Crédito: Eltiempo Manifestação da Marcha Patriótica | |
José Antonio Gutiérrez D.
Rebelión
As negociações de paz voltaram, com a bênção de
uma boa parte do establishment, para a agenda política colombiana. A
intriga de Uribe, que denunciou a aproximação do governo com as FARC-EP em Cuba,
procurando assim canalizar apoio ao seu projeto de extrema-direita[1], foi
suficiente para gerar uma onda de opinião favorável a essas aproximações. O tiro
saiu pela culatra. Santos, diante do assunto, portou-se com grande sigilo, mas
na segunda-feira a TeleSur já deu a notícia quente: as FARC-EP assinaram o
início de um acordo de paz com o governo colombiano[2]. As expectativas são
altas quando há apenas alguns dias Gabino, o comandante máximo do ELN, disse
estar disposto a participar de uma iniciativa de diálogo da qual já fazem parte
as FARC-EP [3]. É uma declaração de grande importância, uma vez que as lições do
passado dizem que não seria possível hoje a negociação em paralelo com as
distintas expressões do movimento guerrilheiro colombiano. Enquanto escrevo
estas notas, aguardamos o anúncio oficial de Juan Manuel Santos a respeito.
Esta aproximação não é gratuita e nem surge de
uma boa vontade do mandatário: é óbvio que a tese do "fim do fim" carece de
sustentação e que o Plano Colômbia chegou ao limite. A insurgência tem
respondido ao desafio colocado pelo avanço do militarismo e um novo ciclo de
lutas sociais ameaça a deterioração da situação política no médio prazo, em um
nível que será difícil de controlar para a oligarquia. A cena política parece,
por vezes, perigosamente volátil. Além disso, não surpreende a vontade da
insurgência para se aproximar da mesa de negociação: primeiro, porque é uma
insurgência que vem tentando, há 30 anos, em todos os tons possíveis, a solução
política para o conflito social e armado, e por outra parte porque a insurgência
tem melhorado muito nos últimos anos a sua força, não só militarmente mas, acima
de tudo, no campo político.
Cuidado com as ilusões
Ainda que a assinatura deste acordo seja um
desenvolvimento positivo, não podemos ser excessivamente otimistas, nem muito
menos triunfalistas, pensando que a “paz”, por si só, representará um triunfo
para os setores populares e suas demandas históricas, bloqueadas a sangue e fogo
por mais de meio século, a partir do Estado. Há de se ter plena consciência de
que o caminho até um eventual processo de negociações está repleto de
contratempos, assim como de que existem diferenças substanciais, de fundo, a
respeito da questão do que se pode esperar destas negociações ou o que se
entende por esta palavra na boca de todos: “paz”. Há de se ter plena consciência
de que a oligarquia com a qual se negocia é a mais sanguinária do continente e
que não entra para negociar por uma súbita mudança de convicção
Enquanto o conjunto das organizações sociais
pleiteia que a paz é muito mais do que o cessar fogo, mas consistiria na
resolução coletiva de problemas estruturais que originam a violência, para o
Estado segue sendo um tema de desmobilização, reinserção e a discussão de
formalidades jurídicas relacionadas [4]. Santos quer “uma ‘paz express’,
sumária, mecânica. A quer clandestina, sem a presença da multidão, sem sociedade
civil, sem organizações populares. A quer sem reformas, sem mudanças de nenhuma
espécie na sociedade nacional. Para ele é suficiente que seja com o marco legal
que se aprovou recentemente e talvez ainda com as regulamentações que com
dificuldade poderão tramitar em um Senado hostil diante do iminente processo
eleitoral” [5].
Santos sustentou uma posição ambígua ante o tema
da paz: por um lado, diz ter as chaves da paz, que um dia foi perdida e no outro
dia apareceram numa caixa forte; por outro lado, aprofunda a guerra suja,
mediante o fortalecimento da militarização das comunidades rurais (os chamados
planos de Consolidação Territorial); mediante o fortalecimento dos golpes às
instâncias médias da insurgência e uma estratégia de judicialização das “redes
de apoio” do movimento guerrilheiro, que submete o poder judicial às
necessidades do projeto contra-insurgente (essência do Plano Espada de Honra); e
por último, mediante o fortalecimento da impunidade para as ações das forças
armadas dentro de uma estratégia sistemática de terrorismo de Estado (a
ressurreição do chamado foro militar, acordo ao qual chegaram Santos e Uribe
recentemente).
A partir da perspectiva santista, a paz ou a
guerra não são senão estratégias para impor um insustentável projeto
econômico-social neoliberal, baseado no Plano de (Sub) Desenvolvimento Nacional
do santismo, cujos pilares são a agroindústria e a mineração. Se se conseguirá
converter esta oportunidade para abrir negociações em um espaço a partir do qual
se possa impulsionar as transformações sociais que demanda o povo colombiano,
dependerá da capacidade de organização e mobilização do próprio povo, e tal
coisa acontecerá apesar do Estado, não graças a ele.
Paz? Que paz?
Há uma coisa que o bloco dominante não perde de
vista. É que a negociação com a insurgência hoje não é o mesmo que ocorria nas
negociações de 1990-1994. Aqui não existem organizações cujo espectro ideológico
seja um liberalismo radicalizado; não estamos ante grupos reformistas em armas,
cuja direção está assumida pelos "bacanas", nem as demandas políticas dessas
organizações insurgentes serão satisfeitas com promessas de reformas
constitucionais cosméticas, nem com garantias generosas para desmobilizar-se,
nem elas aceitarão uma "agenda restrita". Estamos diante de movimentos
revolucionários que representam os mais pobres dos mais pobres. Estamos diante
de movimentos guerrilheiros que representam as aspirações históricas deste
campesinato que sempre ficou por baixo em todas as iniciativas de "paz". Estamos
diante de insurgentes cujos pés se confundem com a terra que pisam. Estamos
diante de quem não tinha nada e merece tudo.
Tampouco estamos diante de grupos derrotados
militarmente, como os que se mobilizaram em 1990-1994, mas estamos diante de
organizações fortemente enraizadas em amplas regiões do país, com capacidade
operacional em quase todo o território nacional, com uma renovada capacidade
para bater as forças armadas de Estado; em amplas regiões do país a insurgência
é uma realidade política inescapável, um autêntico duplo poder que é legitimado
em outras comunidades pisoteadas pela consolidação territorial do Exército e o
flagelo paramilitar. Ainda que se queira convencer do contrário alguns
comentaristas [6], se a insurgência negocia hoje é porque pode negociar, porque
tem força e capacidade para fazê-lo. E bem sabem na Casa de Nariño que a
desmobilização e a rendição desejadas pelo uribismo não são uma opção
política.
Isto reconhece um artigo de 25 de agosto do El
Espectador:
"É evidente que as FARC não são um parceiro
fácil. Querem reforma agrária, que seja com base na Lei de Terras e na Lei de
Vítimas; pretendem que se discuta a forma de contratação com multinacionais de
petróleo e mineração; requerem espaços políticos para avançar para um contexto
mais democrático e acreditam que a paz hoje também envolve a gestão adequada do
meio ambiente. O resto são detalhes formais, como o inamovível de que, se
houver uma negociação, deve ser feita em território nacional". [7]
Resulta apenas óbvio que o discurso das FARC-EP
como uma organização “terrorista”, “bandoleira”, “convertida em cartel do
narcotráfico”, “lumpenizada”, é insustentável, pura propaganda, ainda mesmo
quando se possa questionar certos métodos que utiliza. Ninguém em sã consciência
pode negar que todos os aspectos que a insurgência reclama (terras, recursos
naturais, democracia, meio ambiente, educação, saúde, seguridade social, etc.)
sejam temas de crucial importância, onde as políticas do governo fazem água e
que requerem a mais ampla participação do conjunto da sociedade. Que a
insurgência tome estes temas e os converta em elementos indissociáveis do avanço
de qualquer tentativa de superar o conflito social e armado de raiz, é um
autêntico pesadelo para os setores mais recalcitrantes da oligarquia. Não é a
suposta bandoleirização da insurgência, tão alardeada pelos meios de comunicação
oficiais, que aterroriza a oligarquia, mas seu caráter político e
revolucionário, e sua capacidade de articular as demandas de diferentes setores
sociais.
É por isso que o bloco dominante sabe que a
grande luta que vem a seguir é no plano político, mais ainda do que no militar.
Porta-vozes do empresariado têm se pronunciado a favor de uma agenda de
negociação restrita moldada nas negociações com o M-19, ou seja, uma negociação
sem mudanças estruturais [8]. Eles esperam sair das negociações com o menor
número de concessões e reformas possível, e sabem que isso os coloca em
contradição não só com a insurgência, mas com um setor importante do povo
organizado. Para isso, temos de estar alertas para o recrudescimento da guerra
suja e dos ataques contra as organizações populares que lutam pela mudança
social e que tradicionalmente têm acompanhado os processos de diálogo na
Colômbia.
Esgota-se, momentaneamente, a estratégia
militarista
Contudo, ainda que esta oligarquia tenha muito
receio de abrir as portas a negociações que, com toda certeza, terminarão em um
debate nacional sobre projetos antagônicos de país, sabe também que a
persistência no rumo belicista é colocar a corda no pescoço; a insurgência se
fortalece e existe hoje uma escalada do conflito social e da mobilização popular
em todo o país que, se persistir, poderia ameaçar seriamente a hegemonia do
bloco dominante. O país se encontra à beira de um novo ciclo de violência
precipitado pelo deslocamento forçado, a desapropriação violenta de camponeses e
comunidades, a penetração da mineração e da agroindústria em todo o país. A
violência com a qual se vem impondo o modelo santificado no Plano de (Sub)
Desenvolvimento Nacional de Santos gera, necessariamente, resistência. E a
resistência, em um país como a Colômbia, dá-se de múltiplas formas, sendo caldo
de cultivo para uma situação potencialmente explosiva.
Negociar com a insurgência pode servir a
oligarquia, em suas mais otimistas projeções, para alcançar a paz neoliberal que
permita o avanço do projeto neoliberal agro-extrativista, reduzindo os níveis de
resistência, ao menos, dos projetos insurgentes. Em uma pesquisa feita com
empresários colombianos pela Fundação Ideias Para a Paz, "A grande maioria
deixou claro que descarta uma agenda de negociações que inclui reformas
estruturais e com múltiplos atores, como ocorreu no Caguán. Eles preferem uma
restrição ao desarmamento, a desmobilização e reintegração onde o Estado pode
ser ‘generoso’. "[9]. Ou seja, a paz para facilitar a exploração das massas e do
meio ambiente colombiano.
Nas projeções menos otimistas da oligarquia, as
negociações serviriam ao menos para ganhar tempo e preparar-se para enfrentar,
de maneira mais letal e eficiente, o seguinte ciclo de violência que paira no
horizonte. Tal era a verdadeira intenção do governo Pastrana ao enfrentar o
processo de negociações de San Vicente del Caguán. O próprio Pastrana, que
falava de paz enquanto negociava o Plano Colômbia e dava altas somas à
ferramenta paramilitar do Estado, cinicamente admitiu o seguinte em um artigo de
dez anos após o colapso das conversações de Caguán:
“O Plano Colômbia (...) nos permitiu sentarmos na
mesa de diálogo em desvantagem inicial, praticamente desarmados, com a certeza
de que se haveria de concluir, seja com êxito ou fracasso, com um Estado armado
até os dentes e pronto, como nunca antes, tanto para a guerra como para a paz”.
[10]
Em ambos os casos, seja que a oligarquia busque
pacificar o país sem mudanças substanciais, ou seja que procurem ganhar tempo
para continuar com o negócio da guerra, qualquer paz que possa ser alcançada
será efêmera, é apenas a calma que precede a tempestade violenta que recairá
sobre as costas dos excluídos, dos despossuídos, dos violentados, dos
oprimidos. E são eles que devem ser mobilizados para impor a necessária vontade
de mudanças estruturais e de fundo: o vento sopra a seu favor no momento, pois a
mobilização popular está crescendo e há uma tendência saudável para a unidade
dos que lutam. Estes dois fatores favorecem a possibilidade de que o bloco
popular converta-se num fator de peso nas negociações, especialmente quando o
bloco dominante tem contradições internas que, sem ser antagônicas, são bastante
agudas e vão gerar uma crise de hegemonia.
Os "inimigos (não tão) submetidos"
Santoyo e as contradições interburguesas
A hegemonia do bloco dominante, consolidada
durante quase uma década de Plano Colômbia e da mal denominada "Segurança
Democrática" (de que Santos era um continuador), é afetada não só pela crescente
mobilização e descontentamento popular, mas também pela erosão da unidade do
bloco dominante. Cada vez mais se tornam mais freqüentes os confrontos entre o
uribismo entrincheirado entre os elementos inflamados das forças armadas, dos
agricultores, da narcoburguesía e do caudilhismo, todos os quais vêem na guerra
o seu grande negócio, e o santismo, que representa os interesses supremos do
capital transnacional, buscando a "paz" para abrir caminho para seus negócios e
investimentos na área agro-extrativista. Embora estes setores também tenham
recorrido ao paramilitarismo para assegurar a "confiança dos investidores" e a
desapropriação violenta para enriquecer, privilegiariam uma forma menos
dispendiosa para garantir seus lucros, colocando-os em uma situação um tanto
diferente com relação aos setores da burguesia que dependem, estruturalmente, da
desapropriação violenta para acumulação de capital.
O colunista Alfredo Molano, há uns 2 meses,
analisava esta contradição no bloco dominante e o impacto que teria sobre um
eventual processo de negociação:
"Ao presidente fica mais fácil negociar com os
guerrilheiros do que com os militares, empresários e caudilhos para terminar
derrotado em outro Caguán. Foi essa carência o verdadeiro obstáculo para as
negociações entre Pastrana e Marulanda. O erro do ex-presidente não foi a
liberação de 30.000 km, mas foi não ter negociado com o establishment e
com os militares o preço que essas duas poderosas forças estavam dispostas a
pagar ". [11]
Enquanto se aprofunda a crise de hegemonia do
bloco de poder, e enquanto avançam as lutas populares, assim como a insurgência,
seria insensato para Santos não reagir diante da agitação que o uribismo leva
adiante nos quartéis e seu trabalho de polarização no interior das estruturas de
poder. Nem Santos, nem os capitalistas que representa, nem o imperialismo que o
respalda, aceitarão que Uribe se converta em um fator de desestabilização. Eles
todos suportaram Uribe quando ele serviu e ajudou a reconstruir a cambaleante
hegemonia de uma oligarquia decadente. Mas nem o imperialismo e nem a oligarquia
têm amigos, mas interesses apenas. No momento em que deixa de cumprir esse
papel, Uribe se torna um "descartável".
Neste sentido deve-se compreender o
encurralamento geral a que a justiça submete o círculo interno de Uribe, com a
condenação de Rito Alejo, os sinais crescentes de paramilitares como Mancuso
entre seus vínculos com a AUC, os problemas dos familiares narcos do
ex-presidente e a deportação do Geral Santoyo.
Não é que nós estejamos percebendo agora a
extensão da podridão no ambiente em torno de Uribe, algo de que se sabe há algum
tempo, mas agora o contexto é diferente. No caso Santoyo em particular, parece
haver um elemento importante contra Uribe: se alguém pode comprometê-lo com o
tráfico de drogas e os paramilitares, é ele. Já começou a falar de alguns
generais, incluindo o braço direito de Uribe, Mario Montoya, e ameaçou "abrir o
bico” sobre os políticos [12]. Será Santoyo uma cartada do santismo para tentar
colocar Uribe sob controle? Haverá de se esperar a reação de Uribe ao anúncio de
paz, o que provavelmente fará através do Twitter. Porém, se continuar jogando
pela desestabilização, sua queda será, provavelmente, uma questão de tempo.
Envolver o povo na
negociação
Ainda quando devemos ver as negociações sem
ingenuidade e com bastante realismo, é indubitável que o atual momento abre um
potencial enorme para superar as condições estruturais que levaram ao conflito
social e armado na Colômbia, e que vem alimentando este modelo de capitalismo
mafioso que acumula em função de desapropriações violentas. Tanto Santos como os
empresários rechaçam ou relutam em aceitar a participação de "múltiplos atores"
no processo de paz. Isto é, procuram excluir o povo da resolução de um conflito
que o afeta diretamente, deixando intactas as condições para o início da nova
onda de violência, como as que cronicamente afligem as sociedades do
pós-conflito da América Central. Embora o movimento de guerrilha na Colômbia
seja parte de um processo acumulativo importante de lutas populares na Colômbia,
e mesmo que tenha um nível de legitimidade muito importante em muitas regiões do
país, é claro que nem a insurgência, nem qualquer expressão do movimento popular
colombiano pode assumir a representação exclusiva do movimento popular.
A insurgência tem se manifestado muitas vezes de
acordo com esta posição, o que eles vêem como consistente em relação com seus
postulados históricos. Em resposta ao professor Medófilo Medina, o comandante
máximo das FARC-EP, Timoleón Jimenez, explica o significado da luta política,
"para o poder do povo", desta guerrilha comunista: "Nem o Programa Agrário, nem
em qualquer documento posterior das FARC até a data de hoje, jamais se colocou
que nossa meta como organização política e militar seja tomar o poder depois de
vencer em uma guerra de posições o Exército colombiano, tal como se repete de
vez em quando para todos aqueles que insistem em nos fazer reconhecer a
impossibilidade desse objectivo. Desde o nosso nascimento, as FARC temos
concebido o acesso ao poder como uma questão das multidões em agitação e
movimento. "[13]
Nesta linha, o citado artigo do El Espectador
coloca claramente, como um problema da negociação, que:
"Já se sabe anteriormente que outro dos aspectos
difíceis é a agenda das FARC. A este respeito, é claro que, em princípio, a
pretensão da guerrilha é envolver a sociedade civil na questão. Ou seja, para
que os movimentos sociais, a academia e as minorias políticas tenham a mesma voz
que possam ter os grupos econômicos. Assim, o movimento chamado de Marcha
Patriótica pode tornar-se protagonista. Trata-se da criação de espaços políticos
onde a discussão não se limita apenas ao impasse entre o governo e os
guerrilheiros. (...) A respeito de Cauca as FARC têm um pensamento claro: se
começa um processo de paz com o governo, os indígenas desse departamento devem
ter uma voz especial na mesa de negociação "[14].
É necessário que as pessoas afirmem e exijam o
seu direito de tomar parte neste processo e transformá-lo em um diálogo nacional
em que se discutam os projetos de país que estão confrontadas em um conflito que
não é só armado, mas principalmente social. Sobre a solução política, a mesma
resposta do comandante Timoleón Jimenez afirma que:
"Não pode ser entendida senão como uma
reafirmação da ordem existente. Não se trata de modo algum de guerrilheiros
arrependidos e desacreditados que entregam suas armas e se submetem ao escárnio
midiático e jurídico, para em seguida, com a espada a um fio das suas cabeças,
ingressarem no mercado da política partidária a fim de fazer coro com as
mentiras oficiais. Do que se trata é reconstruir as regras da democracia para
que se debatam ideias e programas em igualdade de oportunidades. Sem o risco de
ser assassinado ao chegar em casa. Falo dos desaparecidos e torturados por uma
mão misteriosa que já se sabe que existe, como aquelas forças obscuras que
exterminaram a União Patriótica sob o olhar impassível da classe política
colombiana. É justo que se abra um debate público sobre estas questões, que se
possa falar destes temas sem ser imediatamente oprimido pelo conjunto dos
monopólios de informação".
Há de se colocar o povo em meio às negociações,
mesmo que a oligarquia fique incomodada em ver tantos maltrapilhos ocupando o
debate político, terreno reservado por dois longos séculos a uma elite
republicana dourada, a linhagens moribundas e decadentes cujos nomes se repetem
uma e outra vez na ocupação dos cargos de poder. Trata-se de ocupar estes
espaços, de conduzir o debate político sobre a paz e a guerra, sobre o modelo
político e econômico para todas as praças públicas da Colômbia, a todas as
faculdades e escolas, em todos os locais de trabalho, minas e vilas rurais.
Deve-se usar este debate para promover um projeto de país para coletar e
harmonizar as demandas mais urgentes de todos os setores populares que hoje
lutam contra o modelo econômico de morte e pilhagem imposto pelos de cima.
O anúncio do início deste novo caminho em busca
de uma solução política não deve significar que se tenha que desmobilizar o
povo. Muito pelo contrário, indica que é hora de o povo sair para lutar ainda
mais decisivamente, que se aprofunde a mobilização social e se reforce os
espaços da unidade do povo em luta. Devemos integrar, mais do que nunca,
expressões como a Marcha Patriótica, para evitar um novo genocídio e proteger os
espaços a partir dos quais o povo se mobiliza e faz ouvir sua voz e seu
compromisso com uma nova sociedade. Nós apoiamos as lutas dos camponeses,
operários, presos políticos, que agora estão em desobediência e greves em todo o
país. Exigimos o fim da estigmatização, perseguição e detenção de ativistas
sociais. Devemos exigir a suspensão da designação de "organizações terroristas"
para os insurgentes, a fim de garantir as condições ideais para o diálogo franco
e livre. Devemos exigir que este acordo inicial avance para um cessar-fogo
bilateral e para o desmantelamento dos grupos paramilitares, como forma de
proteger a vida e a integridade das pessoas que hoje devem se converter em
atores e protagonistas deste processo.
Somente a mobilização popular pode assegurar que
o processo de paz que está no horizonte possa ser concluído com as
transformações estruturais que reclamam amplos setores da Colômbia. E à luz dos
enormes desafios colocados pelo poder, esta luta pela paz não será nada menos do
que uma luta abertamente revolucionária. É hora de falar claramente sobre o
caráter revolucionário desta luta, que envolve o confronto de um modelo baseado
na exploração, pilhagem, morte e exclusão, com um modelo que cresce no coração
do povo, baseado na inclusão, no respeito às comunidades e ao meio ambiente, na
sustentabilidade para proteger a vida, na dignidade e na auto-determinação das
pessoas. Não é nada mais nada menos do que o tipo de Colômbia que se quer
construir o que está em jogo.
Tradução: PCB (Partido Comunista
Brasileiro)
NOTAS DO AUTOR:
[2] http://www.telesurtv.net/articulos/2012/08/27/santos-y-....html
Ver também http://www.caracol.com.co/noticias/escuche-aqui-la-entr....aspx
e http://www.semana.com/nacion/telesur-dice-gobierno-farc....aspx
[4] Para um artigo que reflita as atitudes
predominantes do Estado a respeito dos alcances limitados que esperam de uma
eventual negociação, ver http://www.elespectador.com/impreso/politica/articulo-3...antos
[6] Ver, por exemplo, a última coluna de Humberto
de la Calle http://www.elespectador.com/opinion/columna-370093-paz ou o
seguinte artigo http://www.elespectador.com/impreso/politica/articulo-3...antos
Ver, em resposta a esta tese, um artigo nosso em http://www.anarkismo.net/article/21961
(*) José Antonio Gutiérrez D. É militante
libertário, residente na Irlanda, onde participa dos movimentos de solidariedade
com a América Latina e Colômbia, colaborador da revista CEPA (Colômbia) e El
Ciudadano (Chile), bem como do sítio web internacional www.anarkismo.net. Autor de
"Problemas e Possibilidades do Anarquismo" (em português -Faisca ed., 2011) e
coordenador do livro "Orígenes Libertarios del Primero de Mayo en América
Latina" (Quimantú ed. 2010).
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