquer pessoa sensível procuraria pelo menos mais um par de fontes ou voaria até lá e verificaria".
Portanto, em meio à enxurrada padrão de propaganda, um pequeno número de jornalistas aprendeu com o passado e está disposto a desafiar afirmações oficiais. Mas não deveríamos iludir-nos com estes admiráveis mas raros exemplos de discordância. A maioria esmagadora dos relatos dos media corporativos – nomeadamente os noticiários da TV que atingem milhões de pessoas – reflectem as afirmações do governo "imparcialmente", isto é, sem o mínimo sinal de pensamento independente ou comentário crítico. Os melhores jornalistas rejeitam uma tal versão obviamente comprometida de "profissionalismo" – mas são muito poucos 
12/Dezembro/2012

O original encontra-se em www.medialens.org/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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