Todd Miller e Gabriel M. Schivone | NACLA | Tucson - 01/02/2015 - 06h00
Assim como a Faixa de Gaza para os israelenses, regiões fronteiriças dos EUA estão se tornando laboratório a céu aberto para empresas de segurança; estado do Arizona promove programa de cooperação para militarizar fronteira mexicana
Policiais norte-americanos patrulham a fronteira entre os Estados Unidos e o México nos arredores da cidade de Nogales, no Arizona |
Era outubro de 2012. Roei Elkabetz, general das Forças Armadas Israelenses (IDF, na sigla em inglês) explicava as estratégias de defesa de fronteiras de seu país. Em sua apresentação de Power Point, havia uma foto do muro que separa a Faixa de Gaza de Israel. "Aprendemos muito com Gaza", disse à audiência. "É um excelente laboratório".
Elkabetz falava em uma conferência sobre patrulhamento de fronteiras que apresentava uma quantidade estonteante de novas tecnologias. Havia balões de monitoramento sobrevoando um veículo blindado e camuflado. Havia sistemas de sensores sísmicos para a detecção de movimentação humana. Ao redor do general, era possível ver exemplos de práticas de policiamento imaginadas não por um escritor de ficção científica distópica, mas por empresas de inovação tecnológica.
O general, no entanto, não estava à beira do Mediterrâneo, mas em meio à árida paisagem do Texas. Ele estava em El Paso, a cerca de 10 minutos de distância do muro que separa os Estados Unidos do México.
No dia 20 de novembro de 2014, o presidente Obama anunciou uma série de ações executivas sobre a reforma da imigração. Dirigindo-se ao povo americano, ele se referiu à lei aprovada pelo Senado em julho de 2013, que, entre outras coisas, aumentaria a militarização das fronteiras do país. O presidente lamentou o fato de que a lei tenha ficado parada na Câmara dos Representantes, caracterizando-a como um "solução conciliatória" que "reflete o senso comum". Segundo o presidente, a lei iria "dobrar o número de agentes de patrulhamento nas fronteiras, enquanto forneceria aos imigrantes ilegais um caminho para a cidadania".
Assim como a Faixa de Gaza para os israelenses, as regiões fronteiriças dos EUA – chamadas de "zonas isentas de Constituição" pela Associação Norte-Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) já que direitos constitucionais são suspensos nessas áreas – estão se tornando um grande laboratório a céu aberto para empresas do setor de tecnologia. Nelas, quase qualquer forma de patrulhamento e "segurança" pode ser desenvolvida, testada e apresentada, como em um shopping center militar, para outros países do mundo todo. Desta forma, a segurança fronteiriça está se tornando uma indústria global e o complexo empresarial mais satisfeito com isso é o que desenvolveu as tecnologias aplicadas em Israel (Palestina ocupada - N. do Blog).
Em fevereiro de 2014, a Agência de Fiscalização de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), órgão do Departamento de Segurança Nacional (DHS) encarregado do policiamento das fronteiras dos EUA, fechou um contrato com o gigante da indústria militar israelense Elbit Systems, a fim de construir uma "barreira virtual", isto é, uma barreira tecnológica instalada na fronteira do deserto do Arizona. A empresa, cujas ações americanas subiram 6% durante as operações militares israelenses contra Gaza em julho de 2014, trará o mesmo arsenal de tecnologias utilizado nas fronteiras israelenses – Gaza e Cisjordânia – para o sul do Arizona, por meio de sua subsidiária Elbit Systems of America.
Com cerca de 12 mil funcionários e "mais de 10 anos trabalhando pela segurança das mais complexas fronteiras do mundo", a Elbit produz um arsenal de "sistemas de segurança nacional". Ele inclui veículos terrestres de patrulhamento, sistemas aéreos não-tripulados em miniatura e "cercas inteligentes", isto é, barreiras de ferro altamente fortificadas que têm a capacidade de sentir o toque ou o movimento de uma pessoa. Em seu papel como líder na integração de sistemas do plano de tecnologia de fronteiras israelense, a empresa já instalou cercas inteligentes na Cisjordânia e nas Colinas de Golã.
Michael Rose / Flick
Muro que separa a Cisjordânia e Israel(Palestina ocupada - N.do Blog), em 2011 |
No Arizona, o CBP encarregou a Elbit da criação de um "muro" de "torres fixas integradas" que contém câmeras, radares, sensores de movimento e salas de controle. A construção será iniciada nos íngremes desfiladeiros desérticos ao redor da cidade de Nogales. Estas torres são apenas parte de uma operação mais ampla, o Plano de Tecnologia de Patrulhamento de Fronteiras do Arizona.
Esta não é a primeira vez que empresas israelenses participam de um projeto nas fronteiras dos EUA. Em 2004, os drones Hermes da Elbit foram os primeiros veículos aéreos não-tripulados a patrulhar a fronteira sul. Em 2007, de acordo com o livro “A Doutrina do Choque”, da jornalista canadense Naomi Klein, o Golan Group, empresa de consultoria israelense formada por ex-membros das Forças Especiais do exército israelense, forneceu um curso intensivo de oito dias para agentes especiais de imigração do Departamento de Segurança Nacional que abrangia "desde combate corporal direto até 'pró-atividade com SUVs'".
À medida que esta cooperação entre agências de patrulhamento de fronteiras era intensificada, o jornalista norte-americano Jimmy Johnson cunhou a expressão "fronteira México-Palestina". Em 2012, o poder legislativo do Arizona, interessado no potencial econômico da crescente colaboração, declarou o estado e Israel "parceiros de negócios", complementando que "desejavam ampliar esta relação".
Desta forma, as portas foram abertas para uma nova ordem mundial, em que EUA e Israel se tornarão parceiros no "laboratório" que é a região fronteiriça entre México e EUA. Os testes serão realizados no Arizona. Ali, principalmente por meio de um programa chamado Global Advantage, o know-how acadêmico e corporativo norte-americano e os baixos salários pagos nas fábricas mexicanas se unirão às empresas de segurança de fronteiras de Israel.
O Global Advantage é um projeto corporativo que tem como base a parceria entre a Tech Parks Arizona, programa da universidade do estado, e o Offshore Group, empresa de consultoria que fornece "soluções terceirizadas para empresas de qualquer tamanho" nas adjacências da fronteira mexicana. A Tech Parks Arizona tem os advogados, contadores e especialistas, assim como o know-how técnico, para ajudar qualquer empresa estrangeira a se instalar no país. Por meio de um programa chamado Israel Business Initiative, a Global Advantage encontrou seu país preferencial.
É o retrato de um mundo pós-ALCA em que as empresas dedicadas a impedir que pessoas cruzem fronteiras têm acesso livre a estas mesmas fronteiras. Embora Israel e Arizona estejam separados por milhares de quilômetros, Rothschild garantiu que "economicamente, não há fronteiras".
Soldados dos EUA patrulham a fronteira entre o país e o México nos arredores de Nogales, no Arizona |
Soldados dos EUA patrulham a fronteira entre o país e o México nos arredores de Nogales, no Arizona
O que o prefeito mais estima é o fato de que as novas tecnologias de patrulhamento de fronteiras trarão dinheiro e empregos para uma área com uma taxa de pobreza de quase 23%. De acordo com Molly Gilbert, diretora da Tech Parks Arizona, "a questão na verdade é o desenvolvimento, e nós queremos criar empregos na área de tecnologia em nossas fronteiras".
Nestas parcerias, as fábricas que produzirão as fortalezas desenhadas pela Elbit e outras empresas de alta tecnologia de Israel e dos EUA estão no México. Trabalhadores mexicanos muito mal pagos fabricarão, portanto, os componentes de um futuro esquema de patrulhamento que ajudará a localizar, deter, prender e deportar alguns deles, caso tentem atravessar a fronteira rumo aos EUA.
No momento, há supostamente entre 10 e 20 empresas israelenses discutindo a possibilidade de participar do programa. Embora seja cuidadoso ao declarar o sucesso da Israel Business Initiative, Bruce Wright, CEO da Tech Parks Arizona, fala com otimismo sobre o plano transnacional de sua organização. Wright se baseia nas previsões de que o mercado de segurança nacional crescerá de seus 51 bilhões de dólares anuais em 2012 para 81 bilhões apenas nos EUA, no ano de 2020, e para 544 bilhões no mundo todo em 2018.
Wright sabe que há sub-mercados que crescem rapidamente, voltados para produtos relacionados ao patrulhamento, como câmeras de vigilância, armas não-letais e tecnologias de rastreamento de identidade; também sabe que o mercado norte-americano de drones criará 70 mil novos empregos em 2016. Alimentando, em parte, este crescimento, há o que a agência de notícias Associated Press chama de "adoção sem precedentes" de patrulhamento por drones na fronteira sul dos EUA. Mais de 10 mil voos de drones foram realizados no espaço aéreo fronteiriço desde março de 2013.
De acordo com Wright, o sul do Arizona, auxiliado por seu parque tecnológico, irá se tornar o laboratório perfeito para o primeiro núcleo de empresas de segurança de fronteiras na América do Norte. Ele não está pensando apenas nas 57 empresas do sul do Arizona que já foram identificadas como operando na área de segurança e gerenciamento de fronteiras, mas também em outras empresas similares espalhadas pelo país e pelo mundo, mas especialmente em Israel (Palestina ocupada - N. do Blog.).
Soldados israelenses revistam motorista no posto de controle de Abu Diss, entre Cisjordânia e Israel - Kashfi Halford |
Soldados israelenses revistam motorista no posto de controle de Abu Diss, entre Cisjordânia e Israel
O objetivo de Wright é seguir a liderança de Israel, já que o país sedia hoje o maior número de empresas da área. Neste caso, a fronteira mexicana simplesmente substituiria as áreas de testes palestinas, utilizadas inclusive como marketing das empresas. Elas poderiam transferir, avaliar e testar seus produtos in loco, como ele gosta de dizer – isto é, onde há pessoas reais cruzando fronteiras reais.
"Se vamos ter de conviver diariamente com a fronteira, com todos os seus problemas, e há uma solução para eles", disse Wright em uma entrevista de 2012, "por que não sermos a região que os resolve e ganha todos os benefícios comerciais por tê-lo feito?".
Naomi Weiner, coordenadora de projetos da Israel Business Initiative, voltou de uma viagem ao país junto de pesquisadores da Universidade do Arizona bastante entusiasmada quanto às possibilidades de colaboração. "Escolhemos áreas em que tanto Israel quanto o sul do Arizona são fortes", explicou Weiner, mencionando a "sinergia" da indústria de patrulhamento de ambos os lugares. Por exemplo, uma das empresas que sua equipe conheceu em Israel foi a Brightway Vision, subsidiária da Elbit Systems. Se a empresa decidir se instalar no Arizona, ela poderia usar os especialistas do parque tecnológico local para desenvolver e refinar câmeras e óculos de imagens térmicas, explorando outras maneiras de aplicar estes produtos militares no patrulhamento de fronteiras. O Offshore Group fabricaria então no México as câmeras e óculos.
Embora o romance entre o Arizona e Israel ainda esteja em sua fase inicial, o entusiasmo quanto às possibilidades está crescendo. Representantes da Tech Parks Arizona veem a Global Advantage como a maneira perfeita de fortalecer o "relacionamento especial" entre EUA e Israel. Não há outro lugar no mundo com uma maior concentração de empresas do setor. Cerca de 600 start-ups da área de tecnologia são criadas apenas em Tel Aviv a cada ano. Durante a investida israelense contra Gaza no último verão, a rede de notícias sobre economia Bloomberg noticiou que o investimento em tais empresas “se acelerou”. No entanto, apesar das operações militares periódicas em Gaza e do incessante aparelhamento da patrulha de segurança nacional israelense, há várias limitações no mercado local.
O Ministro da Economia israelense está ciente disto. Seus secretários sabem que o crescimento da economia israelense é "alimentado por um crescimento constante das exportações e do investimento externo". O governo cultiva e dá apoio a estas start-ups da área de tecnologia até seus produtos estarem prontos para a exportação. Dentre eles está o "skunk", um líquido de odor pútrido que tem como objetivo conter multidões. O ministério foi bem sucedido em exportar estes produtos para o mundo todo. Na década que se seguiu ao ataque às Torres Gêmeas em Nova York, a exportação israelense de "produtos de segurança" subiu de 2 bilhões para 7 bilhões de dólares anuais.
Empresas israelenses venderam drones de vigilância a países latino-americanos como México, Chile e Colômbia, e sistemas de segurança à Índia e ao Brasil, onde um sistema electro-óptico será empregado no controle das fronteiras com o Paraguai e a Bolívia. Eles também estiveram envolvidos na preparação para o policiamento a ser usado nas Olimpíadas de 2016, no Brasil. Os produtos da Elbit Systems e de suas subsidiárias são usados desde as Américas e Europa até a Austrália. Enquanto isso, a gigantesca empresa de segurança está cada vez mais envolvida na descoberta de "aplicações civis" para tecnologias de guerra, e está ainda mais interessada em levar tecnologia do campo de batalha para as fronteiras do mundo, incluindo o sul do Arizona.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no site NACLA, publicação norte-americana focada em informações e análises sobre a América Latina.
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