
Quando há um atentado terrorista, como os que aconteceram em Paris ou,
agora, em Bruxelas, não consigo entendê-lo como julgo que entende
a maioria das pessoas que falam na comunicação social,
especialmente nas televisões. Segundo esses comentadores – quase
todos eles – os atentados foram cometidos por grupos de fanáticos
que têm como objectivo destruir a civilização ocidental
– os nossos valores, a nossa cultura, o nosso modo vida – e, como fim
último, sujeitar-nos às suas crenças e ao seu
domínio. A isto se resumiriam as acções designadas por
terroristas. E porque assim é, os terroristas agiriam em nome de uma
ideia que visaria destruir o mundo ocidental, o que culminaria na
ocupação das nossas casas, na pilhagem dos nossos bens, sem
esquecer a imposição da burka às nossas mulheres, tudo
isto depois da nossa inevitável conversão – à
força, se necessário – ao Islão, após o que
seríamos constrangidos a prostrar-nos, não sei quantas vezes por
dia, virados para Meca. Não acredito numa coisa assim, e presumo que
quem o diz – ou deixa, pelo menos, essa ideia no ar – também
não acredita. Podem ser uns papagaios bem pagos, mas tontos a esse ponto
não são. Seguramente.
O que está em causa – melhor: o que está por detrás
disto tudo – não é, sequer, um choque de culturas, nem
é uma questão religiosa. Nem se explica, também, pelo
ódio ou, se preferirmos, pela sede de vingança nascida de
incontáveis chacinas e humilhações que os europeus, desde
sempre, praticaram, coisa que começou porque se outorgavam, em nome da
fé, ou a seu pretexto, o direito divino de matar, esfolar e queimar,
para além de, convenientemente, saquear os incrédulos. Nada disto
é segredo para ninguém, qualquer compêndio de
história o diz, sabendo-se, por exemplo, como portugueses e
espanhóis foram por esse mundo fora, com a cruz numa das mãos e a
espada na outra, impingindo os seus credos e cobrando em ouro, prata e outros
proveitosos embolsos.
Mais tarde, porque aos impérios, dessas e doutras conjunturas nascidos,
competia ter colônias e povos escravizados – toda a África,
desde o Mediterrâneo ao Cabo da Boa Esperança, era um mosaico de colônias das potências europeias, o mesmo sucedendo no
Médio Oriente, com o Iraque, a Síria, a Palestina e o
Líbano a juntarem-se a Marrocos, Argélia, Tunísia,
Líbia e Egito. E depois – já nos tempos que correm –
porque o espírito colonial não morreu com o fim dos
impérios, pela razão simples de que as matérias-primas
continuam lá (especialmente uma, chamada
crude
), a civilização judaico-cristã, que pariu guerras
atrás de guerras dentro das suas fronteiras, concluiu que é muito
melhor fazê-las fora de portas, a fim de conseguir pela força
aquilo que não for possível conseguir pela persuasão,
nomeadamente através de governos venais. E quando se tem um parceiro que
nasceu com a violência no sangue, para quem as guerras são um modo
de vida – refiro-me aos EUA, obviamente – não custa nada
convencermo-nos que a civilização começa e acaba nesta
coisa chamada Mundo Ocidental.
Nós, ocidentais – digamos assim, apesar de eu não pretender
incluir-me no contexto – é que sabemos como devem viver todos os
povos. Nós – eu salvo seja, que disso me excluo! – europeus e
norte-americanos, é que definimos as regras do jogo. Nós –
ou seja: eles – com as nossas/suas gravatas e etiquetas, é que
somos verdadeiramente civilizados. Nós – salvo seja eu, ainda e
sempre! – que acreditamos que um homem, chamado Moisés, foi
convocado por uma criatura divina, chamada Deus, ao cume de um monte
árido, chamado Sinai, e ali recebeu duas tábuas onde, escritos
pelo dedo do próprio Deus, estavam todos os mandamentos que deveriam
orientar os homens para todo o sempre, somos os primeiros a não cumprir,
praticamente, nenhum desses mandamentos. Matamos, roubamos, e passamos a vida a
desejar e a tentar possuir tudo o que é do próximo, incluindo a
sua mulher, e sendo verdade que Deus não disse – ou não
escreveu – que seria proibido a uma mulher cobiçar o homem da
próxima, por estar, obviamente, subentendido, tal não deixa de
suceder, como o mais lerdo dos mortais está farto de saber.
E nós – salvo seja, mais uma vez, que "nós"
é apenas uma maneira de dizer – que acreditamos em Moisés,
apesar de não haver quem testemunhasse esse encontro com o ser
sobrenatural – nós, civilização ocidental,
judaico-cristã, que dizemos acreditar ter Deus despachado que
ninguém cobiçará a casa do seu próximo, nem a
mulher do seu próximo, nem o seu escravo, nem a sua escrava (na altura,
Deus ainda considerava que a escravatura era uma coisa excelente, o que prova
que até Deus se pode enganar), nem cobiçar o seu boi, nem coisa
alguma do seu próximo, nada mais temos feito, nesta velha e civilizada
Europa cristã, do que exatamente o contrário do que Deus
terá dito – ou escrito – a Moisés. Ou que
Moisés, para consolidar o seu lugar de patriarca, terá dito que
Deus lhe disse, que é como quem diz: terá escrito aquilo que
disse ter sido escrito por Deus. Temos – nanja (jamais (N.do Blog)) eu – passado os
séculos a matar e a morrer em guerras fratricidas, apenas porque
desejamos aquilo que é do próximo. Isto é: Não
há maiores infratores às leis de Deus, do que precisamente
aqueles que dizem acreditar que foi Deus quem, através de Moisés,
as pôs a circular.
Recorde-se, por exemplo, que uma dessas guerras, a dos Cem Anos chamada –
que foi composta por vários conflitos, e que durou, na verdade, cento e dezesseis anos, pois decorreu entre 1337 e 1453 – teve como causas as
necessidades de os senhores feudais, que eram cristãos dos pés
à cabeça, quererem mais terras do que aquelas que já
tinham. Queriam, esses eleitos de Deus, as terras do próximo. E mais o
que estava lá, incluindo as mulheres.
Mais tarde, entre 1618 e 1648, decorreu outro conflito, com epicentro na
Alemanha, por motivos variados, mas sempre à volta do mesmo: rivalidades
religiosas como pretexto, mas, principalmente, por razões territoriais e
comerciais. Chamou-se a Guerra dos Trinta Anos. Lá está:
queria-se a fazenda e os negócios do próximo. E todos eles –
os senhores das partes envolvidas – louvavam a Deus sobre todas as coisas.
De 1803 a 1815, Napoleão Bonaparte, que se considerava o herdeiro da
Revolução Francesa, decidiu que deveria levar os valores da
Revolução a toda a parte, esquecendo-se ele próprio de os
respeitar, pelo que resolveu fazer-se coroar imperador. Safou-se da guilhotina,
mas não se safou dos ingleses. Fosse como fosse, falamos de doze anos
durante os quais a cristandade mostrou o seu carácter autofágico.
No século passado, nasceram nesta mesma Europa civilizada e
cristã até mais não poder ser, os dois maiores conflitos
mundiais. E cada um matou mais do que o anterior. Sempre pelas mesmas
razões. Independentemente do rastilho que as fez despoletar – ambas
rebentaram, por curiosidade, tal como a guerra dos Trinta Anos, na Alemanha
– era preciso deitar a mão à riqueza alheia. Hitler chamou
ao que era do próximo, o seu – dele, Hitler –
Espaço Vital.
Tal como os norte-americanos chamam àquilo que querem, esteja
lá onde estiver, e seja lá de quem for, os seus
Interesses Vitais.
Já vimos, portanto, de que massa é feita esta Europa civilizada,
imbuída de ensinamentos bíblicos, cristã até
à medula, uma parceira ideal para o Tio Sam, o maior rapinante que anda
por aí ao cume da terra. Deus os fez, Deus os juntou, tal como as duas
tábuas da lei.
Mas perdi-me do fio inicial. Dizia eu que o que está por detrás
disto tudo – do terrorismo – não é, sequer, um choque
de culturas, nem é uma questão religiosa. Nem se explica,
também, pelo ódio ou, se preferirmos, pela sede de
vingança nascida de muitas chacinas e humilhações que os
europeus, desde sempre, praticaram. É tudo isso amalgamado e utilizado
como ingredientes por quem não se amarra a um cinto de explosivos, que
não viajou de avião no dia 11 de Setembro, nem foi, como
costumava ir, às Twin Towers nesse mesmo dia, nem frequentava o
Bataclan. E que, seguramente, sabia que não podia estar no aeroporto de
Bruxelas, ou no metro, no dia em que as bombas explodiram. Quem matou, em
Bruxelas, é quem vende armas ao Estado Islâmico, é quem lhe
compra o petróleo, é quem trata os seus feridos nos hospitais de
Israel. É quem despeja bombas sobre as mulheres e as crianças da
Faixa de Gaza. É quem roubou as casas e a água aos palestinos.
Quem matou, em Bruxelas, ou em Paris, foi quem colaborou ativamente com a
selvática e desumana destruição da Líbia (Allo,
monsieur Sarkozy!), executada pela NATO, onde não morreram 30, nem 40,
nem 140 pessoas inocentes, mas centenas de milhares de seres humanos tão
inocentes como estes do metro e do aeroporto de Bruxelas.
Quem matou em Bruxelas, ou em Paris, foi o reles fantoche que aceitou ser um
sinistro mandatário de Obama (Allo, monsieur Hollande!), ao armar e
financiar as hordas terroristas na Síria, onde os mortos civis, causados
por esta guerra inspirada e alimentada pela França e pelos EUA,
já ultrapassaram os 300 mil. Quem vir a Síria de hoje,
verá um país cuja devastação faz lembrar o que de
pior se viu na II Grande Guerra após um qualquer ataque aéreo.
Aquele país moderno, arejado e desenvolvido, onde as religiões
conviviam sem ódios ou querelas, onde o nível de vida fazia
inveja a muitos países europeus, como Portugal, por exemplo, é
hoje um monte de ruínas devido à interferência estrangeira,
porque os governantes europeus e norte-americanos consideram que não
pode haver exemplos de sucesso fora do sistema capitalista. Ou fora da
democracia na sua única versão "aceitável": a
versão em que os interesses dos senhores capitalistas (como se dizia
há anos), ou dos Mercados, ou dos senhores Investidores (como se diz
agora), prevalecem sobre tudo o resto.
(Note-se que a Síria cometeu o horroroso crime de manter o
petróleo como riqueza nacional, posto ao serviço de todo o povo,
e não de qualquer multinacional).
Quem matou em Bruxelas, como antes em Paris, foram e são aqueles que,
dos seus gabinetes governamentais na Europa, ou em Washington, olham para os
povos de África ou do Médio Oriente, e desenham no mapa da
geoestratégia os destinos que melhor convieram aos seus interesses.
Quer isto dizer que absolvo os homens que se deixaram desumanizar pela
violência e pelos vexames a que os seus povos foram sujeitos, fazendo
desabar agora sobre pessoas inocentes o peso de décadas e décadas
de humilhações sem limites? Não! De modo nenhum! Por
razões claras e óbvias, que são as das pessoas comuns, e
por mais uma: estas ações em nada afetam o poder dos
líderes europeus e norte-americanos. Muito menos o poder de quem comanda
esses líderes e, a nível mundial, a vida de milhões de
seres humanos, através dos cordeirinhos da economia. Dos Mercados. Ou
seja: os senhores Investidores.
Pelo contrário. O terrorismo é o melhor aliado dos senhores
Investidores. Enche de medo os cidadãos, e não há melhor
petisco para os senhores Investidores, do que um cidadão amedrontado.
Se os terroristas percebessem isto, não atacavam em Paris, nem em
Bruxelas. Não matariam as pessoas comuns.
- Então, onde e quem atacariam? – perguntam-me.
- Se estão à espera que eu diga que deveriam atacar quando e onde
se reunisse o Clube Bilderberg, desiludam-se. Não digo!
- Porquê? – voltam a perguntar-me.
- Porque o Clube Bilderberg é a maior organização
terrorista do mundo. Foi ele que congeminou a Crise, o seu remédio
– a Austeridade – e, desta maneira, empobreceu 90% do Humanidade,
enriquecendo, em consequência, os restantes 10%.
O Clube Bilderberg é, portanto, a maior fábrica de terrorismo
– e de terroristas – do mundo.
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