quinta-feira, 1 de julho de 2010

Violência de Israel faz parte do dia-a-dia do povo palestino

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Todas as sextas-feiras, cidades palestinas da Cisjordânia realizam manifestações em frente ao muro construído por Israel

10/06/2010
Dafne Melo enviada a Ni’lin (Palestina)


Para os muçulmanos, a sexta-feira é um dia sagrado, assim como o domingo para os cristãos e o sábado para os judeus. Ao meio-dia, pelos alto-falantes colocados na torre de cada mesquita, começa a ecoar uma oração. É o chamado para que a comunidade vá até a mesquita, não só para rezar, mas também para onde será feito o khutbah, uma espécie de sermão onde são discutidas inclusive questões sociais e políticas ligadas à comunidade.


Desde o início da construção do muro pelo Estado de Israel (ver box), o ritual religioso é seguido por uma manifestação política em diversas cidades da Cisjordânia por onde passa o muro. Esse é o caso de Ni’lin, próxima à cidade de Ramallah, bem como de diversas outras na Cisjordânia. Hoje há manifestações, tradicionalmente, em todas as cidades por onde passa o muro e também em cidades onde há ocupação sionista, como Hebron.


No dia 4 de junho, além das bandeiras palestinas, bandeiras turcas decoraram a marcha, em apoio ao governo da Turquia e aos ocupantes da flotilha atacada por Israel no dia 31 de maio, quando nove ativistas foram assassinados e dezenas de pessoas ficaram feridas, em mais uma ação militar do Estado de Israel.


Ritual


Pouco tempo depois do chamado, dezenas de pessoas começam a se concentrar, não na mesquita, mas em um terreno a mais ou menos 1,5 quilômetro do muro. Ainda na cidade, no caminho até o terreno, Fuad Khauadja, da União de Comitês Agrícolas, que acompanha a reportagem do Brasil de Fato, para em uma venda onde um jovem com cerca de 16 anos se levanta da cadeira para cumprimentá-lo com dificuldade. Com a muleta nas mãos, trocam algumas palavras. “Ele levou um tiro em uma das manifestações de sexta-feira, na região do abdômen e na perna, e por isso tem dificuldade para andar”, conta.


Já no terreno, grupos de pessoas vão se sentando abaixo das oliveiras, para se proteger do sol, aguardando o chamado para rezar. Depois, se dispõem em três fileiras grandes em frente ao líder religioso e por pouco mais de dez minutos oram e, em seguida, caminham em marcha até um terreno inclinado, cheio de pedras, oliveiras e restos de bombas de gás lacrimogêneo usadas em outras sextas-feiras.


Adultos com crianças seguem até certa parte da caminhada. Na medida em que o grupo se aproxima do muro, soldados israelenses começam a atirar as bombas de gás lacrimogêneo com morteiros por detrás do muro. Uma parte do grupo se retira e alguns, na maioria os mais jovens, com fundas nas mãos, começam a atirar pedras para o outro lado do muro. Hoje, o vento forte está a favor dos palestinos. O gás se dispersa rápido e leva o gás em direção aos soldados.
Força desigual


Um dos símbolos do judaísmo é a estrela de David, personagem bíblico que derrotou Golias com uma funda e uma pedra. Agora, quem empunha a pedra contra o gigante são os palestinos. “A passeata é pacífica, mas para eles não existe 'pacífico'. É sempre assim, quando chegamos perto do muro já começam a atirar gás. A maioria recua, alguns jovens ficam para atirar pedras”, explica Taicir Karaja, brasileiro filho de palestinos que vive há dez anos na cidade vizinha de Saffa.


Algumas vezes, os soldados saem detrás do muro, fortemente armados, e disparam contra os manifestantes. Fuad Khauadja conta que, desde o início da construção do muro, 80 pessoas de Ni’lin foram presas e cinco pessoas foram assassinadas. Um deles, um menino de 10 anos, Ahmed, que brincava com outras crianças após a manifestação. Segundo testemunhas, um soldado israelense foi até o lugar e disparou contra o menino com uma metralhadora à queima-roupa, na cabeça. Nada foi feito, nenhuma punição foi realizada. “Israel é um Estado que não obedece a nenhuma lei, faz o que quer, nunca é punido, não importa o que faça”, diz, com revolta, Taicir.


Khauadja afirma que as manifestações já deixaram um saldo de 150 feridos, sendo que 25 deles têm seqüelas, tal como o jovem que encontramos no caminho da manifestação. “Eles procuram atirar em regiões do corpo onde há ossos, para deixar seqüelas”, denuncia Khauadja.


O Crescente Vermelho Palestino, ligado à Cruz Vermelha, mantém ambulância e profissionais equipados com macas e máscaras para proteger do gás ao lado da manifestação. Hoje, felizmente, nenhum ferido.


O muro do apartheid israelense


A construção do muro iniciou-se em 2002, ainda sob o governo de Ariel Sharon. O objetivo foi separar a Cisjordânia do restante do território. A construção, entretanto, não respeita as fronteiras da Cisjordânia, conhecida como Linha Verde, definida no armistício de 1967. A obra também descumpre o Acordo de Oslo, de 1993. Apenas cerca de 20% do muro coincide com a Linha Verde; os 80% restantes situam-se em território de Daffa – ou Cisjordânia. A obra é vista como um símbolo do apartheid a que Israel submete os palestinos, além de mostrar o total descumprimento e descaso do Estado sionista em relação às resoluções internacionais. Embora diversas organizações internacionais tenham condenado o muro, Israel não sofreu nenhuma punição. (Leia mais na edição 380 do Brasil de Fato).

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