Entrevista
concedida pelo Excelentíssimo Senhor Presidente Bashar Al Assad ao jornal
britânico Sunday Times, em 06/12/2015.
Sunday
Times: Obrigado por nos receber, Senhor
Presidente. Como o senhor sabe, o governo britânico vai votar, hoje, sobre se
irá juntar-se aos ataques aéreos da coalizão contra ISIS. O senhor acha que é
certo a Grã-Bretanha se juntar aos ataques aéreos contra o ISIS na Síria? E o
senhor daria as boas-vindas a esta participação? O senhor acredita que esta
participação irá promover alguma mudança ou irá piorar a situação?
Presidente
Assad: Se eu quiser avaliar um livro, eu
não posso escolher uma única sentença do livro para avaliar o livro como um
todo. Eu teria que ver os títulos e, em seguida, os subtítulos dos capítulos e
depois poderemos discutir o resto do livro. Então, o que estamos discutindo
agora é apenas uma frase fora de contexto. Se voltarmos ao título, a pergunta é:
"Ela tem vontade de lutar contra o terrorismo?". Nós sabemos, desde o
princípio, que a Grã-Bretanha e a França formaram as pontas da lança, desde o
início do conflito na Síria, no seu apoio aos terroristas. Sabemos, todavia, que
eles não têm vontade própria. Se quisermos voltar até mesmo para o capítulo
sobre participação militar na coalizão, esta participação teria que ser
abrangente, ou seja, teria que ser pelo ar e por terra, em cooperação com as
tropas presentes no terreno. Isto significa as tropas nacionais, para que esta
intervenção ou participação seja legal. E esta participação só pode ser legal se
ocorrer em cooperação com o governo legítimo da Síria. Portanto, eu diria que
eles não têm vontade de lutar contra o terrorismo e nem a visão sobre a forma
de derrota-lo. E se você quer fazer uma avaliação, você precisa fazê-la baseando-se
nos fatos. Vamos voltar para a realidade no terreno. Desde que a coalizão iniciou
as suas operações, há pouco mais de um ano, qual foi o resultado? O ISIS, a
Frente al-Nusra e as outras organizações ou grupos similares, foram se
expandindo livremente. Em compensação, como ficou a situação depois que os
russos participaram, diretamente, na luta contra o terrorismo? O ISIS e a Frente
al-Nusra passaram a se encolher. Então, eu posso dizer que a participação deles
não obteve nenhum resultado. Em segundo lugar, esta participação será nociva e
ilegal e irá configurar um apoio ao terrorismo, a exemplo do que aconteceu após
a coalizão dar início às suas operações, há mais de um ano. Porque estas
organizações são como um câncer. Você não pode tratar o câncer com um corte.
Você precisa extirpá-lo definitivamente. Esse tipo de operação é como fazer um
corte no câncer, fazendo com que ele se alastre pelo corpo todo e de forma
rápida.
Sunday
Times: Deixe-me esclarecer duas coisas. O
senhor está dizendo que a intervenção britânica - e isso se aplica às outras
partes da coalizão- é ilegal do ponto de vista do Direito Internacional?
Presidente
Assad: Definitivamente. Nós somos um país
soberano. Veja os russos. Quando eles quiseram formar uma aliança contra o terrorismo,
a primeira coisa que eles fizeram foi começar as discussões com o governo sírio,
antes de qualquer outra parte. Em seguida, eles começaram a discutir a mesma
questão com outros governos. E então trouxeram suas forças. Portanto, esta é a
maneira legal para combater o terrorismo em qualquer parte do mundo.
Sunday
Times: O senhor está dizendo que a França
e a Grã-Bretanha são responsáveis pelo surgimento do terrorismo aqui. Mas
eles não foram, por exemplo, responsáveis pela ascensão do ISIS. O senhor não
acha que esta acusação é dura?
Presidente
Assad: Vamos começar pelo que o Blair
declarou. Ele disse que a invasão do Iraque levou ao surgimento do ISIS. E nós
sabemos que ISIS surgiu, declaradamente, anunciando-se como um estado no Iraque,
em 2006. Seu líder era Abu Mosaab
al-Zarqawi, que foi morto durante um bombardeio americano. Eles anunciaram que o mataram. Portanto, eles sabiam
de sua existência e sabiam que a organização do Estado Islâmico existia no
Iraque, naquela época, e que se mudou para a Síria após o início do conflito,
devido ao caos que se instalou. Então, as autoridades britânicas, especialmente
o Tony Blair, reconheceram isso. A realidade diz isso. Diz que eles ajudaram na
ascensão do ISIS e da Frente al-Nusra nesta região.
Sunday
Times: Em sua opinião, a ramificação da Al-Qaeda
na Síria, representada pela Jabhat al-Nusra, pode ser uma ameaça para o
Ocidente tanto quanto o ISIS? Ou superaria o ISIS há longo prazo? E será que o primeiro-ministro
da Grã-Bretanha, David Cameron, está lutando contra o inimigo errado? Isto é,
ele está indo atrás do ISIS ao invés da Frente al-Nusra?
Presidente
Assad: Esta questão se refere à
estrutura, e o problema não está relacionado à estrutura da organização.
Trata-se da ideologia adotada por estas organizações. Eles não baseiam suas
ações na estrutura ou na organização, mas sim na ideologia wahhabista,
obscurantista e deturpada. Desta forma, se pretendermos avaliar a diferença
entre os dois, não encontraremos nenhuma, porque eles têm a mesma ideologia.
Este é um dos aspectos. O outro aspecto é se quisermos falar sobre seus
fundamentos, seus seguidores e seus membros, verificaremos que esta distinção
não pode ser feita, porque eles pulam de uma organização para a outra e de um grupo
para outro. E é por isso que, às vezes, eles brigam entre si, pelos seus
interesses próprios, em escalas locais. Mas, na realidade, eles cooperam uns
com os outros em todos os níveis. Portanto, não é possível determinar quem é o mais
perigoso, porque todos eles possuem a mesma mentalidade. Podemos dizer que a
primeira organização está ligada a Al-Qaeda e a segunda também. A diferença está
somente no nome e talvez em alguns detalhes secundários.
Sunday
Times: Na semana passada, uma parte
fundamental do argumento que Cameron usou para ampliar os ataques aéreos do
Reino Unido na Síria era um número que ele usou - 70 mil rebeldes moderados –
que, conforme ele mencionou, "não pertencem a grupos extremistas",
mas já estão no terreno, e que o Ocidente poderia usa-los na luta contra o ISIS.
Com base em suas informações, qual é o grupo que tem este número de 70 mil? O
senhor está ciente da existência de 70 mil rebeldes moderados na Síria?
Presidente
Assad: Vou ser franco e direto sobre isso.
Este é um novo episódio de uma longa comédia de David Cameron. Isto é
inaceitável. Onde eles estão? Onde estão os 70 mil moderados de quem ele está
falando? Eles sempre falam sobre grupos moderados na Síria. Isto não passa de
uma piada que se baseia em apresentar dados falsos e absurdos ao invés de
apresentar os fatos. Os russos têm nos perguntado, desde o início de sua
participação, há dois meses, sobre onde estão os moderados? Ninguém lhes dá uma
resposta. Na verdade, desde o início do conflito na Síria, não havia militantes
moderados. Todos eles são extremistas. E para não dizer que eu estou apenas
dando desculpas e tal, consulte a internet, visite as páginas deles nas redes
sociais. Você irá encontrar vídeos e imagens de seus discursos e suas
atrocidades, com seus rostos à mostra. Eles usam espadas, fazem decapitações, comeram
o coração de uma pessoa inocente, que antes tinha sido desmembrada e daí por
diante. E, como você sabe, a confissão de um criminoso é a senhora de todas as
provas. Então, esses são os 70 mil moderados de quem ele está falando. Isto
equivale a descrever os terroristas que cometeram os ataques a Paris,
recentemente, e antes disso ao Charlie Hebdo, e antes dele ao Reino Unido, há
quase dez anos, e antes à Espanha, e o ataque de 11 de Setembro em Nova Iorque,
como oposição moderada. Isto é inaceitável em qualquer parte do mundo. Não há
70 mil, não há 7 mil e nem, talvez, 10 desses.
Sunday
Times: Nem mesmo, por exemplo, os curdos e
o Exército Livre da Síria?
Presidente
Assad: Os curdos estão lutando contra os
terroristas com o exército sírio, nas mesmas áreas.
Sunday
Times: Mas eles também estão sendo
apoiados, armados e treinados pelos americanos para lançar ataques e lutar.
Presidente
Assad: Eles recebem apoio, principalmente,
por parte do exército sírio e nós temos os documentos para comprovar. Nós
enviamos armas para eles porque eles são cidadãos sírios e porque eles querem
lutar contra o terrorismo. Fazemos o mesmo com muitos outros grupos na Síria,
porque não é possível mandar o exército para todas as partes da Síria. Portanto,
a questão não se resume, somente, aos curdos. Muitos outros sírios estão
fazendo o mesmo.
Sunday
Times: O Secretário de Estado americano,
John Kerry, disse, na última sexta-feira, que o governo sírio poderia cooperar
com as forças da oposição contra o ISIS, mesmo sem o presidente Assad deixar o
poder. Mas ele acrescentou que isso seria muito difícil se os combatentes da
oposição, que têm vindo lutar contra o presidente sírio, não acreditarem que
ele possa, eventualmente, deixar o poder. Kerry disse, ainda, que quanto ao
momento de deixar o cargo, a resposta é que não está claro se ele vai deixar o
poder. Enquanto isso, o Ministro das Relações Exteriores francês, Laurent
Fabius, disse ao jornal Le Progres, no sábado, que ele não acredita que a saída
do presidente Assad seja essencial para qualquer transição política na Síria,
acrescentando que a transição política não significa que o presidente Assad deva
renunciar antes do processo de transição, mas que devem existir algumas
certezas quanto ao futuro. Minha pergunta é: O senhor pretende completar o seu
mandato presidencial até 2021 ou o senhor espera que haja um referendo ou eleições
presidenciais antes desta data? E, caso a resposta seja afirmativa, quando é
que estas eleições seriam realizadas? E o que o faria decidir realiza-las? E se
estas eleições forem realizadas, a sua participação nelas é certa? O que pode
influenciar a sua decisão?
Presidente
Assad: A resposta depende do contexto da
pergunta. Se o contexto se refere a uma solução do conflito na Síria, então não
há relação entre a antecipação das eleições e o fim do conflito. Isso pode
acontecer somente com a luta contra o terrorismo e dando um basta no apoio dos
regimes ocidentais e regionais aos terroristas. As eleições antecipadas só seriam
realizadas como parte de um diálogo abrangente, sobre o futuro entre as forças
políticas e os grupos da sociedade civil na Síria. Desta forma, não se trata da
vontade do presidente, mas sim da vontade do povo sírio. Trata-se de um
processo político. Se este processo for acordado, então eu tenho o direito de
concorrer à eleição como qualquer outro cidadão sírio. Minha decisão, neste
caso, será baseada na minha capacidade de cumprir com os meus compromissos e se
tenho ou não o apoio do povo sírio. Em todo o caso, ainda é cedo para falar
sobre isso, porque, como você sabe, ainda não combinamos nada sobre este
processo.
Sunday
Times: O senhor acredita que o ISIS pode
ser derrotado somente com os ataques aéreos?
Presidente
Assad: A coalizão conseguiu derrotá-los com
ataques aéreos perpetrados por mais de um ano? Não conseguiu. Os americanos
conseguiram alguma coisa com os ataques aéreos no Afeganistão? Não conseguiram
nada. Conseguiram alguma coisa no Iraque, desde a sua invasão, em 2003? Nada.
Você não pode derrotar o ISIS somente com ataques aéreos, sem a cooperação das
forças no terreno. Você não pode derrotá-los sem a participação do governo e
das pessoas em geral. Eles não podem querer derrotar o ISIS com ataques aéreos.
Eles vão falhar novamente. A realidade diz isso.
Sunday
Times: Se a coalizão internacional se
recusar, como o fez até agora, a coordenar com o Exército Sírio ou com as
tropas locais no terreno, qual será o seu próximo plano? Quero dizer, o senhor
tem um plano B para além do que está acontecendo? Como o senhor planeja acabar
com esta guerra?
Presidente
Assad: Esta coalizão é ilusória, é
virtual, porque ela ainda não conseguiu nenhum resultado na luta contra o
terrorismo no terreno, na Síria. Portanto, já que é uma ilusão, ela não existe,
e nós não perderemos o nosso tempo com o "antes e o depois". Desde o
início, nós começamos a lutar contra o terrorismo, independentemente da
presença de quaisquer potências mundiais. E damos as boas vindas a todos os que
quiserem se juntar a nós. Juntando-se a nós ou não, nós continuaremos com a
nossa luta contra o terrorismo. Este é o nosso único plano. E não vamos
mudá-lo.
Sunday
Times: O senhor está convidando-os a pedir
ao governo sírio para coordenar e cooperar com o exército sírio e com a força
aérea síria na luta contra os terroristas?
Presidente
Assad: Somos muito realistas. Sabemos que
eles não o farão. Esta questão está relacionada ao Direito Internacional mais
do que qualquer outra coisa. Será possível que os governos ou os regimes
ocidentais não conheçam os fundamentos do Direito Internacional? Será possível
que eles não entendam o significado de um Estado soberano? Ou que não tenham
lido a Carta das Nações Unidas? Eles não respeitam o Direito Internacional e
nós não pediremos sua cooperação.
Sunday
Times: Mas o senhor gostaria que eles
cooperassem?
Presidente
Assad: Se eles estão dispostos e
genuinamente sérios em combater o terrorismo, então nós daremos as boas vindas
ao país ou governo e a qualquer esforço político que tenha este objetivo. Quanto
a isso, não somos radicais e sim totalmente pragmáticos. Em síntese, o que
queremos é resolver a situação na Síria e evitar mais derramamento de sangue.
Essa é a nossa missão. Então, não se trata de amor ou ódio, aceitação ou não
aceitação, mas sim da realidade. Eles estariam realmente dispostos a nos ajudar
na lutar contra o terrorismo? A
impedir ou não os terroristas de entrarem na Síria através de governos que são
seus agentes em nossa região? Esta é a verdadeira questão. Se eles estiverem
dispostos, nós aceitaremos de braços abertos. Essa não é uma questão pessoal.
Sunday
Times: O senhor acredita ser possível
para vocês, na Síria, e para os seus aliados - Rússia, Irã, Hezbollah e outros
aliados - derrotar militarmente o ISIS? E,
em caso afirmativo, quanto tempo o senhor acha que isso poderia levar?
Presidente
Assad: A resposta está baseada em dois
fatores: De um lado, as nossas capacidades, e de outro, o apoio recebido pelos terroristas.
Do nosso ponto de vista, se cessar o apoio dado a estes grupos por parte de vários
países da nossa região e do Ocidente em geral, será uma questão de meses para que
cumpramos a nossa missão. Não é uma situação complexa e a solução está muito
clara para nós. No entanto, estes grupos recebem apoio ilimitado desses países,
o que faz com que a situação se arraste, se prolongue, se torne mais complexa e
mais difícil de resolver. Isto significa que a nossa missão será cumprida, mas
o custo será elevado e quem acabará pagando o preço serão os sírios.
Sunday
Times: Mas o preço já está sendo alto
demais. Mais de 200.000 pessoas foram mortas.
Presidente
Assad: Você está certo. Esta é uma das consequências
do apoio que citei.
Sunday
Times: Mas, também, uma grande parte
desta responsabilidade é atribuída ao governo sírio e ao seu uso da força, que,
em determinadas situações, não faz distinção entre civis e combatentes e é
desnecessário em algumas áreas. Foi isso que levou a um grande número de vítimas.
Qual a sua resposta para isso?
Presidente
Assad: Em primeiro lugar, digo que todas as
guerras são ruins. Não existe essa coisa de boa guerra. Em toda guerra há
sempre muitas vítimas inocentes. E isso só pode ser evitado se pormos um fim à
guerra. É evidente que as guerras, em qualquer lugar do mundo, irão resultar em
perdas de vidas. Além disso, o discurso que tem sido repetido no Ocidente, por
um longo tempo, ignora o fato de que, desde o primeiro dia da crise, os
terroristas vêm matando pessoas inocentes. Ele também ignora o fato de que
muitas das pessoas que foram mortas eram partidárias do governo e não o
contrário. Nossa única resposta, como governo, é a luta contra os terroristas.
Não há outra escolha. Não podemos parar de lutar contra os terroristas, que
matam civis, por medo de sermos acusados pelo Ocidente de que fazemos uso da
força.
Sunday
Times: Vamos falar sobre o papel da
Rússia. Quão importante é o papel da Rússia? A Síria estava prestes a cair se
não fosse pela intervenção da Rússia, naquele momento em que interveio?
Presidente
Assad: O papel da Rússia é muito
importante. E teve um impacto significativo nas arenas política e militar na
Síria. Mas dizer que sem este papel, o governo ou o estado teria entrado em
colapso, é hipotético. Desde o início do conflito na Síria, havia apostas sobre
o colapso do governo. No início era uma questão de semanas, depois era questão
de alguns meses e depois de alguns anos. Em todas as vezes, isso foi
impulsionado por um pensamento baseado em vontades e não em fatos. O fato é que o apoio russo, em consonância com
o forte e firme apoio iraniano, ao povo e ao governo sírio, teve um papel muito
importante para manter a resistência do Estado sírio na luta contra o
terrorismo.
Sunday
Times: O senhor se refere ao apoio anterior
ou à recente intervenção militar?
Presidente
Assad: Eu me refiro ao apoio como um
todo, não apenas à recente participação. Eles nos deram apoio desde o início,
em todos os aspectos, tanto o político quanto o militar e o econômico.
Sunday
Times: Como e por que a participação
russa aconteceu agora? O senhor pode nos dar alguns detalhes sobre as
discussões que ocorreram entre o senhor e o Presidente Putin e o que levou a
realiza-las? Quem deu o primeiro passo? Foi o senhor quem pediu ou foram eles
que se ofereceram?
Presidente
Assad: Você terá que perguntar aos russos pelo
motivo de sua participação. Mas do nosso ponto de vista, uma vez que a coalizão
ocidental começou a atuar na Síria, o ISIS se expandiu, a Frente al-Nusra se
expandiu, assim como todos os outros grupos extremistas e terroristas,
controlando mais territórios na Síria e no Iraque. Os russos viram, claramente,
que isto representava uma ameaça para a Síria, para o Iraque e para toda a região,
bem como para a Rússia e para o resto do mundo. Podemos ver isso na realidade
vivida pela Europa de hoje. Se você fizer uma leitura e uma análise do que
aconteceu recentemente em Paris e do que aconteceu no Charlie Hebdo, sem
separar entre os dois incidentes, você perceberá algo muito importante. Quantas
células extremistas existem atualmente na Europa? Quantos extremistas vocês
exportaram da Europa para a Síria? É aí que mora o perigo. O perigo reside na
existência de uma incubadora. Os russos puderam ver isso com muita clareza.
Eles querem proteger a Síria, o Iraque, a região, a si mesmos e até mesmo a
Europa. Eu não estou exagerando quando digo que os russos estão protegendo a
Europa de hoje.
Sunday
Times: Foram eles que o procuraram e
disseram: Nós queremos ajudar, ou foi o senhor quem os procurou e pediu ajuda?
Presidente
Assad: Foi uma decisão cumulativa. A
coisa não aconteceu por causa de uma ideia que eu propus ou porque eles
propuseram outra ideia. Como você sabe, a nossa relação com os russos remonta de
mais de cinco décadas, e eles sempre mantiveram equipes militares na Síria. Você
pode chama-los de especialistas ou por qualquer outro nome que você queira.
Esta cooperação acelerou-se e cresceu durante a crise. Suas equipes estão aqui,
conosco, e podem ver a situação em tempo real. Este tipo de decisão não começa
de cima para baixo, mas sim de baixo para cima. Há discussões políticas e
militares diárias entre os nossos dois países. E quando estas discussões
chegaram ao nível presidencial, já estavam maturadas o suficiente e os
fundamentos estavam prontos para que pudéssemos tomar uma decisão rápida.
Sunday
Times: Mas deve ter havido um momento em
que eles disseram: Nós pensamos, e se vocês estiverem de acordo, que chegou o
momento de intervirmos diretamente.
Presidente
Assad: Mais uma vez, isso começou nos
níveis mais baixos. Esses funcionários concordaram, conjuntamente, que a
participação se fazia necessária e cada parte discutiu o assunto com seus
líderes. E quando chegamos à fase da discussão entre nós, quero dizer, entre o
Presidente Putin e eu, concentramo-nos, em nossas discussões, sobre como isso
seria feito. É claro que isso não aconteceu de forma direta, porque nós não
tínhamos nos encontrado antes e é impossível discutir essas questões por
telefone. O encontro foi organizado por altos funcionários de ambas as partes. Foi isso o que aconteceu. Em termos de
procedimento, enviei uma carta ao presidente Putin, na qual incluí um convite para
que suas forças participassem do combate ao terrorismo.
Sunday
Times: Então o senhor fez um pedido ao
presidente Putin depois de ter sido aconselhado por seus funcionários?
Presidente
Assad: Exatamente, depois de chegarmos a
este ponto, mandei uma carta oficial ao Presidente Putin e divulgamos um
comunicado anunciando que o tínhamos convidado para se juntar aos nossos
esforços. Não vamos esquecer que o presidente Putin já tinha dado um passo, neste
sentido, quando declarou que estava disposto a criar uma coalizão. Minha
resposta a isso é que nós estávamos prontos, caso ele quisesse participar com
suas forças.
Sunday
Times: Então, quais forças foram
destacadas? Estou me referindo às forças russas. Há relatos, por exemplo, da
presença de mil soldados, além de forças especiais. Isso está correto? O senhor
acredita que haverá o tempo em que os russos não vão se restringir às forças
aéreas e que participarão, também, com as forças terrestres?
Presidente
Assad: Não. Até o presente momento, isso
não existe. Não há tropas terrestres, exceto o pessoal que eles enviaram junto com
os militares e aviões para vigiar a base aérea e isso é normal. Eles não têm
quaisquer tropas terrestres, em absoluto, lutando com as forças sírias.
Sunday
Times: E não há planos neste sentido?
Presidente
Assad: Nós ainda não discutimos isso. E
eu não acredito que precisaremos dessa discussão agora, porque as coisas estão indo
na direção certa. Podemos considerar isso com o passar do tempo ou em outras
circunstâncias, mas no presente momento isso não está sendo discutido.
Sunday
Times: Houve relatos ou sugestões de que a
Síria poderá adquirir o sistema S-300 dos russos e que este sistema permitirá aos
sírios proteger o seu espaço aéreo. A Síria usará este sistema contra as forças
da coalizão, lideradas pelos Estados Unidos, até mesmo se houver a participação
da Grã-Bretanha? Considerando que os aviões da coalizão estão no céu da Síria,
como o senhor havia dito, sem uma autorização oficial ou soberana, quando a
Síria adquirir o sistema S-300, ela o usará para impor a proteção ao seu espaço
aéreo e para mandar um recado à coalizão de que ‘vocês devem tratar conosco de
forma direta’ ou ‘coordenar conosco no terreno’?
Presidente
Assad: Nós temos esse direito. E deve-se
esperar que proibamos qualquer avião de violar nosso espaço aéreo. Isso é absolutamente
legal. Usaremos qualquer meio disponível para proteger o nosso espaço aéreo.
Não se trata deste armamento em particular porque todos os sistemas de defesa
aérea são usados para este fim.
Sunday
Times: O senhor já possui este sistema de
defesa?
Presidente
Assad: Não. Não o possuímos até o momento.
Sunday
Times: E se o senhor adquirir este
sistema de defesa?
Presidente
Assad: Usaremos todos os sistemas de
defesa que adquirirmos para este fim. Se não vamos proteger nosso espaço aéreo,
por que então compraríamos este tipo de armamento? Isso é elementar!
Sunday
Times: E se adquiri-lo?
Presidente
Assad: Não é o momento propício para
falarmos sobre este assunto. A nossa prioridade é lutar contra o terrorismo no
terreno. Este é o maior perigo no
momento. É claro que estamos dispostos a proteger nosso espaço aéreo e impedir
a intervenção estrangeira nos nossos assuntos internos, tanto os militares como
os outros. Mas a nossa prioridade agora é derrotar os terroristas. Ao derrotar
os terroristas, alguns dos quais são sírios, podemos ir além e defender o país
inteiro dos estrangeiros. É uma questão de prioridades.
Sunday
Times: Mas eu me referia aos aviões da
coalizão que estão, de fato, sobrevoando o espaço aéreo sírio no presente
momento. Então, isso não é uma prioridade no momento?
Presidente
Assad: Não. Neste momento não. Nossa
prioridade é combater o terrorismo.
Sunday
Times: Se a Arábia Saudita convidá-lo para
realizar discussões sérias sobre o futuro da Síria, o senhor aceitaria esse
convite? Ou as relações entre a Síria e a Arábia Saudita foram severamente
cortadas ao ponto de leva-lo a não considerar este tipo de convite?
Presidente
Assad: Não, não há nada impossível na
política. Não se trata do fato de eu aceitar ou não. Trata-se das políticas de cada
governo. Quais são as políticas dela em relação à Síria? Ela continuará ou não a
apoiar os terroristas? Ela continuará a jogar os seus jogos perigosos na Síria,
no Iêmen e em outros lugares? Se ela está disposta a mudar suas políticas,
especialmente no que diz respeito à Síria, não teremos nenhum problema em nos
reunirmos com ela. Portanto, não se trata da reunião ou se participaremos ou
não dela. Trata-se da abordagem dela em relação ao que está acontecendo na
Síria.
Sunday
Times: O senhor espera algum resultado
das negociações em Viena? E qual seria o tipo de um possível acordo que possa
resultar dos encontros de Viena?
Presidente
Assad: O ponto mais importante no
comunicado Viena é que os sírios devem se reunir para discutir o futuro da
Síria. Todo o resto é secundário. Se este ponto principal não existir, os
outros pontos secundários não terão valia. Desta forma, a única solução é que
nos reunamos como sírios. Viena em si não passa de uma reunião para declarar
intenções e não um processo real de sentar-se à mesa e discutir o futuro.
Então, a questão não é o que resulta de Viena, mas sim o que nós sírios somos
capazes de alcançar quando nos sentamos juntos.
Sunday
Times: Mas o senhor atentou para o fato
de que alguns dos líderes da oposição, eu me refiro a figuras da oposição que são
contra pegar em armas e tudo o mais, têm medo de entrar na Síria, porque, no
momento em que eles colocarem o pé na Síria, serão detidos pelos agentes de
segurança e colocados na prisão. Isso já aconteceu com os outros.
Presidente
Assad: Não, isso nunca aconteceu. Existe
uma oposição na Síria e ela é livre para fazer o que quiser.
Sunday
Times: Não, eu me refiro à oposição
externa. Por exemplo, alguém como Haitham Mannaa não pode voltar.
Presidente
Assad: Temos dito, claramente, que quando
houver um encontro na Síria, em que eles queiram participar, nós garantimos que
eles não serão presos ou detidos. Temos dito isto repetidas vezes. Nós não
temos nenhum problema a este respeito.
Sunday
Times: A Arábia Saudita convidou 65 personalidades,
entre as quais líderes da oposição e até mesmo comandantes rebeldes,
empresários e figuras religiosas para uma reunião na Arábia Saudita, com o
objetivo de apresentar uma frente unida em preparação para as conversações de
janeiro, em Viena. No entanto, o governo sírio, que é o outro componente
importante neste processo todo, que tem por objetivo discutir o futuro da
Síria, não parece estar falando com a oposição. O senhor tem realizado
quaisquer negociações com a oposição? E já chegou a algum consenso com ela?
Presidente
Assad: Temos canais diretos com alguns
grupos de oposição, mas outros grupos não podem se comunicar conosco, porque
eles não têm permissão para fazê-lo pelos governos que os controlam. De nossa parte,
estamos abertos para discussões com todas as partes pacíficas da oposição. Não
temos nenhum problema quanto à isso. Quanto à reunião a ser realizada na Arábia
Saudita, os sauditas apoiam o terrorismo de forma direta, pública e explícita.
Essa reunião não mudará nada no terreno. Antes e depois da reunião, a Arábia
Saudita continuará fornecendo apoio aos terroristas. Não se trata de um divisor
de águas que possa ser discutido. Nada vai mudar de fato.
Sunday
Times: O senhor vislumbra a chegada de um
momento, no futuro, em que, para proteger a Síria ou salvar a Síria ou para
movimentar o processo político com determinados grupos ou um grupo específico
que o senhor considere terrorista atualmente, mas com o qual o senhor
concordaria em negociar no futuro, porque isso seria benéfico para o futuro da
Síria?
Presidente
Assad: Nós já fizemos isso. Desde o início, um dos pilares da nossa
política foi iniciar um diálogo com todas as partes envolvidas no conflito, sendo
elas sírias ou não. Negociamos com muitos grupos terroristas - e para ser bem
precisonao negociamos com as organizações - que queriam desistir das armas e
voltar à vida normal. Estas negociações resultaram no anúncio de mais de uma
anistia e fomos bem sucedidos em muitas situações. Além disso, muitos desses combatentes
se juntaram ao Exército Sírio e estão lutando com as nossas forças. Portanto,
sim, nós estamos negociando com aqueles que cometeram atos ilegais, tanto
militares quanto políticos, na Síria, para alcançarmos soluções, com a condição
de que eles deponham as armas e voltem à vida normal. Isso não significa que
nós negociaremos com organizações terroristas como o ISIS, a Frente al-Nusra e
outros. Quando me refiro a grupos, quero dizer aqueles que participaram da
luta, arrependeram-se de suas escolhas e quiseram voltar à vida normal.
Sunday
Times: Existe algo que os rebeldes chamam
de “barris explosivos” e o senhor rejeita este nome. Independente do nome, as
bombas não fazem distinção entre combatentes e civis. O senhor reconhece que a
Síria fez uso de bombas que não fazem distinção entre civis e combatentes, em
algumas áreas, o que resultou na morte de muitos civis?
Presidente
Assad: Vamos supor que esta parte da
propaganda seja verdadeira, mesmo não sendo. Mas, para o bem do argumento,
vamos fazer a mesma pergunta no que diz respeito aos vários ataques perpetrados
pelos americanos e os britânicos, com seus aviões e mísseis de altíssima
precisão, no Afeganistão e no Iraque. Não somente após a invasão do Iraque, em
2003, mas também durante a primeira guerra do Golfo, em 1990. Quantos civis e
pessoas inocentes foram mortas por esses ataques aéreos com esses mísseis de
altíssima precisão? Eles mataram mais civis com seus mísseis do que
terroristas. Portanto, a questão não são os chamados ‘barris explosivos’ ou ‘este
presidente malvado que mata pessoas de bem que estão lutando pela liberdade’.
Esta imagem romantizada não é real. A questão é sobre como você usa seus
armamentos, independente de serem barris explosivos ou mísseis de alta
precisão. É sobre como você usa essas armas, o tipo de informações que você tem
e quais são as intenções. Será que queremos matar pessoas inocentes? Como isso
é possível se o Estado é quem os defende? Se fizéssemos isso, nós os estaríamos
empurrando para os braços dos terroristas. Se quiséssemos matar os civis ou os
inocentes, por qualquer motivo, isso servirá aos interesses dos terroristas. E
isso vai contra os nossos interesses. Seria possível atirarmos no próprio pé?
Isso é surreal e incoerente. Não dá mais pra vender este tipo de propaganda.
Ninguém mais acredita nela.
Sunday
Times: Senhor Presidente, uma última
pergunta. Como presidente do seu país, que comanda o exército e os outros
setores, por conta do seu posto, o senhor não assume a responsabilidade por
algumas coisas que aconteceram na Síria?
Presidente
Assad: Eu fui questionado sobre isso
muitas vezes, especialmente por parte dos meios de comunicação ocidentais e dos
jornalistas. O objetivo da pergunta é para me constranger e me encurralar entre
duas respostas: Se eu disser que sou responsável, eles dirão: Viram? O Presidente
é responsável por tudo o que aconteceu. Se eu disser que não sou responsável, eles
dirão que não é verdade, ‘você é o presidente, como você pode não ser o responsável?’
Sunday
Times: Porque o senhor é o presidente, ou
digamos o chefe da família.
Presidente
Assad: Deixe-me continuar. Esta foi apenas
uma introdução para a minha resposta. É muito simples. Desde o início, nossa política
foi baseada em dois pilares: engajar-nos no diálogo com todos e lutar contra o terrorismo
em todos os lugares da Síria. Agora, se você quer falar sobre responsabilidade,
você tem que discutir os vários aspectos do conflito na Síria, bem como a razão
pela qual estamos aqui, hoje, nesta situação difícil e triste. Se eu assumir a
responsabilidade, será que eu teria que assumir, também, a responsabilidade
pelo dinheiro pago pelo Qatar aos terroristas? Ou pelo financiamento de suas
atividades por parte dos sauditas? Ou pelo pedido dos governos ocidentais para
que os terroristas entrem na Síria? Ou assumir a responsabilidade pela
cobertura política dada pelos governos ocidentais aos terroristas para classificá-los
como moderados? Ou o embargo ocidental imposto ao povo sírio? É isso que nós
temos que discutir. Não podemos simplesmente dizer que o presidente assume esta
ou aquela responsabilidade. Temos de falar sobre cada um dos aspectos e discernir
entre as decisões tomadas no âmbito político, de um lado, e as práticas de
outro lado. Entre a estratégia e as táticas. Portanto, é uma avaliação muito
complexa. Além disso, se você quiser avaliar quem deve assumir a
responsabilidade na Síria, isso pode ser feito ao final da guerra, quando poderemos
investigar toda a situação, durante e depois.
Sunday
Times: Senhor Presidente, muito obrigado.
Fonte: Embaixada da República Árabe da Síria
Data: 09/10/2015
Tradução: Jihan Arar
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