quinta-feira, 23 de maio de 2019

Até ao último dos palestinos

A chamada «comunidade internacional» parece disposta a continuar a assistir à Nakba até à extinção do último palestino, triunfo supremo do terrorismo militar, político, diplomático , midiático e sobretudo sionista!

por José Goulão

16 de maio, 2019

Colonos atacan a los palestinos delante de los soldados israelíes | HISPANTV
Colonos judeus atacam palestinos na frente do exército sionista.
 O que está em curso há mais de setenta anos contra o povo palestino é um genocídio. Bárbaro. Impune. Ignorado. Branqueado por uma «comunidade internacional» que repudia o próprio direito pelo qual deveria guiar-se; e por uma comunicação social absorvente e totalitária que tomou conscientemente o partido dos genocidas, pelo que chega ao comportamento perverso de acusar as vítimas de práticas terroristas.

Os acontecimentos sucedem-se e atropelam-se em contínuo, muitos denunciados pelas próprias vítimas ou por aqueles que, desafiando as altas probabilidades de virem a ser acusados de antissemitismo ou de serem autores de execráveis delitos de opinião, não calam os crimes tornados banais e, sempre que possível, silenciados ou mistificados pelo sistema de censura mainstream.

Há um sentido único na barbárie desde que, há 71 anos, foi proclamado o Estado de Israel como fruto de imigração em massa de populações oriundas de vários países, sobretudo da Europa e da América do Norte, muitas fugidas de um outro genocídio, o Holocausto, a generalidade invocando preceitos e direitos de índole antropológica, histórica e religiosa que não cabem na teia de normas e leis pelas quais seria suposto regerem-se os Estados, as nações e os povos.

Um genocídio – o Holocausto – acabou por servir de pretexto a outro – a Nakba, a «catástrofe», em árabe – por via dos que, invocando as vítimas do primeiro, se transformaram em algozes do segundo. Uma mistificação gigantesca de consequências arrasadores para os direitos humanos, com a particularidade perversa de se consumar em nome dos direitos humanos, da democracia, da liberdade e da civilização.

Gaza: fome e miséria

Cadeia de mistificações

A relação de causa e efeito entre o Holocausto e a Nakba não era automática, mas o primeiro ministro de Israel em funções, Benjamin Netanyahu, acabou por estabelecê-la, tornando-a oficial para os escritores da História na perspectiva dos vencedores. Foi ele quem afirmou que Hitler originalmente não defendia a «solução final» para os judeus, mas foi convencido a consumá-la pelo Grande Mufti de Jerusalém, a autoridade religiosa da comunidade muçulmana da Palestina. Moral da história: os palestinos muçulmanos incentivaram a matança dos judeus pelo que é justo serem castigados. (!?)

O genocídio do povo palestino é praticado ao compasso de mistificações em cadeia aliando a política, a diplomacia, as próprias história e geografia, num discurso de propaganda como que hipnotizando a chamada «comunidade internacional». A qual, com uma espécie de consciência de culpa do Holocausto, permite que esta tragédia seja manipulada com múltiplos objetivos coloniais, mesmo os mais perversos e desumanos.

A operação de genocídio é sistemática e decorre de maneira impune.

Desde a mistificação básica do sionismo, «um povo sem terra para uma terra sem povo» – a Palestina, uma entidade com uma história longa e rica de quatro mil anos – que a limpeza étnica dos palestinos é executada em contínuo por duas vias: em vagas, criando ou aproveitando oportunidades históricas; e passo-a-passo, dia-a-dia, através de uma teia elaborada de pretextos e medidas arbitrárias travestidas de leis que o sionismo internacional e o seu ramo que gere o Estado de Israel puseram em funcionamento à margem e contra o direito internacional.

A primeira vaga aconteceu há 71 anos, quando as organizações terroristas das comunidades imigrantes derrotaram os exércitos árabes na Palestina e proclamaram o Estado de Israel. Mais de 700 mil palestinos foram chacinados e expulsos da palestina histórica, enquanto as suas comunidades funcionando em aldeias, vilas e cidades foram arrasadas, apagadas do mapa. Este massacre é assinalado como o início da Nakba.

Colonização igual a anexação

Com essa ofensiva terrorista, os dirigentes sionistas impuseram a primeira grande derrota às Nações Unidas na questão da Palestina, sabotando desde logo o «plano de partilha» de 1947, que previa a divisão do território em duas áreas étnicas – de maioria hebraica e de maioria árabe – ocupando os sionistas uma superfície da Palestina bastante superior à prevista no documento da ONU.

Na guerra de 1967, ou dos «Seis Dias», Israel expulsou as administrações egípcia e jordaniana de Gaza, da Margem Ocidental do Jordão e de Jerusalém Leste, ocupando também esses territórios; a própria guerra e as pressões terroristas dos sionsitas provocaram um novo êxodo de populações palestinas para os países vizinhos.

Israel deu então verdadeiramente início a um novo processo de anexação de territórios e de limpeza étnica sistemática, o da construção de colônias nos territórios ocupados. Com ela incentivou novas vagas de imigração hebraica, nas quais as correntes ortodoxas e fundamentalistas religiosas foram dominantes. As consequências da estratégia são cada vez mais visíveis nos dias de hoje pela maneira como essas correntes dominam a gestão sionista em Israel (Palestina ocupada) – não hesitando, sequer, em assumir constitucionalmente um regime de apartheid étnico e religioso.

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Muhammad Abid tenía cinco años y medio cuando le dispararon con una bala de goma de punta negra. Estaba caminando a casa desde la escuela en el barrio de Isawiya. "No hubo enfrentamientos ese día, fue una patrulla de rutina. Sólo una bala fue disparada y esta bala lo golpeó ", declaró su padre. Foto: Tali Mayer. Todos los derechos reservados.
A colonização, conjugada com o caráter militar e terrorista da ocupação e com os meios de segregação físicos – o muro de Jerusalém e da Cisjordânia e a cerco de Gaza – está na origem de uma balcanização dos territórios ocupados e do êxodo constante de palestinos. Expulsões, prisões, destruição de casas de habitação, check-points militares e outros entraves à circulação, devastação de colheitas e propriedades agrícolas, confisco arbitrário de recursos hídricos são formas comuns de terrorismo quotidiano que tornam praticamente inviável uma vida digna e com um mínimo de qualidade.

A transformação do Processo de Paz iniciado com as negociações de Oslo de 1993 num «processo de paz» eterno e de imposição da rendição da principal força nacionalista da resistência Palestina, a Fatah, tornou ainda mais débil e menos organizada a oposição dos palestinos à limpeza étnica.

A partilha das funções administrativas da chamada «autonomia» Palestina entre a Fatah e o Hamas, grupo que tem na sua gênese histórica o veneno do patrocínio israelita para dividir os movimentos de resistência  (Intifadas), foi um golpe profundo assestado pelo sionismo em comunhão com o establishment norte-americano e beneficiando da cumplicidade da chamada «comunidade internacional» – neste caso atuando como um todo através de uma entidade farsante, o «Quarteto para a Paz no Médio Oriente», nova e flagrante derrota das Nações Unidas.

A punição dos refugiados

A limpeza étnica da Palestina não se resume à substituição da população autóctone por contingentes imigrados. Tem uma componente menos abordada e que reforça a oposição ao retorno dos refugiados, um direito estabelecido nas normas da ONU: devastar comunidades de palestinos nos países vizinhos. Não se trata de eliminá-las pura e simplesmente, mas de manter sobre elas a pressão terrorista e de instilar a convicção de que o regresso será impossível, por isso mais vale desistir e deixarem-se assimilar pelos países de acolhimento – tornando eternos os campos de refugiados.

As invasões do exército israelitas do Líbano desde o início dos anos oitenta do século passado visaram permanentemente as zonas habitadas por palestinos – e dessa sanha ficou como símbolo o massacre de civis, sobretudo idosos e crianças, nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, nos subúrbios de Beirute, em Setembro de 1982.

O novo modelo colonial instaurado pelos Estados Unidos no Médio Oriente, através das guerras iniciadas por George W. Bush, contém perseguições organizadas e chacinas em zonas de refugiados palestinos tanto no Iraque como na Síria. Tratam-se de ações cometidas por interpostas entidades, grupos terroristas como o Estado Islâmico e a al-Qaida, apesar de serem «sunitas» como a maioria originária da Palestina. Já deixou de ser novidade a cooperação existente entre Israel e grupos terroristas islâmicos mercenários sobretudo na guerra da Síria, pelo que é óbvia a definição do palestino como um inimigo comum.

Ao reforço das correntes fundamentalistas religiosas e segregacionistas na gestão do sionismo correspondem passos ainda mais largos para a consumação do genocídio, da limpeza étnica da Palestina.

Anexação da Cisjordânia

Assim que Benjamin Netanyahu concluir a formação de um novo/velho governo está no horizonte o início da anexação progressiva da Cisjordânia, através da integração dos colonatos na estrutura administrativa de Israel. 

O reconhecimento pela administração Trump da anexação de Jerusalém Leste por Israel foi um balão de ensaio bem sucedido, uma tomada de pulso à «comunidade internacional» que, como é norma, permitiu que se atropelasse mais uma vez o direito internacional. Nem o eng. António Guterres acreditará na sua frase feita para a ocasião, segundo a qual «nada muda» no estatuto oficial de Jerusalém; como no dos Montes Golã; como dos colonatos a anexar. 

A velha política dos fatos consumados a funcionar, como tem acontecido ao longo da limpeza étnica da Palestina.

O crime vai-se consumando. Dos cerca de oito milhões de palestinos recenseados são menos de três milhões os que vivem na Palestina: dois milhões no imenso campo de concentração a céu aberto em Gaza; cerca de 800 mil em guetos e sob ocupação na Cisjordânia, incluindo os que vivem na zona de «autonomia» formal.

Os instrumentos de genocídio estão afiados e operacionais como nunca: anexação, colonização, guerra, terrorismo, segregação e isolamento, fome e sede, supressão de direitos, prisões e campo de concentração – 50 mil crianças presas por Israel desde 1967 – assassinos organizados e aleatórios, devastações de campos de refugiados.

A chamada «comunidade internacional» parece disposta a continuar a assistir à Nakba até à extinção do último palestino, triunfo supremo do terrorismo militar, político, diplomático e mediático do sionismo.

 

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