Por Carlos Latuff
Estados Unidos - Carta Capital -
Novamente o mundo assiste perplexo a mais um massacre nos Estados Unidos. E,
novamente, a sociedade estadunidense chora seus mortos. Nenhuma novidade. Lá são
inúmeros os casos de pessoas, aparentemente insuspeitas, que planejaram
cuidadosamente cada detalhe de uma chacina e a colocaram em prática com
itens encontrados em estabelecimentos comerciais. Por Carlos
Latuff
No dia 20 de julho, um jovem de nome James Holmes, equipado com
colete balístico, capacete, máscara contra gases e armado de pistola, escopeta e
fuzil, entrou num cinema em Aurora, no Colorado, lançou bombas de fumaça e
atirou contra os espectadores matando 12 deles e ferindo outras dezenas. De
acordo com a polícia, James Holmes não tinha antecendentes criminais, o que
significa dizer que até o dia do massacre James não infringiu a lei, fora uma
multa de trânsito em 2011. O jovem não comprou o armamento e a munição das mãos
de traficantes ou contrabandistas. Tudo foi adquirido legalmente em lojas
estabelecidas.
James Holmes comprou quatro armas, dentre elas um fuzil
semi-automático calibre .223. Armas com esse calibre podem ser encontradas em
qualquer mercado nos Estados Unidos e sua aquisição não requer nenhum exame
psicotécnico, depende apenas do dinheiro. Na Bas Pro Shop, uma das lojas
visitadas por James, um fuzil nesse calibre, semi-automático, Remington R-15
VTR Predator, custa US$ 1149.99. Apesar de ser vendida como arma de
caça, seu calibre foi desenvolvido por empresas dos Estados Unidos para o
exército daquele país que, depois da Segunda Guerra Mundial, concluiu que
precisava de um munição mais leve que a tradicional 7.62, afim de que seus
soldados tivessem mais precisão de tiro e pudessem carregar consigo mais balas.
O campo de provas desse novo calibre foi a selva vietnamita nos anos 60.
O mercado não se importa em produzir artigos que podem,
fatalmente, resultar na morte de seus consumidores. O sistema econômico vigente
consiste no tripé produção em massa/consumo/descarte. Para mantê-lo é preciso
criar perfis de consumo que nem sempre são baseados em necessidades reais. É
preciso produzir, não importa a que preço. Basta rotular um maço de cigarro com
“O Ministério da Saúde adverte” ou uma garrafa de bebida alcóolica com “Se beber
não dirija” para que se redima a culpa da indústria pelas mortes decorrentes de
doenças respiratórias e acidentes de trânsito. A indústria de alimentos despeja
todos os dias nos supermercados produtos que serão responsáveis por doenças
cardíacas, câncer, diabetes. A indústria química, proibida de vender agrotóxicos
nos países ricos, os vende à preço de banana para nações do Terceiro Mundo.
Nos Estados Unidos a indústria cinematográfica e armamentista
sempre andaram de mãos dadas. Hollywood tem sido vitrine para
o lobby das armas. É a forma mais eficiente de publicidade. Raramente
um filme americano na TV ou no cinema não tem ao menos um personagem disparando
armas, mesmo em comédias ou filmes românticos
como Ghost eTitanic. Assim como os filmes de Humphrey Bogart e
James Dean estimularam muita gente a fumar, Sylvester Stallone, Arnold
Schwarzenegger e Bruce Willis certamente inspiraram outros tantos a comprar ao
menos uma pistola.
E aí fica a pergunta. Por que tanta perplexidade com a ação de
James Holmes? O atirador do Colorado não fez nada que a sociedade e o mercado
não conhecessem e incentivassem. Ele foi até uma loja, comprou máquinas de matar
de forma legal e fez exatamente o que se espera delas. Matou. James Holmes é
portanto um consumidor, e o mercado agradece. A indústria armamentista não vai
parar por causa das vidas ceifadas à bala naquele cinema em Aurora, muito menos
pelos mortos em ataques de aviões não-tripulados estadunidenses no Paquistão e
no Afeganistão. É tudo negócio, nada pessoal.
Mais importante que nos debruçar sobre o perfil psicológico de
James Holmes é analisar o caráter do establishment que tornou possível
sua ação brutal.
http://www.diarioliberdade.org/mundo/batalha-de-ideias/29530-carlos-latuff-james-holmes,-um-consumidor.html
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