terça-feira, 22 de novembro de 2022

Perseguindo uma miragem:como os partidos árabes de Israel legitimam o aparheid

 


Israel foi estabelecido sobre uma premissa problemática de ser uma pátria de todos os judeus, em todos os lugares – não dos próprios habitantes nativos da Palestina – e sobre uma fundação sangrenta, a da Nakba1 e a destruição da Palestina histórica e a expulsão de seu povo.

  

Independentemente do resultado das últimas eleições israelitas, os partidos árabes não colherão benefícios políticos significativos, mesmo que alcancem coletivamente a sua maior representação de todos os tempos. A razão não se prende com os partidos em si, mas com o sistema político enviesado de Israel que se baseia no racismo e na marginalização dos não-judeus.

Israel foi estabelecido sobre uma premissa problemática de ser uma pátria de todos os judeus, em todos os lugares – não dos próprios habitantes nativos da Palestina – e sobre uma fundação sangrenta, a da Nakba1 e a destruição da Palestina histórica e a expulsão de seu povo.

Tais começos dificilmente conduziram ao estabelecimento de uma verdadeira democracia, perfeita ou defeituosa. A atitude discriminatória de Israel não apenas persistiu ao longo dos anos mas, na verdade, piorou, especialmente porque a população árabe palestina aumentou desproporcionalmente em comparação com a população judaica entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo.

A infeliz realidade é que alguns partidos árabes têm participado nas eleições israelitas desde 1949, alguns de forma independente e outros sob o chapéu de chuva do partido dominante, Mapei2. Fizeram-no apesar das comunidades árabes em Israel terem sido administradas por um governo militar (1951-1966) e praticamente governadas, até hoje, pelo ilegal 'Defesa (Regulamentos de Emergência)'. Essa participação tem sido constantemente elogiada por Israel e seus apoiantes como prova da natureza democrática do Estado.

Esta afirmação por si só tem servido como a espinha dorsal da hasbara3 israelita ao longo das décadas. Embora, muitas vezes involuntariamente, os partidos políticos árabes em Israel tenham fornecido o material para tal propaganda, tornando difícil para os palestinos argumentar que o sistema político israelita é fundamentalmente deformado e racista.

Os cidadãos palestinos sempre debateram entre si os prós e os contras de participar nas eleições israelitas. Alguns entenderam que a sua participação valida a ideologia sionista e o apartheid israelita, enquanto outros argumentaram que abster-se de participar do processo político nega aos palestinos a oportunidade de mudar o sistema por dentro.

O último argumento perdeu muito do seu mérito à medida que Israel se afundava cada vez mais no apartheid, enquanto as condições sociais, políticas e legais dos palestinos pioravam.

O Centro Jurídico para os Direitos das Minorias Árabes em Israel (Adalah) relata dezenas de leis discriminatórias em Israel que visam exclusivamente as comunidades árabes. Além disso, num relatório publicado em fevereiro, a Amnistia Internacional descreve minuciosamente como a “representação dos cidadãos palestinos de Israel no processo de tomada de decisão… foi restringido e prejudicado por uma série de leis e políticas israelitas”.

Essa realidade existe há décadas, muito antes de 19 de julho de 2018, quando o parlamento israelita aprovou a chamada Lei Base do Estado-Nação Judaico. A Lei foi o exemplo mais flagrante de racismo político e legal, que fez de Israel um regime de apartheid de pleno direito.

A Lei também foi a proclamação mais articulada da supremacia judaica sobre os palestinos em todos os aspetos da vida, incluindo o direito à autodeterminação.

Aqueles que argumentaram que a participação árabe na política israelita serviu um propósito no passado deveriam ter feito mais do que denunciar coletivamente a lei do Estado-nação, demitindo-se em massa, com efeito imediato. Eles deveriam ter aproveitado o alvoroço internacional para converter a sua luta de parlamentar em popular.

Infelizmente, eles não o fizeram. Continuaram a participar nas eleições israelitas, argumentando que, se conseguissem maior representação no Knesset israelita, deveriam ser capazes de desafiar o tsunami das leis discriminatórias israelitas.

Isso não aconteceu, mesmo depois de a Lista Conjunta, que unificou quatro partidos árabes nas eleições de março de 2020, ter alcançado a sua maior participação de sempre, tornando-se o terceiro maior bloco político do Knesset.

A suposta vitória histórica culminou em nada porque todos os principais partidos judeus, independentemente das suas origens ideológicas, se recusaram a incluir os partidos árabes nas suas coligações potenciais.

O entusiasmo que mobilizou os eleitores árabes em torno da Lista Conjunta começou a diminuir, e a própria Lista se fragmentou, graças a Mansour Abbas, chefe do partido árabe Ra'am.

Nas eleições de março de 2021, Abbas queria mudar completamente a dinâmica da política árabe em Israel. “Focamo-nos nas questões e problemas dos cidadãos árabes de Israel dentro da Linha Verde”, disse Abbas à revista TIME em junho de 2021, acrescentando que “queremos sanar os nossos próprios problemas”, como se declarasse uma desvinculação histórica do resto da luta palestiniana.

 Abbas estava errado, pois Israel percebe que ele, os seus seguidores, a Lista Conjunta e todos os palestinos são obstáculos nos seus esforços para manter a exclusivista 'identidade judaica' do Estado. A experiência de Abbas, no entanto, tornou-se ainda mais interessante, quando o Ra'am ganhou 4 assentos e se juntou a uma coligação governamental liderada pelo político de extrema-direita e anti palestino Naftali Bennet.

Quando a coligação entrou em colapso, em junho, Abbas conseguiu pouco, além de dividir o voto árabe e provar, novamente, que mudar a política israelita por dentro sempre foi uma fantasia.

Mesmo depois de tudo isso, os partidos árabes em Israel ainda insistiam em participar num sistema político que, apesar das suas inúmeras contradições, concordava numa coisa: os palestinos são, e sempre serão, o inimigo.

Mesmo os violentos acontecimentos de maio de 2021, onde os palestinos se viram a lutar em várias frentes – contra o exército israelita, a polícia, os serviços de inteligência, os colonos armados e até mesmo cidadãos comuns – não pareceram mudar a mentalidade dos políticos árabes.

Centros populacionais árabes em Umm Al-Fahm, Lydda e Jaffa foram atacados com a mesma mentalidade racista que o fazem em Gaza e Sheikh Jarrah, ilustrando que quase 75 anos de suposta integração entre judeus e árabes sob o sistema político de Israel dificilmente mudaram a visão racista em relação aos palestinos.

Em vez de converter a energia do que os palestinos chamam de 'Unidade Intifada' para investir na unidade palestina, os políticos israelitas árabes retornaram ao Knesset israelita, como se ainda tivessem esperança de salvar o sistema político inerentemente corrupto e racista de Israel.

A auto ilusão continua. Em 29 de setembro, o Comitê Eleitoral Central de Israel impediu um partido árabe, Balad, de concorrer às eleições de novembro. A decisão acabou por ser anulada pelo Supremo Tribunal do país, levando uma organização jurídica árabe em Israel a descrever a decisão como 'histórica'!? Em essência, sugeriram que o sistema de apartheid de Israel ainda alimenta a esperança de uma verdadeira democracia.

O futuro da política árabe em Israel permanecerá sombrio se os políticos árabes continuarem a perseguir essa tática fracassada. Embora os cidadãos palestinos de Israel sejam socioeconomicamente privilegiados se comparados com os palestinos nos Territórios Ocupados, eles desfrutam de direitos políticos ou legais nominais ou inexistentes.

Ao permanecerem participantes leais na farsa da democracia de Israel, esses políticos continuam a validar o regime israelita, prejudicando, assim, não apenas as comunidades palestinianas em Israel, mas, de fato, os palestinos em toda a parte.

 

1Nakba, o "desastre", "catástrofe" ou "cataclismo", também conhecida como a Catástrofe Palestina, foi a destruição da sociedade palestina e da pátria em 1948, e a deslocação permanente da maioria dos árabes palestinos. O termo também é usado para descrever a contínua perseguição, deslocação e ocupação dos palestinos, tanto na Cisjordânia ocupada como na Faixa de Gaza, bem como nos campos de refugiados palestinos em toda a região. https://en.wikipedia.org/wiki/Nakba#:~:text=The%20Nakba%20(Arabic%3A%20%D8%A7%D9%84%D9%86%D9%83%D8%A8%D8%A9%2C,majority%20of%20the%20Palestinian%20Arabs (NT)

2  O Partido de los Trabalhadores da Terra de Israel, mais conhecido pelas suas siglas Mapei, foi um partido político de Israel, de centro- esquerda, de ideologia socialdemocrata que foi  a força política predominante no país até que, em 1968 se fundiu com outros partidos para formar o Partido Trabalhista Israelita (NT) https://es.wikipedia.org/wiki/Mapai_(partido_pol%C3%ADtico)

3  Hasbará  designa o esforço israelita de relações públicas para difundir, no exterior, informações positivas ou propaganda do Estado de Israel e as suas ações. O termo é usado pelo governo israelita e seus apoiantes para descrever iniciativas que consistem em explicar as políticas governamentais e promover Israel, contrapondo-se à mídia desfavorável e ao que consideram como uma campanha de deslegitimização de Israel no mundo. Hasbara significa "explicação" e é também um eufemismo para simples propaganda. (NT) https://pt.wikipedia.org/wiki/Hasbar%C3%A1

 

Fonte: Chasing a Mirage: How Israel's Arab Politcal Parties Validate Apartheid (mintpressnews.com), publicado e acedido em 07.11.2022

Tradução: TAM


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