terça-feira, 16 de setembro de 2025

16 de setembro: No 43º aniversário do massacre de SABRA E CHATILA - DO MASSACRE AO GENOCÍDIO

 






De Marwan Abdel Aal

Terça-feira, 16 de setembro de 2025

 

A massacre de Sabra e Chatila não foi apenas um momento fugaz de derramamento de sangue, quando as garantias de legitimidade internacional, os capacetes azuis e a proteção das forças internacionais se evaporaram. Foi um alerta de que o mal em nosso tempo não é uma exceção, mas sim parte integrante do próprio sistema. Nos becos dos campos de concentração de Beirute, em 1982, mais de três mil palestinos e libaneses foram mortos a sangue frio, após serem desarmados e receberem proteção internacional que durou apenas algumas horas. Os criminosos eram conhecidos pelo nome, estavam livres, e alguns deles ascenderam aos mais altos níveis de poder. 

A partir daquele momento, ficou claro que, na ordem mundial moderna, a vítima não é apenas ameaçada de morte, mas também condenada ao silêncio, enquanto o assassino desfruta de impunidade. Este não foi um incidente isolado, mas sim parte de uma engenharia internacional de assassinatos, na qual a aprovação americana dada a Sharon foi uma autorização declarada para o massacre, como se repetiria posteriormente em Gaza com Netanyahu ao longo das décadas.

O que aconteceu em Sabra e Chatila não foi enterrado com as vítimas, mas ressurgiu em novas formas: de armas de fogo, facas e machados a drones e aeronaves inteligentes. Shylock, o mercador de sangue, não estava sozinho, da cumplicidade local ao patrocínio internacional. O que testemunhamos hoje em Gaza não é uma exceção, mas uma extensão da mesma mentalidade com a qual o genocídio é orquestrado, porém com uma nova inteligência tecnológica, onde políticas militares se entrelaçam com ferramentas digitais para moldar uma modernidade da brutalidade. Aqui, matar não é mais apenas um ato tradicional de sangue, mas sim um processo frio e calculista, gerenciado remotamente por um soldado ou um algoritmo que classifica alvos, tornando o ser humano apenas um número em um banco de dados.

Os palestinos vivenciaram catástrofes sucessivas: exílio e desenraizamento em 1948, genocídio gradual e limpeza sistemática em Deir Yassin e Kafr Qasim, Gaza e Shatila, Zaatar e Qaliya, Nabatieh, Qana, depois Qana, toda Gaza, depois Gaza, Gaza, Gaza, Gaza. Cada massacre abalou a consciência coletiva e deixou sua marca na memória. Mas Gaza, o genocídio implacável, representa outro ponto de virada; não é apenas um choque, mas um genocídio abrangente, declarado diante dos olhos do mundo. Essa transição de uma política de choque para uma política de aniquilação reflete a transformação da dissuasão no apagamento completo da existência palestina. Nesse contexto, a Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio declarou que o que está acontecendo em Gaza equivale a genocídio de acordo com os padrões das Nações Unidas.

A relação entre Shylock e outros ao longo das décadas é essencial para a compreensão da estrutura do assassinato. Shylock tinha um braço direito em Sabra e Chatila; eles não operavam sozinhos, mas sim dentro de uma rede multinacional, personificando a relação simbiótica entre perpetrador, legislador e patrocinador. O Shylock de hoje não se contenta com facas e balas; ele programa robôs explosivos e aeronaves furtivas, enquanto o apoiador monitora e cria laços de amizade, tornando a vítima um mero "alvo" para a inteligência artificial detectar, de Gaza à Cisjordânia, de Beirute a Doha.

Aqui, Shylock emerge de O Mercador de Veneza, não como um personagem teatral, mas como um símbolo da mentalidade que sempre exige uma "libra de carne". Não mais o usurário sonhando com vingança, Shylock se tornou um traficante de armas contemporâneo: ele lê contratos internacionais como documentos que hipotecam corpos palestinos, contando as vítimas com a frieza de um contador. O Shylock contemporâneo se esconde em declarações de segurança nacional e projetos de normalização, exigindo sua parte da carne humana.

A modernidade da selvageria, portanto, não é um caos passageiro, mas uma racionalidade da morte quando a força bruta se alia ao sistema oficial; um projeto meticuloso para administrar a aniquilação, das câmaras de gás nazistas aos algoritmos da morte em Gaza. Viktor Frankl, um sobrevivente de campos de concentração, escreveu que aqueles que perdem o sentido morrem mais rápido do que a fome e o frio, chamando-a de "a doença da rendição". Em Sabra e Shatila, os habitantes do campo não tiveram a oportunidade de buscar sentido: foram despojados de suas armas e seus combatentes expulsos, receberam a promessa de proteção e, em seguida, foram deixados expostos a facas e balas. A morte aqui não foi um acidente, mas um ato deliberado para anular o sentido da existência palestina.

Mas o genocídio não se limita à Palestina. A região testemunhou a chamada Primavera Árabe, que levantou slogans de liberdade, mas rapidamente se transformou em um teatro de caos sangrento: cenas de decapitações na Líbia e na Síria, operações de arrastamento na costa e em Sweida, prisões sectárias e combates sem sentido. Essas imagens não eram excepcionais; ao contrário, confirmavam que o Oriente Médio anunciado não era novo, mas sim feio, revelando uma brutalidade oculta que foi reciclada com novas mídias e ferramentas políticas. Aqui, a banalidade do mal também foi revelada: pessoas comuns cometendo crimes horríveis como se fossem um dever ou um ritual coletivo, inconscientes da realidade do que estavam fazendo.

Os Acordos de Abraão não foram a salvação, mas sim parte desse cenário nefasto. Eles forneceram cobertura política e de segurança para Israel, legitimaram a ocupação em vez de encerrá-la e transformaram a cooperação em um meio de administrar o genocídio usando ferramentas diplomáticas. Não são paz, mas sim uma parceria na gestão da cena do crime, onde a normalização se cruza com a brutalidade, revelando que o novo Oriente Médio nada mais é do que a reprodução de um regime ainda mais brutal e opressor. Nesse cenário, o Mercador de Veneza — um Shylock moderno — emerge: vestindo um uniforme internacional, assinando contratos de armas e entregando divisas humanas a países que priorizam o lucro em detrimento de considerações morais.

Zygmunt Bauman escreveu que “o genocídio não é uma aberração da modernidade, mas sim parte de sua racionalidade”.

Sabra e Shatila são um exemplo flagrante: um genocídio calculado, premeditado. Gaza hoje é a extensão natural dessa estrutura: um legado de assassinatos e mortes declaradas, perpetrados diante das telas, enquanto o slogan "Nunca Mais" cai com força. O Holocausto nazista tornou-se um código moral global, mas o que aconteceu na Palestina, de Bahr al-Baqar a Qana, Sabra e Shatila, e finalmente a Gaza, revelou que o slogan não se aplica a palestinos ou árabes. "Nunca Mais" tornou-se um código condicional: aplicado a alguns povos e não a outros.

O Oriente Médio não é mais um lugar novo e promissor para o desenvolvimento. Em vez disso, transformou-se em um Oriente Médio feio: um teatro de genocídio, racionalmente administrado, protegido internacionalmente, justificado pela retórica democrática, protegido por acordos e programado por robôs. É o espaço onde o mundo testa os limites da impunidade. O que está acontecendo hoje, da agressão a Gaza às ameaças em Doha, não é um incidente isolado, mas uma mensagem sangrenta para toda a região: o criminoso em série ainda está à solta, fora da jaula, fazendo ameaças e experimentando novas ferramentas de morte.

No entanto, a resistência palestina continua sendo um contraponto à doença da rendição. A vítima que rejeita a humilhação e transforma sua morte em significado torna-se uma memória viva e um símbolo de resistência. Gaza não é apenas uma geografia sitiada, mas um subúrbio de dignidade, um cinturão de cidades e uma voz inextinguível. O massacre se torna memória, e a morte se torna resistência, para que a humanidade possa permanecer viva apesar da máquina de matar digital.

No final, Shylock reaparece, desta vez não do palco de Shakespeare, mas do coração do sangrento Oriente Médio, estendendo a mão ao corpo da vítima para cortar a "libra de carne" que havia prometido. Mas Gaza, com suas conotações de resistência, responde: O corpo não é uma mercadoria, o sangue não é uma cláusula contratual e o significado não pode ser reduzido a uma conta. Assim, a tragédia se transforma em desafio, e o Shylock contemporâneo é derrotado por uma vítima que sabe transformar sua morte em vida e seu significado em resistência.

 


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