segunda-feira, 3 de setembro de 2012

FARC-EP: Há rumores... Será a Paz à vista?



imagemCrédito: Eltiempo     Manifestação da Marcha Patriótica
José Antonio Gutiérrez D.
Rebelión
As negociações de paz voltaram, com a bênção de uma boa parte do establishment, para a agenda política colombiana. A intriga de Uribe, que denunciou a aproximação do governo com as FARC-EP em Cuba, procurando assim canalizar apoio ao seu projeto de extrema-direita[1], foi suficiente para gerar uma onda de opinião favorável a essas aproximações. O tiro saiu pela culatra. Santos, diante do assunto, portou-se com grande sigilo, mas na segunda-feira a TeleSur já deu a notícia quente: as FARC-EP assinaram o início de um acordo de paz com o governo colombiano[2]. As expectativas são altas quando há apenas alguns dias Gabino, o comandante máximo do ELN, disse estar disposto a participar de uma iniciativa de diálogo da qual já fazem parte as FARC-EP [3]. É uma declaração de grande importância, uma vez que as lições do passado dizem que não seria possível hoje a negociação em paralelo com as distintas expressões do movimento guerrilheiro colombiano. Enquanto escrevo estas notas, aguardamos o anúncio oficial de Juan Manuel Santos a respeito.
Esta aproximação não é gratuita e nem surge de uma boa vontade do mandatário: é óbvio que a tese do "fim do fim" carece de sustentação e que o Plano Colômbia chegou ao limite. A insurgência tem respondido ao desafio colocado pelo avanço do militarismo e um novo ciclo de lutas sociais ameaça a deterioração da situação política no médio prazo, em um nível que será difícil de controlar para a oligarquia. A cena política parece, por vezes, perigosamente volátil. Além disso, não surpreende a vontade da insurgência para se aproximar da mesa de negociação: primeiro, porque é uma insurgência que vem tentando, há 30 anos, em todos os tons possíveis, a solução política para o conflito social e armado, e por outra parte porque a insurgência tem melhorado muito nos últimos anos a sua força, não só militarmente mas, acima de tudo, no campo político.
Cuidado com as ilusões
Ainda que a assinatura deste acordo seja um desenvolvimento positivo, não podemos ser excessivamente otimistas, nem muito menos triunfalistas, pensando que a “paz”, por si só, representará um triunfo para os setores populares e suas demandas históricas, bloqueadas a sangue e fogo por mais de meio século, a partir do Estado. Há de se ter plena consciência de que o caminho até um eventual processo de negociações está repleto de contratempos, assim como de que existem diferenças substanciais, de fundo, a respeito da questão do que se pode esperar destas negociações ou o que se entende por esta palavra na boca de todos: “paz”. Há de se ter plena consciência de que a oligarquia com a qual se negocia é a mais sanguinária do continente e que não entra para negociar por uma súbita mudança de convicção
Enquanto o conjunto das organizações sociais pleiteia que a paz é muito mais do que o cessar fogo, mas consistiria na resolução coletiva de problemas estruturais que originam a violência, para o Estado segue sendo um tema de desmobilização, reinserção e a discussão de formalidades jurídicas relacionadas [4]. Santos quer “uma ‘paz express’, sumária, mecânica. A quer clandestina, sem a presença da multidão, sem sociedade civil, sem organizações populares. A quer sem reformas, sem mudanças de nenhuma espécie na sociedade nacional. Para ele é suficiente que seja com o marco legal que se aprovou recentemente e talvez ainda com as regulamentações que com dificuldade poderão tramitar em um Senado hostil diante do iminente processo eleitoral” [5].
Santos sustentou uma posição ambígua ante o tema da paz: por um lado, diz ter as chaves da paz, que um dia foi perdida e no outro dia apareceram numa caixa forte; por outro lado, aprofunda a guerra suja, mediante o fortalecimento da militarização das comunidades rurais (os chamados planos de Consolidação Territorial); mediante o fortalecimento dos golpes às instâncias médias da insurgência e uma estratégia de judicialização das “redes de apoio” do movimento guerrilheiro, que submete o poder judicial às necessidades do projeto contra-insurgente (essência do Plano Espada de Honra); e por último, mediante o fortalecimento da impunidade para as ações das forças armadas dentro de uma estratégia sistemática de terrorismo de Estado (a ressurreição do chamado foro militar, acordo ao qual chegaram Santos e Uribe recentemente).
A partir da perspectiva santista, a paz ou a guerra não são senão estratégias para impor um insustentável projeto econômico-social neoliberal, baseado no Plano de (Sub) Desenvolvimento Nacional do santismo, cujos pilares são a agroindústria e a mineração. Se se conseguirá converter esta oportunidade para abrir negociações em um espaço a partir do qual se possa impulsionar as transformações sociais que demanda o povo colombiano, dependerá da capacidade de organização e mobilização do próprio povo, e tal coisa acontecerá apesar do Estado, não graças a ele.
Paz? Que paz?
Há uma coisa que o bloco dominante não perde de vista. É que a negociação com a insurgência hoje não é o mesmo que ocorria nas negociações de 1990-1994. Aqui não existem organizações cujo espectro ideológico seja um liberalismo radicalizado; não estamos ante grupos reformistas em armas, cuja direção está assumida pelos "bacanas", nem as demandas políticas dessas organizações insurgentes serão satisfeitas com promessas de reformas constitucionais cosméticas, nem com garantias generosas para desmobilizar-se, nem elas aceitarão uma "agenda restrita". Estamos diante de movimentos revolucionários que representam os mais pobres dos mais pobres. Estamos diante de movimentos guerrilheiros que representam as aspirações históricas deste campesinato que sempre ficou por baixo em todas as iniciativas de "paz". Estamos diante de insurgentes cujos pés se confundem com a terra que pisam. Estamos diante de quem não tinha nada e merece tudo.
Tampouco estamos diante de grupos derrotados militarmente, como os que se mobilizaram em 1990-1994, mas estamos diante de organizações fortemente enraizadas em amplas regiões do país, com capacidade operacional em quase todo o território nacional, com uma renovada capacidade para bater as forças armadas de Estado; em amplas regiões do país a insurgência é uma realidade política inescapável, um autêntico duplo poder que é legitimado em outras comunidades pisoteadas pela consolidação territorial do Exército e o flagelo paramilitar. Ainda que se queira convencer do contrário alguns comentaristas [6], se a insurgência negocia hoje é porque pode negociar, porque tem força e capacidade para fazê-lo. E bem sabem na Casa de Nariño que a desmobilização e a rendição desejadas pelo uribismo não são uma opção política.
Isto reconhece um artigo de 25 de agosto do El Espectador:
"É evidente que as FARC não são um parceiro fácil. Querem reforma agrária, que seja com base na Lei de Terras e na Lei de Vítimas; pretendem que se discuta a forma de contratação com multinacionais de petróleo e mineração; requerem espaços políticos para avançar para um contexto mais democrático e acreditam que a paz hoje também envolve a gestão adequada do meio ambiente. O resto são detalhes formais,  como o inamovível de que, se houver uma negociação, deve ser feita em território nacional". [7]
Resulta apenas óbvio que o discurso das FARC-EP como uma organização “terrorista”, “bandoleira”, “convertida em cartel do narcotráfico”, “lumpenizada”, é insustentável, pura propaganda, ainda mesmo quando se possa questionar certos métodos que utiliza. Ninguém em sã consciência pode negar que todos os aspectos que a insurgência reclama (terras, recursos naturais, democracia, meio ambiente, educação, saúde, seguridade social, etc.) sejam temas de crucial importância, onde as políticas do governo fazem água e que requerem a mais ampla participação do conjunto da sociedade. Que a insurgência tome estes temas e os converta em elementos indissociáveis do avanço de qualquer tentativa de superar o conflito social e armado de raiz, é um autêntico pesadelo para os setores mais recalcitrantes da oligarquia. Não é a suposta bandoleirização da insurgência, tão alardeada pelos meios de comunicação oficiais, que aterroriza a oligarquia, mas seu caráter político e revolucionário, e sua capacidade de articular as demandas de diferentes setores sociais.
É por isso que o bloco dominante sabe que a grande luta que vem a seguir é no plano político, mais ainda do que no militar. Porta-vozes do empresariado têm se pronunciado a favor de uma agenda de negociação restrita moldada nas negociações com o M-19, ou seja, uma negociação sem mudanças estruturais [8]. Eles esperam sair das negociações com o menor número de concessões e reformas possível, e sabem que isso os coloca em contradição não só com a insurgência, mas com um setor importante do povo organizado. Para isso, temos de estar alertas para o recrudescimento da guerra suja e dos ataques contra as organizações populares que lutam pela mudança social e que tradicionalmente têm acompanhado os processos de diálogo na Colômbia.
Esgota-se, momentaneamente, a estratégia militarista
Contudo, ainda que esta oligarquia tenha muito receio de abrir as portas a negociações que, com toda certeza, terminarão em um debate nacional sobre projetos antagônicos de país, sabe também que a persistência no rumo belicista é colocar a corda no pescoço; a insurgência se fortalece e existe hoje uma escalada do conflito social e da mobilização popular em todo o país que, se persistir, poderia ameaçar seriamente a hegemonia do bloco dominante. O país se encontra à beira de um novo ciclo de violência precipitado pelo deslocamento forçado, a desapropriação violenta de camponeses e comunidades, a penetração da mineração e da agroindústria em todo o país. A violência com a qual se vem impondo o modelo santificado no Plano de (Sub) Desenvolvimento Nacional de Santos gera, necessariamente, resistência. E a resistência, em um país como a Colômbia, dá-se de múltiplas formas, sendo caldo de cultivo para uma situação potencialmente explosiva.
Negociar com a insurgência pode servir a oligarquia, em suas mais otimistas projeções, para alcançar a paz neoliberal que permita o avanço do projeto neoliberal agro-extrativista, reduzindo os níveis de resistência, ao menos, dos projetos insurgentes. Em uma pesquisa feita com empresários colombianos pela Fundação Ideias Para a Paz, "A grande maioria deixou claro que descarta uma agenda de negociações que inclui reformas estruturais e com múltiplos atores, como ocorreu no Caguán. Eles preferem uma restrição ao desarmamento, a desmobilização e reintegração onde o Estado pode ser ‘generoso’. "[9]. Ou seja, a paz para facilitar a exploração das massas e do meio ambiente colombiano.
Nas projeções menos otimistas da oligarquia, as negociações serviriam ao menos para ganhar tempo e preparar-se para enfrentar, de maneira mais letal e eficiente, o seguinte ciclo de violência que paira no horizonte. Tal era a verdadeira intenção do governo Pastrana ao enfrentar o processo de negociações de San Vicente del Caguán. O próprio Pastrana, que falava de paz enquanto negociava o Plano Colômbia e dava altas somas à ferramenta paramilitar do Estado, cinicamente admitiu o seguinte em um artigo de dez anos após o colapso das conversações de Caguán:
“O Plano Colômbia (...) nos permitiu sentarmos na mesa de diálogo em desvantagem inicial, praticamente desarmados, com a certeza de que se haveria de concluir, seja com êxito ou fracasso, com um Estado armado até os dentes e pronto, como nunca antes, tanto para a guerra como para a paz”. [10]
Em ambos os casos, seja que a oligarquia busque pacificar o país sem mudanças substanciais, ou seja que procurem ganhar tempo para continuar com o negócio da guerra, qualquer paz que possa ser alcançada será efêmera, é apenas a calma que precede a tempestade violenta que recairá sobre as costas dos excluídos, dos despossuídos, dos violentados​, dos oprimidos. E são eles que devem ser mobilizados para impor a necessária vontade de mudanças estruturais e de fundo: o vento sopra a seu favor no momento, pois a mobilização popular está crescendo e há uma tendência saudável para a unidade dos que lutam. Estes dois fatores favorecem a possibilidade de que o bloco popular converta-se num fator de peso nas negociações, especialmente quando o bloco dominante tem contradições internas que, sem ser antagônicas, são bastante agudas e vão gerar uma crise de hegemonia.
Os "inimigos (não tão) submetidos" Santoyo e as contradições interburguesas
A hegemonia do bloco dominante, consolidada durante quase uma década de Plano Colômbia e da mal denominada "Segurança Democrática" (de que Santos era um continuador), é afetada não só pela crescente mobilização e descontentamento popular, mas também pela erosão da unidade do bloco dominante. Cada vez mais se tornam mais freqüentes os confrontos entre o uribismo entrincheirado entre os elementos inflamados das forças armadas, dos agricultores, da narcoburguesía e do caudilhismo, todos os quais vêem na guerra o seu grande negócio, e o santismo, que representa os interesses supremos do capital transnacional, buscando a "paz" para abrir caminho para seus negócios e investimentos na área agro-extrativista. Embora estes setores também tenham recorrido ao paramilitarismo para assegurar a "confiança dos investidores" e a desapropriação violenta para enriquecer, privilegiariam uma forma menos dispendiosa para garantir seus lucros, colocando-os em uma situação um tanto diferente com relação aos setores da burguesia que dependem, estruturalmente, da desapropriação violenta para acumulação de capital.
O colunista Alfredo Molano, há uns 2 meses, analisava esta contradição no bloco dominante e o impacto que teria sobre um eventual processo de negociação:
"Ao presidente fica mais fácil negociar com os guerrilheiros do que com os militares, empresários e caudilhos para terminar derrotado em outro Caguán. Foi essa carência o verdadeiro obstáculo para as negociações entre Pastrana e Marulanda. O erro do ex-presidente não foi a liberação de 30.000 km, mas foi não ter negociado com o establishment e com os militares o preço que essas duas poderosas forças estavam dispostas a pagar ". [11]
Enquanto se aprofunda a crise de hegemonia do bloco de poder, e enquanto avançam as lutas populares, assim como a insurgência, seria insensato para Santos não reagir diante da agitação que o uribismo leva adiante nos quartéis e seu trabalho de polarização no interior das estruturas de poder. Nem Santos, nem os capitalistas que representa, nem o imperialismo que o respalda, aceitarão que Uribe se converta em um fator de desestabilização. Eles todos suportaram Uribe quando ele serviu e ajudou a reconstruir a cambaleante hegemonia de uma oligarquia decadente. Mas nem o imperialismo e nem a oligarquia têm amigos, mas interesses apenas. No momento em que deixa de cumprir esse papel, Uribe se torna um "descartável".
Neste sentido deve-se compreender o encurralamento geral a que a justiça  submete o círculo interno de Uribe, com a condenação de Rito Alejo, os sinais crescentes de paramilitares como Mancuso entre seus vínculos com a AUC, os problemas dos familiares narcos do ex-presidente e a deportação do Geral Santoyo.
Não é que nós estejamos percebendo agora a extensão da podridão no ambiente em torno de Uribe, algo de que se sabe há algum tempo, mas agora o contexto é diferente. No caso Santoyo em particular, parece haver um elemento importante contra Uribe: se alguém pode comprometê-lo com o tráfico de drogas e os paramilitares, é ele. Já começou a falar de alguns generais, incluindo o braço direito de Uribe, Mario Montoya, e ameaçou "abrir o bico” sobre os políticos [12]. Será Santoyo uma cartada do santismo para tentar colocar Uribe sob controle? Haverá de se esperar a reação de Uribe ao anúncio de paz, o que provavelmente fará através do Twitter. Porém, se continuar jogando pela desestabilização, sua queda será, provavelmente, uma questão de tempo.
Envolver o povo na negociação
Ainda quando devemos ver as negociações sem ingenuidade e com bastante realismo, é indubitável que o atual momento abre um potencial enorme para superar as condições estruturais que levaram ao conflito social e armado na Colômbia, e que vem alimentando este modelo de capitalismo mafioso que acumula em função de desapropriações violentas. Tanto Santos como os empresários rechaçam ou relutam em aceitar a participação de "múltiplos atores" no processo de paz. Isto é, procuram excluir o povo da resolução de um conflito que o afeta diretamente, deixando intactas as condições para o início da nova onda de violência, como as que cronicamente afligem as sociedades do pós-conflito da América Central. Embora o movimento de guerrilha na Colômbia seja parte de um processo acumulativo importante de lutas populares na Colômbia, e mesmo que tenha um nível de legitimidade muito importante em muitas regiões do país, é claro que nem a insurgência, nem qualquer expressão do movimento popular colombiano pode assumir a representação exclusiva do movimento popular.
A insurgência tem se manifestado muitas vezes de acordo com esta posição, o que eles vêem como consistente em relação com seus postulados históricos. Em resposta ao professor Medófilo Medina, o comandante máximo das FARC-EP, Timoleón Jimenez, explica o significado da luta política, "para o poder do povo", desta guerrilha comunista: "Nem o Programa  Agrário, nem em qualquer documento posterior das FARC até a data de hoje, jamais se colocou que nossa meta como organização política e militar seja tomar o poder depois de vencer em uma guerra de posições o Exército colombiano, tal como se repete de vez em quando para todos aqueles que insistem em nos fazer reconhecer a impossibilidade desse objectivo. Desde o nosso nascimento, as FARC temos concebido o acesso ao poder como uma questão das multidões em agitação e movimento. "[13]
Nesta linha, o citado artigo do El Espectador coloca claramente, como um problema da negociação, que:
"Já se sabe anteriormente que outro dos aspectos difíceis é a agenda das FARC. A este respeito, é claro que, em princípio, a pretensão da guerrilha é envolver a sociedade civil na questão. Ou seja, para que os movimentos sociais, a academia e as minorias políticas tenham a mesma voz que possam ter os grupos econômicos. Assim, o movimento chamado de Marcha Patriótica pode tornar-se protagonista. Trata-se da criação de espaços políticos onde a discussão não se limita apenas ao impasse entre o governo e os guerrilheiros. (...) A respeito de Cauca as FARC têm um pensamento claro: se começa  um processo de paz com o governo, os indígenas desse departamento devem ter uma  voz especial na mesa de negociação "[14].
É necessário que as pessoas afirmem e exijam o seu direito de tomar parte neste processo e transformá-lo em um diálogo nacional em que se discutam os projetos de país que estão confrontadas em um conflito que não é só armado, mas principalmente social. Sobre a solução política, a mesma resposta do comandante Timoleón Jimenez afirma que:
"Não pode ser entendida senão como uma reafirmação da ordem existente. Não se trata de modo algum de guerrilheiros arrependidos e desacreditados que entregam suas armas e se submetem ao escárnio midiático e jurídico, para em seguida, com a espada a um fio das suas cabeças, ingressarem no mercado da política partidária a fim de fazer coro com as mentiras oficiais. Do que se trata é reconstruir as regras da democracia para que se debatam ideias e programas em igualdade de oportunidades. Sem o risco de ser assassinado ao chegar em casa. Falo dos desaparecidos e torturados por uma mão misteriosa que já se sabe que existe, como aquelas forças obscuras que exterminaram a União Patriótica sob o olhar impassível da classe política colombiana. É justo que se abra um debate público sobre estas questões, que se possa falar destes temas sem ser imediatamente oprimido pelo conjunto dos monopólios de informação".
Há de se colocar o povo em meio às negociações, mesmo que a oligarquia fique incomodada em ver tantos maltrapilhos ocupando o debate político, terreno reservado por dois longos séculos a uma elite republicana dourada, a linhagens moribundas e decadentes cujos nomes se repetem uma e outra vez na ocupação dos cargos de poder. Trata-se de ocupar estes espaços, de conduzir o debate político sobre a paz e a guerra,  sobre o modelo político e econômico para todas as praças públicas da Colômbia, a todas as faculdades e escolas, em todos os locais de trabalho, minas e vilas rurais. Deve-se usar este debate para promover um projeto de país para coletar e harmonizar as demandas mais urgentes de todos os setores populares que hoje lutam contra o modelo  econômico de morte e pilhagem imposto pelos de cima.
O anúncio do início deste novo caminho em busca de uma solução política não deve significar que se tenha que desmobilizar o povo. Muito pelo contrário, indica que é hora de o povo sair para lutar ainda mais decisivamente, que se aprofunde a mobilização social e se reforce os espaços da unidade do povo em luta. Devemos integrar, mais do que nunca, expressões como a Marcha Patriótica, para evitar um novo genocídio e proteger os espaços a partir dos quais o povo se mobiliza e faz ouvir sua voz e seu compromisso com uma nova sociedade. Nós apoiamos as lutas dos camponeses, operários, presos políticos, que agora estão em desobediência e greves em todo o país. Exigimos o fim da estigmatização, perseguição e detenção de ativistas sociais. Devemos exigir a suspensão da designação de "organizações terroristas" para os insurgentes, a fim de garantir as condições ideais para o diálogo franco e livre. Devemos exigir que este acordo inicial  avance para um cessar-fogo bilateral e para o desmantelamento dos grupos paramilitares, como forma de proteger a vida e a integridade das pessoas que hoje devem se converter em atores e protagonistas deste processo.
Somente a mobilização popular pode assegurar que o processo de paz que está no horizonte possa ser concluído com as transformações estruturais que reclamam amplos setores da Colômbia. E à luz dos enormes desafios colocados pelo poder, esta luta pela paz não será nada menos do que uma luta abertamente revolucionária. É hora de falar claramente sobre o caráter revolucionário desta luta, que envolve o confronto de um modelo baseado na exploração, pilhagem, morte e exclusão, com um modelo que cresce no coração do povo, baseado na inclusão, no respeito às comunidades e ao meio ambiente, na sustentabilidade para proteger a vida, na dignidade e na auto-determinação das pessoas. Não é nada mais nada menos do que o tipo de Colômbia que se quer construir o que está em jogo.
Tradução: PCB (Partido Comunista Brasileiro)
NOTAS DO AUTOR:
[4] Para um artigo que reflita as atitudes predominantes do Estado a respeito dos alcances limitados que esperam de uma eventual negociação, ver http://www.elespectador.com/impreso/politica/articulo-3...antos
[6] Ver, por exemplo, a última coluna de Humberto de la Calle http://www.elespectador.com/opinion/columna-370093-paz ou o seguinte artigo http://www.elespectador.com/impreso/politica/articulo-3...antos Ver, em resposta a esta tese, um artigo nosso em http://www.anarkismo.net/article/21961
(*) José Antonio Gutiérrez D. É militante libertário, residente na Irlanda, onde participa dos movimentos de solidariedade com a América Latina e Colômbia, colaborador da revista CEPA (Colômbia) e El Ciudadano (Chile), bem como do sítio web internacional www.anarkismo.net. Autor de "Problemas e Possibilidades do Anarquismo" (em português -Faisca ed., 2011) e coordenador do livro "Orígenes Libertarios del Primero de Mayo en América Latina" (Quimantú ed. 2010).

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