O recente decreto emitido por Mahmoud Abbas, por meio do qual se concede ao vice-presidente do Comitê Executivo da OLP a faculdade de assumir temporariamente a presidência da Autoridade Palestina em caso de vacância, é uma manobra política revestida de legalidade, mas vazia de legitimidade. É o reflexo mais nítido de uma liderança que perdeu o contato com seu povo e com a própria essência da causa palestina.
Abbas, que há mais de vinte anos se mantém agarrado ao poder sem convocar eleições presidenciais nem legislativas, tenta blindar seu círculo mais próximo diante do inevitável colapso político de uma estrutura corroída pela corrupção e pela dependência do ocupante. Enquanto o povo palestino sofre a ocupação, o bloqueio e a repressão, a Autoridade Palestina se dedica a garantir a continuidade de sua administração sob o disfarce de estabilidade institucional.
Nada mais distante da realidade. Esse decreto não busca assegurar a transição democrática, mas sim perpetuar um sistema baseado na subordinação política e econômica a Israel, por meio da infame “coordenação de segurança” que transforma a ANP em um instrumento de controle sobre o próprio povo.
De Ramallah, Abbas tenta construir uma legalidade paralela que sirva aos interesses do ocupante e das potências que financiam sua estrutura burocrática. Mas essa legalidade carece de toda legitimidade popular. O povo palestino não a reconhece, porque sabe que a verdadeira autoridade não se impõe a partir de um escritório, mas se conquista a partir da resistência — das ruas de Nablus e Jenin, dos campos de refugiados, da diáspora que nunca deixou de sonhar com o retorno.
A OLP, sequestrada por uma elite acomodada, precisa ser resgatada de sua paralisia institucional. Deve voltar a representar todos os palestinos, não apenas um grupo que governa sob o amparo da ocupação sionista. A unidade nacional não pode ser construída sobre decretos autoritários nem sobre a exclusão das forças de resistência, mas sobre a vontade coletiva de libertação.
Mahmoud Abbas poderá decretar sucessores, mas não poderá decretar legitimidade. O povo palestino, dentro e fora da pátria, já despertou. Não aceitará mais farsas constitucionais nem governos subordinados. A Palestina precisa de uma liderança que surja do sofrimento e da dignidade de seu povo, não da complacência com o ocupante.
A história julgará com dureza aqueles que, em nome da autoridade, traíram a causa de seu povo. Mas também reconhecerá a voz dos que, de qualquer lugar do mundo, levantaram a palavra para lembrar ao mundo que a única autoridade legítima é a que nasce da resistência e da esperança.
Ricardo Mohrez Muvdi
UPAL – União Palestina da América Latina
27 de outubro de 2025
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